ARCHETTI, Eduardo (ed.). 1994. Exploring the Written. Anthropology and the Multiplicity of Writing. Oslo: Scandinavian University Press. 342 pp.
Gustavo Blázquez
Mestrando, PPGAS-MN-UFRJ
Os anos 80 trouxeram ao campo da antropologia uma discussão sobre o texto etnográfico enquanto produção escrita que procura narrar a vida de uma sociedade conceituada como outra; suas diferenças e semelhanças com outros gêneros literários; as relações entre o trabalho de campo e o trabalho de textualização; as estratégias para a construção das etnografias utilizadas pelos pais (e mães) fundadores. Essa concepção da etnografia como textualização do mundo foi resumida por Clifford Geertz ao definir a ação de escrever como a atividade que caracteriza o etnógrafo, como atividade fundante da antropologia.
Não se pode refletir sobre Exploring the Written sem levar em conta essas preocupações; mas, ao mesmo tempo, este livro não pode ser lido apenas no contexto das discussões dessa chamada "antropologia pós-moderna". Elaborado a partir de um seminário sobre a multiplicidade do papel da escrita nas análises antropológicas, realizado em outubro de 1991 na Universidade de Oslo, o livro editado por Eduardo Archetti reúne um conjunto de reflexões sobre textos escritos por autores que a comunidade antropológica situaria fora de seu círculo.
Na Introdução, Archetti procura explicitamente localizar o trabalho em um novo espaço situado além das discussões sobre a etnografia como texto. Espaço intermediário que não pode ser reduzido nem ao da crítica literária, interessada nos textos em si, nem à sociologia ou antropologia da literatura, preocupadas com os textos e seus autores como produtos sociais. Espaço que não se pensa como fechado, mas sim como um campo de exploração de textos escritos, procurando "localizar os espaços sociais através dos quais os produtos escritos de uma sociedade particular ganham sentido em termos antropológicos" (:26). Desse modo, no Epílogo, Signe Howell procura ampliar o enunciado geertziano, mostrando como os antropólogos não só escrevem e fazem trabalho de campo, como lêem etnografias e outros textos antropológicos. Incluir a ação de ler permite à autora refletir sobre os efeitos dessa leitura nas atividades de campo e da escrita, bem como sobre algumas das condições de possibilidade dessa leitura.
Um excelente exemplo dessa posição "trans-pós-moderna" é apresentado em "The Author as Anthropologist". Neste texto, em que recolhe a herança do antropólogo como autor, Thomas Hylland Eriksen procura mostrar a importância da literatura ficcional que uma sociedade produz para seu estudo etnográfico, assim como apontar diferentes possibilidades de trabalho com esses textos. Assim, Eriksen - a partir da análise de três obras literárias de autores de Trinidad e Tobago - propõe tratar as obras de ficção como fontes etnográficas equiparáveis a qualquer outro depoimento nativo, ou seja, como documentos, mas também como "antropologia teórica", reflexão crítica sobre o social distinta daquela produzida pelos antropólogos. Infelizmente, essa preocupação em distinguir gêneros não é desenvolvida no momento de pensar os romances como fontes, o que teria permitido a complexificação da análise, levando a considerar as conseqüências dessas diferenças nos modos de produção de um romance e de outros tipos de informação para a própria produção etnográfica.
A partir da análise de um romance do escritor samoano Albert Wente, Injerd Hoën discute igualmente as distintas formas de se compreender a autonomia do texto e a importância de levar em consideração as diferenças entre os gêneros no momento de desenvolver a leitura antropológica de um texto ficcional. A autora sustenta que a autonomia do texto jamais é absoluta e que é fundamental entender como se constitui essa autonomia relativa - preocupação que a conduz a reivindicar uma sociologia dos produtores que permitiria alcançar "uma maior compreensão tanto da comunidade interpretativa a que o livro se dirige quanto do papel potencial da obra para essa comunidade interpretativa" (:200).
