sexta-feira, 25 de junho de 2010

About the House: Lévi-Strauss and Beyond


Cesar Gordon Jr.
Mestre em Antropologia Social, PPGAS-MN-UFRJ

CARSTEN, Janet e HUGH-JONES, Stephen (eds.). 1995. About the House: Lévi-Strauss and Beyond. Cambridge: Cambridge University Press. 300 pp.

A noção de "sociedade de casa" (société à maison) foi uma elaboração tardia na obra de Lévi-Strauss, introduzida para suprir uma lacuna em sua teoria geral do parentesco: os sistemas cognáticos ou de descendência indiferenciada. Ao analisar a estrutura social dos índios Kwakiutl da costa noroeste dos EUA, que apresentava características patri e matrilineares, Lévi-Strauss verificou que o termo nativo numayma (casa) permitia uma nova conceituação dos grupos sociais. A ênfase na casa era percebida também entre os Yurok californianos, cuja organização Kroeber havia sido incapaz de descrever por intermédio das categorias convencionais de parentesco. As semelhanças entre tais instituições e a casa nobre da Europa Medieval e do Japão, levaram Lévi-Strauss a propor que elas pudessem ser definidas nos mesmos termos como "pessoa moral, detentora de um domínio composto de bens materiais e imateriais, que se perpetua pela transmissão de seu nome, sua fortuna e seus títulos em linha real ou fictícia, considerada legítima somente na condição de que tal continuidade possa se expressar na linguagem do parentesco ou da aliança, e, mais comumente, das duas ao mesmo tempo" (Paroles Donées). Avançando a discussão para as sociedades malaio-polinésias, neo-zelandesas e africanas, Lévi-Strauss sugere que as casas não estão fundadas na descendência, residência, ou transmissão de propriedade, tomadas isoladamente como critérios de constituição dos grupos. Ao contrário, fundam-se na aliança que é, a um tempo, princípio de unidade e antagonismo. A casa deixa de ter um substrato objetivo e surge como reificação de uma relação tensa de aliança que se manifesta sob uma ou várias dessas formas ilusórias.

Tal elaboração marca a passagem para uma teoria aliancista (ou relacional) dos sistemas cognáticos, antes analisados em termos de grupos (de descendência, residência etc.). A casa aparece como um "fetiche", constituída pelo parentesco cognático ou pelo conflito entre dois modos concorrentes de descendência; tensão instaurada na relação entre paternos e maternos – "tomadores" e "doadores" – em busca de vantagens políticas e econômicas. Temos, então, uma instituição aparentemente baseada em princípios de parentesco, mas cujas escolhas matrimoniais são guiadas por considerações externas: riqueza, poder, status.

Lévi-Strauss conclui que as sociedades de casa devem ser vistas como um tipo intermediário entre aquelas fundadas no parentesco e as sociedades complexas baseadas nas leis de mercado, no território e nas divisões de classe. Elas são formas "híbridas", nas quais os interesses políticos e econômicos que começam a invadir o campo social são obrigados a se expressar, na falta de um próprio, no único idioma possível, o do parentesco, terminando por subvertêlo. Assim, a casa conjuga princípios que são vistos como excludentes: aliança e descendência, descendência e residência, patri e matrilinearidade, endogamia e exogamia.

É essa concepção de casa o pano de fundo sobre o qual deve ser lida a coletânea About the House: Lévi-Strauss and Beyond, resultado de simpósio realizado em Cambridge, em 1990. Reconhecendo o fato de que Lévi-Strauss foi o primeiro a enfatizar a relevância da casa no estudo da organização social, o livro tem dois objetivos: lançar uma olhar simpático, mas crítico, sobre a idéia de casa como um tipo específico de organização social, testando sua aplicabilidade em duas regiões etnográficas – Sudeste Asiático e América do Sul Tropical; e procurar ir além do conceito lévi-straussiano, propondo uma abordagem mais holística e culturalista da casa, que integre seus aspectos arquitetônico, simbólico e social. A casa, aí, é tomada como um idioma simbólico, "locus de densas teias de significado, e modelo cognitivo para estruturar, pensar e experimentar o mundo" (:3).

A importância da casa como grupo de parentesco, entidade político-ritual e categoria nativa relevante entre os malaio-polinésios vem sendo explorada há algumas décadas em diversas etnografias. O mesmo não ocorre na etnologia sul-americana, o que se reflete na distribuição desigual dos artigos da coletânea, dos quais sete tratam do Sudeste Asiático, enquanto somente três de sociedades ameríndias. Tal desequilíbrio provém da própria elaboração do conceito por Lévi-Strauss, na qual os malaio-polinésios ocupam uma posição- chave, ao passo que as sociedades sul-americanas sequer são mencionadas. Apesar disso, os problemas levantados pela aplicação do conceito nas duas regiões apresentam analogias interessantes, graças a uma contradição que os autores vêem no argumento do antropólogo francês. Este não teria considerado uma distinção fundamental entre as sociedades bilaterais do chamado "Arquipélago Centrista" (Filipinas, Sulawesi, Bornéu e Java) – onde há parentesco cognático, ideal igualitário, casamentos endogâmicos, e não há regras de sucessão ou grupos unilineares – e as sociedades do chamado "Arquipélago da Troca" (Sumatra, Timor, Mar das Flores e Ilhas Molucas) – onde há múltiplas casas com fronteiras bem marcadas, grupos de descendência e sistemas de aliança assimétrica. Nas primeiras, como mostram Bloch, Janowski, Carsten e Gibson, nota-se a importância do casal conjugal e o modo como a aliança é introjetada na casa, constituindo-a por dentro. Nas segundas, como entre os Lio analisados por Howell, onde os casamentos não ocorrem entre as casas mas entre grupos agnáticos, e prescritivamente com a prima cruzada matrilateral (:28), parece difícil ver a casa como solução da oposição entre descendência e aliança. Para McKinnon, o caso Tanimbar (Ilhas Molucas) fornece outro exemplo: ali a casa não combina ou transcende princípios antagônicos de parentesco, mas articula- os em um jogo dinâmico que é central para o funcionamento da sociedade.

