segunda-feira, 14 de junho de 2010

A Segunda Guerra Mundial - Um balanço Histórico


João Fábio Bertonha
Doutorando em História Social/UNICAMP


COGGIOLA, Osvaldo L.A. A Segunda Guerra Mundial - Um balanço Histórico. São Paulo, FFLCH/USP, 1995

Entre 1989 e 1995, as comemorações dos aniversários e das grandes datas relativas à Segunda Guerra Mundial trouxeram esse tema clássico da historiografia contemporânea de volta à cena. Documentários, programas na televisão, cadernos especiais nos jornais (...), a mídia se utilizou de todos os meios, de fato, para comemorar e recuperar a memória do Segundo Conflito Mundial.

As Universidades não ficaram longe de tal esforço, com uma sucessão de atividades sendo desenvolvidas para discutir e analisar criticamente o dito acontecimento. Entre tais atividades, uma especial, porém, se destacou: o Simpósio Internacional "A Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico", promovido pelo Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP entre os dias 15 e 17 de agosto de 1995 e que se caracterizou por uma grande qualidade dos trabalhos apresentados. Agora, oportunamente, tais trabalhos estão sendo apresentados ao grande público na forma impressa.

À parte discussões mais clássicas, como, por exemplo, as relativas às causas da guerra e seus efeitos políticos posteriores, o livro se destaca por se concentrar não nas questões bélicas mas sim nos aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais do conflito. Frente a um volume impressionante de bibliografia relativa à Segunda Guerra Mundial mas que aborda especialmente as grandes batalhas, as biografias dos generais, as estratégias, etc., faltava, de fato, uma obra que tratasse da guerra - e, em especial, da II Guerra Mundial - como um fenômeno obviamente militar, mas não só isso.

Em vários textos, discute-se, por exemplo, a natureza da guerra, colaborando na desmistificação da Segunda Guerra Mundial como um conflito puramente ideológico e maniqueísta entre o bem e o mal. Feita essa desmistificação, abre-se espaço, então, para um debate mais elaborado a respeito do tema, com discussões bastante cabíveis sobre a influência da ideologia, da geopolítica e das políticas revolucionárias e contra-revolucionárias no conflito vindo a tona. Tal debate é, sem dúvida, precioso no esforço de perceber e analisar de forma mais crítica as bombásticas e laudatórias comemorações dos aniversários do conflito nos últimos anos.

Ainda nesse sentido, autores como Ernst Mandel e José Carlos Meihy vão colaborar para desvincular das figuras, respectivamente, de Hitler e Franco o caráter demoníaco e de únicos responsáveis pela guerra. É verdade que, no caso de Mandel, a crítica se torna um pouco excessiva ao subestimar a importância de homens como Hitler, Churchill ou Roosevelt na condução das políticas de seus países. Mesmo assim, é válida no sentido de vermos a guerra não como ato irrefletido e louco de pessoas dominadas pela irracionalidade, mas também como resultado da conjugação de políticas e atitudes de grupos sociais maiores.

Nesse ponto, uma sugestão. Nos parece ser de grande utilidade, nessa visão da guerra como resultado também de determinações vindas de um contexto maior, uma apresentação do próprio resultado do conflito como derivado não só dos atos de alguns líderes, da bravura dos soldados ou das táticas bélicas utilizadas, mas também do contexto de guerra científica e de produção que marcou o embate de 1939/45. De fato, enumerar batalhas, vitórias e derrotas é útil mas encobre as batalhas que foram verdadeiramente decisivas para definir os rumos do conflito, ou seja, as batalhas da mobilização industrial e humana maciça, da ciência e da tecnologia, etc. que, em última instância e sem querer parecer determinista, explicam a derrota do Eixo e a vitória dos Aliados. Um ponto a ser melhor visto num próximo encontro.

Outro aspecto em que o livro inova ao discutir a guerra de 1939/45 e a que já fizemos breve referência anteriormente é a sua abordagem da guerra como fenômeno social, ampliando a sua definição para sair dos limites restritos do militar e abarcar os enormes esforços materiais e humanos das sociedades envolvidas, as políticas internas, as modificações sociais, políticas e econômicas engendradas pela guerra etc.

Nesse sentido, os textos sobre a posição dos Partidos Comunistas, dos sociais democratas e das esquerdas em geral no tocante a guerra são exemplares, assim como são inéditas e de grande valor as análises relativas ao relacionamento do movimento operário com os Aliados e à contenção da revolução socialista feita na Europa por estes após a libertação do jugo nazista.

Ainda sobre a política na guerra, deve-se ressaltar a presença, no volume, de textos bastante interessantes discutindo tanto aspectos das políticas nazistas na Europa ocupada como a barbárie nos campos de concentração, a literatura sobre o Holocausto e a posição brasileira frente ao próprio. O próprio nazismo é discutido como fenômeno socialmente construído e historicamente explicável e não simples "desvio de rota" ou "acidente" dentro da história alemã e européia, o que é bastante louvável.

A participação brasileira no conflito também mereceu uma atenção especial no volume. A parte algumas abordagens clássicas, mas nem por isso menos interessantes, sobre as relações internacionais dos anos 30 e o como o Brasil foi arrastado para e o conflito e para o campo aliado, há artigos sobre a economia brasileira e latino-americana durante e depois da guerra, sobre a influência da cultura americana no país e um texto especial - do Prof. Bória Schnaiderman - narrando o cotidiano dos soldados brasileiros que lutaram na Itália com a Força Expedicionária Brasileira, os quais são muito úteis e válidos.

A Força Expedicionária Brasileira recebeu, aliás, um cuidado especial e um enfoque muito interessante no ensaio de Luís Filipe da Silva Neves. Nele, são abandonadas tanto as visões laudatórias como as depreciativas sobre a FEB, fornecendo ao leitor - apesar das conclusões um pouco limitadas uma perspectiva geral sobre a bibliografia disponível sobre o tema que a tempos era necessária para os estudiosos do assunto.

Outros temas e comentários poderiam ser feitos, mas nos parece que os já apresentados são suficientes para ressaltar a qualidade de um livro cujos textos podem ser questionados ou aprofundados, mas não ignorados pelos que se interessam pelo tema. Resta parabenizar os autores e a Universidade de São Paulo pela iniciativa.

Revista de História - USP

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