Essa preocupação com a autonomia do texto é também um dos temas centrais do trabalho de Marit Melhuus, que elabora uma análise de quatro diferentes apropriações - encontradas em leituras antropológicas da cultura mexicana - de El Laberinto de la Soledad e de outras obras de Octavio Paz. Do ponto de vista de Melhuus, a discussão das apropriações legítimas de uma peça literária deve girar em torno da oposição entre texto e contexto: El Laberinto..., ou qualquer outra obra de ficção, pode ser considerado como parte do contexto a partir do qual se fundamenta uma certa leitura da cultura, ou pode ser considerado como um texto cuja leitura se fundamenta no conhecimento da cultura que o produziu. E, ainda que esses dois modos de funcionamento da obra literária não possam ser tratados como opostos, pois são mutuamente constituídos, o fato é que "não podem operar simultaneamente, ao menos não analiticamente, ainda que o façam na prática" (:92). É a partir dessas considerações que a autora encara o grande problema dos diferentes estatutos dos textos escritos em geral (considerados ou não pelos produtores e consumidores como literatura) e aqueles produzidos pelo antropólogo a partir da interação face a face no trabalho de campo. Ainda que esses dois conjuntos de textos sejam tomados como dados, não devemos deixar de reconhecer que suas condições de produção (entre as quais devem ser incluídas as condições de leitura) são diferentes.
O vínculo entre literatura e etnografia é abordado de um ângulo distinto em outros artigos do livro. Assim, Alan Barnard explora algumas das relações entre a science fiction de finais do século XIX e princípios do século XX e trabalhos etnográficos produzidos na mesma época. Relações que o autor analisa a partir de três temas que estão presentes nessas duas formas de discurso: as raças perdidas, as guerras do futuro e os primeiros homens. Desse modo, Barnard pretende mostrar como a ilusão primitiva presente tanto em Tarzan of the Apes como nas etnografias é reciclada "retornando a nós através das ficções que agora lemos [...] e inclusive nas ficções que quando crianças líamos tão inocentemente" (:252).
Michael E. Meeker, por sua vez, trata da relação entre meios de comunicação, nacionalismo e islamização na Turquia. O autor distingue uma cultura turca associada às populações rurais, na qual predominaria uma linguagem "local e oral" de características islâmicas, e uma que, nas grandes cidades, seria articulada por práticas sociais como a escrita, práticas escolarizadas, laicas e nacionalistas. Ele demonstra que, na verdade, a partir dos anos 80 a linguagem rural foi apropriada por um grupo de intelectuais formados na tradição urbana que procuram a "reconstrução de uma sociedade islâmica" (:32). Analisando dois escritores pertencentes a esse novo grupo - e outros produtos culturais como revistas e vídeos -, o autor mostra como esses bens são utilizados tanto pelos migrantes rurais no momento de redefinir sua identidade no mundo urbano, quanto por esses novos intelectuais que procuram imaginar uma Turquia islâmica.
Igualmente interessada nos processos de construção de identidades, Marianne Gullestad analisa uma autobiografia escrita, a pedido da autora, por um ancião norueguês. Ao refletir sobre a chamada história oral e descrever com certa meticulosidade a metodologia que norteou sua investigação, a autora assinala explicitamente que seu interesse está centrado no "que a ação de escrever produz no escritor" (:160), ou seja, nos processos de (re)construção do self a partir de uma determinada forma de narração. Esses processos estão relacionados com aqueles outros através dos quais se (re)constitui a sociedade onde o sujeito ocupa um lugar; de tal modo que "os dilemas morais no texto de Oivind podem ser vistos como ilustração dos atuais dilemas do Estado de Bem-Estar Social escandinavo" (:159).
O texto de Eduardo Archetti inscreve-se, igualmente, nessa preocupação com a construção de identidades, ao focalizar "os contrastantes modelos de masculinidade transmitidos pela poética do tango argentino em seu período clássico" (:98), modelos que começam a se formar na Buenos Aires cosmopolita de princípios do século. O período analisado abarca as três primeiras décadas do século XX, durante as quais se produz a globalização do tango, processo que "serviu para inventar uma tradição, um espelho onde os argentinos podem se ver a si mesmos precisamente porque os outros começaram a vê-los" (:101). A partir da análise dos vários temas presentes nos tangos (o amor impossível, a femme fatale, a milonguita, o amor da mãe, a honra e sua defesa), o autor mostra como se constroem diferentes identidades masculinas que permitem entender "a complexidade das relações entre homens e mulheres em contextos em que estão sendo desenvolvidas novas formas de conceituar o amor" (:117). Essas demonstrações, no entanto, perdem algo de sua força na medida em que a performance dos textos - especialmente, no caso do tango, a própria dança, que poderia ser entendida como outra forma de apropriação dos textos - é excluída da análise. Esse tema só aparecerá no artigo de Solrun Willinksen-Bakker acerca da interface oralidade/escrita, analisada a partir da produção teatral no contexto multiétnico de Fiji.