Tendo pensado inicialmente a casa como uma instituição típica de sociedades sem linhagens ou regras de casamento (Arquipélago Centrista), Lévi- Strauss acabaria por aplicar seu modelo em sociedades justamente organizadas por tais princípios (Arquipélago da Troca). Daí, teria definido como do mesmo tipo sociedades que ele próprio, em um outro nível de análise, classificaria, de um lado, como estrutura complexa de alianças, e do outro, como elementar. Como indica Waterson (:67), em todo o Sudeste Asiático encontra-se a casa ocupando o papel de instituição central em sociedades que apresentam sistemas de parentesco e níveis de estratificação social bastante diversificados. Os exemplos vão desde os grupos igualitários como os Iban do Bornéu, aos sistemas de Estado como Bali. Assim, apresentar a casa como instituição definidora de um tipo de sistema social parece-lhe inviável no contexto indonésio.

Passando às sociedades ameríndias, como lembra Viveiros de Castro, os problemas de aplicação do modelo multiplicam- se. Se a casa de Lévi-Strauss se expressa em um idioma do parentesco para "naturalizar" relações hierárquicas de outra ordem, devemos confiná-la aos povos do Noroeste Amazônico, já que é possível caracterizar os Tukano (Hugh-Jones) pela sua marcante hierarquização, mas não os Kayapó (Lea) e os Carib das Guianas (Rivière). Nas Guianas, a preeminência das parentelas cognáticas e da endogamia de grupos locais pensados como autônomos sugere a importância da casa como categoria central. Mas aí, contrariamente aos Tukano e Kayapó, elas não são pessoas morais, não detêm bens simbólicos ou prerrogativas, apresentando um caráter fluido. Por outro lado, uma estrutura elementar de aliança, presente nos casos guianês e Tukano, impediria a utilização do conceito, só compatível com sistemas complexos ou semicomplexos de aliança. Finalmente, a ênfase de Lea no aspecto corporado das casas Kayapó (que são exógamas por definição e não se ligam por regras de casamento) acaba por erodir o conceito, já que não fica claro, afinal, por que as casas Kayapó não são linhagens.

Desse modo, a aplicação do modelo de Lévi-Strauss recorta os grupos sulamericanos em pelo menos três conjuntos de oposições, de acordo com o critério que se utilize: se tomamos as casas como pessoas morais, perpétuas e detentoras de riqueza, elas estão presentes nos Tukano e Kayapó, mas não nas Guianas; se pensarmos na casa como instituição capaz de naturalizar hierarquias, Guianas e Kayapó (sociedades mais igualitárias) se opõem aos Tukano, único grupo onde a hierarquização é nítida; por fim, do ponto de vista de um sistema de alianças, considerando que os grupos das Guianas e Tukano possam ser pensados como estruturas elementares, não seria possível defini-los como sociedades de casa, mas sim aos Kayapó onde os casamentos não são dados por regras mecânicas.

Portanto, a um só tempo muito específico e muito vago, o conceito de casa de Lévi-Strauss se aplica de forma desajeitada aqui e lá, como se extrai das análises sobre as duas regiões. Assim, os autores de About the House acabam por rejeitar a utilização do conceito tal como aplicado originalmente – uma categoria capaz de descrever um tipo de sistema social, visando ampliar ou complementar as categorias tradicionais da teoria do parentesco. Alternativamente, propõem que se tomem as elaborações de Lévi-Strauss como ponto de partida para uma concepção mais holística da casa, visando à construção de uma antropologia da arquitetura que poderia se estabelecer em conjunto com uma antropologia do corpo. De fato, se o idioma da casa parece ocupar um espaço primordial, já bem estabelecido pelas etnografias, entre os povos malaio-polinésios, é o idioma da corporalidade que parece ocupar esse espaço entre os povos ameríndios, como já notaram diversos etnólogos americanistas. E se é verdade que as representações simbólicas da casa e do corpo apresentam inúmeras analogias nas duas regiões (:36-42) – segundo os autores, inclusive, casa e corpo fazem parte de um mesmo universo conceitual –, talvez seja o caso de considerá-las em conjunto, buscando construir um arsenal de conceitos que permita uma elaboração teórica comparativa entre as sociedades ameríndias e malaio-polinésias. É preciso deixar claro, por outro lado, que essa utilização mais "frouxa" do conceito de casa traz embutido o risco de inviabilizarmos seu caráter explicativo, caindo em um culturalismo vago. Caberia perguntar, enfim, se isto nos conduziria além ou aquém de Lévi-Strauss.

Revista Mana

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