A relação entre oralidade e escrita é também discutida e problematizada nos trabalhos de Sarah Lund Skar e Joanne Rappaport. A primeira mostra o valor mágico que adquirem as cartas trocadas entre um grupo de camponeses peruanos e seus parentes que residem fora da comunidade. Nesse intercâmbio epistolar, o documento escrito serve de elemento que confirma a união entre os grupos, e a informação é localizada apenas na palavra daquele que leva a carta. Essa apropriação específica da escrita feita por falantes do quechua permite refletir sobre a necessidade de analisar os diferentes processos e estruturas sociais que dão sentido às relações dinâmicas entre o escrito e o falado.
O artigo de Rappaport, por sua vez, volta-se para a "manipulação das palavras escritas por povos colonizados" (:207). Seu trabalho mostra distintos movimentos de apropriação realizados por camponeses colombianos: a partir de documentos escritos se constroem mitos, a partir da tradição oral se constroem documentos legais escritos. Explorando uma multiplicidade de gêneros, a autora busca revelar "a criatividade de um povo oprimido que mistura meios de expressão oral e escrita em sua apropriação das convenções literárias da sociedade dominante" (:293) - o que abre interessantes possibilidades de trabalhos comparativos.
Em suma, Exploring the Written oferece-nos um amplo espectro de pesquisas que problematizam, a partir de lugares distintos, a relação entre textos antropológicos e não antropológicos. Pesquisas que operam a partir da exploração de uma multiplicidade de escritos que obrigam o leitor a fazer um percurso ao fim do qual se encontrará entre El Laberinto de la Soledad e a literatura de Fiji, Samoa ou da terra do calipso; entre tangos portenhos e Tarzan of the Apes; entre uma autobiografia norueguesa e as cartas de camponeses quechua escritas por escribas locais em espanhol.
Revista Mana
Gustavo Blázquez
Mestrando, PPGAS-MN-UFRJ
Os anos 80 trouxeram ao campo da antropologia uma discussão sobre o texto etnográfico enquanto produção escrita que procura narrar a vida de uma sociedade conceituada como outra; suas diferenças e semelhanças com outros gêneros literários; as relações entre o trabalho de campo e o trabalho de textualização; as estratégias para a construção das etnografias utilizadas pelos pais (e mães) fundadores. Essa concepção da etnografia como textualização do mundo foi resumida por Clifford Geertz ao definir a ação de escrever como a atividade que caracteriza o etnógrafo, como atividade fundante da antropologia.
Não se pode refletir sobre Exploring the Written sem levar em conta essas preocupações; mas, ao mesmo tempo, este livro não pode ser lido apenas no contexto das discussões dessa chamada "antropologia pós-moderna". Elaborado a partir de um seminário sobre a multiplicidade do papel da escrita nas análises antropológicas, realizado em outubro de 1991 na Universidade de Oslo, o livro editado por Eduardo Archetti reúne um conjunto de reflexões sobre textos escritos por autores que a comunidade antropológica situaria fora de seu círculo.
Na Introdução, Archetti procura explicitamente localizar o trabalho em um novo espaço situado além das discussões sobre a etnografia como texto. Espaço intermediário que não pode ser reduzido nem ao da crítica literária, interessada nos textos em si, nem à sociologia ou antropologia da literatura, preocupadas com os textos e seus autores como produtos sociais. Espaço que não se pensa como fechado, mas sim como um campo de exploração de textos escritos, procurando "localizar os espaços sociais através dos quais os produtos escritos de uma sociedade particular ganham sentido em termos antropológicos" (:26). Desse modo, no Epílogo, Signe Howell procura ampliar o enunciado geertziano, mostrando como os antropólogos não só escrevem e fazem trabalho de campo, como lêem etnografias e outros textos antropológicos. Incluir a ação de ler permite à autora refletir sobre os efeitos dessa leitura nas atividades de campo e da escrita, bem como sobre algumas das condições de possibilidade dessa leitura.
Um excelente exemplo dessa posição "trans-pós-moderna" é apresentado em "The Author as Anthropologist". Neste texto, em que recolhe a herança do antropólogo como autor, Thomas Hylland Eriksen procura mostrar a importância da literatura ficcional que uma sociedade produz para seu estudo etnográfico, assim como apontar diferentes possibilidades de trabalho com esses textos. Assim, Eriksen - a partir da análise de três obras literárias de autores de Trinidad e Tobago - propõe tratar as obras de ficção como fontes etnográficas equiparáveis a qualquer outro depoimento nativo, ou seja, como documentos, mas também como "antropologia teórica", reflexão crítica sobre o social distinta daquela produzida pelos antropólogos. Infelizmente, essa preocupação em distinguir gêneros não é desenvolvida no momento de pensar os romances como fontes, o que teria permitido a complexificação da análise, levando a considerar as conseqüências dessas diferenças nos modos de produção de um romance e de outros tipos de informação para a própria produção etnográfica.
A partir da análise de um romance do escritor samoano Albert Wente, Injerd Hoën discute igualmente as distintas formas de se compreender a autonomia do texto e a importância de levar em consideração as diferenças entre os gêneros no momento de desenvolver a leitura antropológica de um texto ficcional. A autora sustenta que a autonomia do texto jamais é absoluta e que é fundamental entender como se constitui essa autonomia relativa - preocupação que a conduz a reivindicar uma sociologia dos produtores que permitiria alcançar "uma maior compreensão tanto da comunidade interpretativa a que o livro se dirige quanto do papel potencial da obra para essa comunidade interpretativa" (:200).
Essa preocupação com a autonomia do texto é também um dos temas centrais do trabalho de Marit Melhuus, que elabora uma análise de quatro diferentes apropriações - encontradas em leituras antropológicas da cultura mexicana - de El Laberinto de la Soledad e de outras obras de Octavio Paz. Do ponto de vista de Melhuus, a discussão das apropriações legítimas de uma peça literária deve girar em torno da oposição entre texto e contexto: El Laberinto..., ou qualquer outra obra de ficção, pode ser considerado como parte do contexto a partir do qual se fundamenta uma certa leitura da cultura, ou pode ser considerado como um texto cuja leitura se fundamenta no conhecimento da cultura que o produziu. E, ainda que esses dois modos de funcionamento da obra literária não possam ser tratados como opostos, pois são mutuamente constituídos, o fato é que "não podem operar simultaneamente, ao menos não analiticamente, ainda que o façam na prática" (:92). É a partir dessas considerações que a autora encara o grande problema dos diferentes estatutos dos textos escritos em geral (considerados ou não pelos produtores e consumidores como literatura) e aqueles produzidos pelo antropólogo a partir da interação face a face no trabalho de campo. Ainda que esses dois conjuntos de textos sejam tomados como dados, não devemos deixar de reconhecer que suas condições de produção (entre as quais devem ser incluídas as condições de leitura) são diferentes.
O vínculo entre literatura e etnografia é abordado de um ângulo distinto em outros artigos do livro. Assim, Alan Barnard explora algumas das relações entre a science fiction de finais do século XIX e princípios do século XX e trabalhos etnográficos produzidos na mesma época. Relações que o autor analisa a partir de três temas que estão presentes nessas duas formas de discurso: as raças perdidas, as guerras do futuro e os primeiros homens. Desse modo, Barnard pretende mostrar como a ilusão primitiva presente tanto em Tarzan of the Apes como nas etnografias é reciclada "retornando a nós através das ficções que agora lemos [...] e inclusive nas ficções que quando crianças líamos tão inocentemente" (:252).
Michael E. Meeker, por sua vez, trata da relação entre meios de comunicação, nacionalismo e islamização na Turquia. O autor distingue uma cultura turca associada às populações rurais, na qual predominaria uma linguagem "local e oral" de características islâmicas, e uma que, nas grandes cidades, seria articulada por práticas sociais como a escrita, práticas escolarizadas, laicas e nacionalistas. Ele demonstra que, na verdade, a partir dos anos 80 a linguagem rural foi apropriada por um grupo de intelectuais formados na tradição urbana que procuram a "reconstrução de uma sociedade islâmica" (:32). Analisando dois escritores pertencentes a esse novo grupo - e outros produtos culturais como revistas e vídeos -, o autor mostra como esses bens são utilizados tanto pelos migrantes rurais no momento de redefinir sua identidade no mundo urbano, quanto por esses novos intelectuais que procuram imaginar uma Turquia islâmica.
Igualmente interessada nos processos de construção de identidades, Marianne Gullestad analisa uma autobiografia escrita, a pedido da autora, por um ancião norueguês. Ao refletir sobre a chamada história oral e descrever com certa meticulosidade a metodologia que norteou sua investigação, a autora assinala explicitamente que seu interesse está centrado no "que a ação de escrever produz no escritor" (:160), ou seja, nos processos de (re)construção do self a partir de uma determinada forma de narração. Esses processos estão relacionados com aqueles outros através dos quais se (re)constitui a sociedade onde o sujeito ocupa um lugar; de tal modo que "os dilemas morais no texto de Oivind podem ser vistos como ilustração dos atuais dilemas do Estado de Bem-Estar Social escandinavo" (:159).
O texto de Eduardo Archetti inscreve-se, igualmente, nessa preocupação com a construção de identidades, ao focalizar "os contrastantes modelos de masculinidade transmitidos pela poética do tango argentino em seu período clássico" (:98), modelos que começam a se formar na Buenos Aires cosmopolita de princípios do século. O período analisado abarca as três primeiras décadas do século XX, durante as quais se produz a globalização do tango, processo que "serviu para inventar uma tradição, um espelho onde os argentinos podem se ver a si mesmos precisamente porque os outros começaram a vê-los" (:101). A partir da análise dos vários temas presentes nos tangos (o amor impossível, a femme fatale, a milonguita, o amor da mãe, a honra e sua defesa), o autor mostra como se constroem diferentes identidades masculinas que permitem entender "a complexidade das relações entre homens e mulheres em contextos em que estão sendo desenvolvidas novas formas de conceituar o amor" (:117). Essas demonstrações, no entanto, perdem algo de sua força na medida em que a performance dos textos - especialmente, no caso do tango, a própria dança, que poderia ser entendida como outra forma de apropriação dos textos - é excluída da análise. Esse tema só aparecerá no artigo de Solrun Willinksen-Bakker acerca da interface oralidade/escrita, analisada a partir da produção teatral no contexto multiétnico de Fiji.
A relação entre oralidade e escrita é também discutida e problematizada nos trabalhos de Sarah Lund Skar e Joanne Rappaport. A primeira mostra o valor mágico que adquirem as cartas trocadas entre um grupo de camponeses peruanos e seus parentes que residem fora da comunidade. Nesse intercâmbio epistolar, o documento escrito serve de elemento que confirma a união entre os grupos, e a informação é localizada apenas na palavra daquele que leva a carta. Essa apropriação específica da escrita feita por falantes do quechua permite refletir sobre a necessidade de analisar os diferentes processos e estruturas sociais que dão sentido às relações dinâmicas entre o escrito e o falado.
O artigo de Rappaport, por sua vez, volta-se para a "manipulação das palavras escritas por povos colonizados" (:207). Seu trabalho mostra distintos movimentos de apropriação realizados por camponeses colombianos: a partir de documentos escritos se constroem mitos, a partir da tradição oral se constroem documentos legais escritos. Explorando uma multiplicidade de gêneros, a autora busca revelar "a criatividade de um povo oprimido que mistura meios de expressão oral e escrita em sua apropriação das convenções literárias da sociedade dominante" (:293) - o que abre interessantes possibilidades de trabalhos comparativos.
Em suma, Exploring the Written oferece-nos um amplo espectro de pesquisas que problematizam, a partir de lugares distintos, a relação entre textos antropológicos e não antropológicos. Pesquisas que operam a partir da exploração de uma multiplicidade de escritos que obrigam o leitor a fazer um percurso ao fim do qual se encontrará entre El Laberinto de la Soledad e a literatura de Fiji, Samoa ou da terra do calipso; entre tangos portenhos e Tarzan of the Apes; entre uma autobiografia norueguesa e as cartas de camponeses quechua escritas por escribas locais em espanhol.
Revista Mana
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