CASTRO FARIA, Luiz de. 1998. Antropologia: Escritos Exumados 1. Espaços Circunscritos, Tempos Soltos. Niterói, RJ: EDUFF. 285 pp.
Mariza Corrêa
Profa de Antropologia, Unicamp
Antonio Carlos de Souza Lima, fazendo a apresentação deste primeiro volume dos três que reunirão o conjunto de textos escritos por Luiz de Castro Faria, assinala a "sua sempre genial atribuição de títulos, também desses volumes e de suas partes". Um pouco à maneira de Castro Faria, poderíamos dizer que títulos são também pistas falsas, modos de o autor despistar o leitor.
Este primeiro volume agrupa en-saios sob três títulos: "A Antropologia no Brasil: Formas de Descortínio" (64 pp.); "A Universidade, Avaliações" (38 pp.); e, o mais extenso, "Campo Santo" (160 pp.). Ocultos por estes títulos estão os "espaços circunscritos" do subtítulo, espaços privilegiados onde o professor Castro Faria vem, há mais de sessenta anos, atuando: o Museu Nacional e a Associação Brasileira de Antropologia, presentes, como cenário, em quase todos os textos. Sobre sua atuação, durante mais de trinta anos, na Faculdade Fluminense de Filosofia, aqui representada por uma aula inaugural de 1967, alunos seus, como Roberto DaMatta e Alcida Rita Ramos, ainda ficam a nos dever uma rememoração. Sem ignorar o que, em outro texto, ele chama de "pórtico de minha carreira" seu trabalho em arqueologia, objeto do segundo volume , foi à antropologia, e à antropologia do Museu Nacional, que o professor Castro Faria dedicou a maior parte de seus escritos. A Exposição Antropológica de 1882, e seu centenário, as Exposições de Antropologia e Arqueologia de 1947, os centenários de João Batista de Lacerda, de Alberto Childe e da Sociedade de Antropologia de Paris, o bicentenário de Alexandre Rodrigues Ferreira, os aniversários do Museu Nacional e dos Programas de Pós-Graduação do Museu Nacional e da Universidade de Brasília, primos irmãos, são também tempos bem circunscritos nos quais seus escritos se ancoram, explorando suas histórias, suas conexões e suas reverberações para além dos espaços institucionais aos quais esses eventos estiveram inicialmente vinculados. E, para além das efemérides que pareceriam estar na origem de seus textos, de comemoração ou de luto, trata-se aqui de um longo e cuidadoso mapeamento de uma parte da história de nossa disciplina, agora, finalmente, apresentado no seu conjunto.
Publicado em ordem quase rigorosamente cronológica quebrada apenas pela intercalação de um texto de 1963 como segundo ensaio , o livro abre com um artigo de 1942, quando o autor tinha 29 anos, e que só assume seu pleno sentido quando comparado com a sua apreciação do campo da antropologia no Rio de Janeiro, logo após a fundação das Faculdades de Filosofia, que pareciam ameaçar os museus como sede institucional da disciplina (ver "A Antropologia no Brasil. Depoimento sem Compromisso de um Militante em Recesso", em seu livro Antropologia: Espetáculo e Excelência, 1993). No artigo de 1942, Castro Faria observava: "O Museu Nacional, entretanto, continua a ser o único instituto de pesquisa onde a antropologia é cultivada em todos os setores do seu amplo domínio." (:25). E, em seu depoimento, quarenta anos depois, repetia: "Tal quadro mostra que, na realidade, o ensino de antropologia nas Faculdades de Filosofia não oferecia condições para a formação de antropólogos."
Registro essas marcações dos textos do professor Castro Faria, primeiro, porque sei de seu zelo pela correta distribuição de autores/atores em um campo disciplinar e, também, porque creio ser importante que os leitores das gerações mais jovens possam situar esses escritos, acompanhando a sua trajetória e o seu empenho em registrar a importância do Museu Nacional na constituição do campo antropológico no Brasil.
Para os pesquisadores da geração mais velha, interessados na história da nossa disciplina, cada um desses textos tem uma cor e um cheiro muito peculiares, e é estranho vê-los tão limpinhos em forma de livro. É também uma bênção não mais teremos de sair à procura de alguns deles, raros, em bibliotecas ou em sebos.
A publicação original do terceiro texto do volume, por exemplo, é um folheto amarelado, com um leve cheiro de mofo, mas que inclui também dezesseis fotos muito interessantes da Exposição de Antropologia e Arqueologia de 1947, que mereceriam ter sido incluídas nesta publicação. Também se justificaria a inclusão de algumas fotos que registram a trajetória de Castro Faria na disciplina: é difícil reler os ensaios apresentados nas reuniões brasileiras de antropologia de 1959 e de 1963 sem lembrar as fotos do professor, quase sempre com um cachimbo na mão, presente em quase todas elas, desde a fundação da ABA, em 1953. Ou de reler seus textos sobre Heloisa Alberto Torres, Eduardo Galvão, Egon Schaden e Maria Heloisa Fenélon Costa, sem evocar fotos do mocinho Castro Faria, no jardim ou na porta do Museu Nacional, de terno ou de avental branco, junto a dona Heloisa e a alguns dos personagens desses textos, ou em mesas das reuniões da ABA, com outros. (A última foto de que me "recordo", nunca vi impressa: Castro Faria, com o chapéu símbolo da XXI Reunião Brasileira de Antropologia, rodeado por colegas e alunos, em Vitória, em 1998.)
Personagem sempre presente ao longo de nossa história institucional, o autor Castro Faria está agora, finalmente, disponível para estudos e pesquisas.
Revista Mana
Mariza Corrêa
Profa de Antropologia, Unicamp
Antonio Carlos de Souza Lima, fazendo a apresentação deste primeiro volume dos três que reunirão o conjunto de textos escritos por Luiz de Castro Faria, assinala a "sua sempre genial atribuição de títulos, também desses volumes e de suas partes". Um pouco à maneira de Castro Faria, poderíamos dizer que títulos são também pistas falsas, modos de o autor despistar o leitor.
Este primeiro volume agrupa en-saios sob três títulos: "A Antropologia no Brasil: Formas de Descortínio" (64 pp.); "A Universidade, Avaliações" (38 pp.); e, o mais extenso, "Campo Santo" (160 pp.). Ocultos por estes títulos estão os "espaços circunscritos" do subtítulo, espaços privilegiados onde o professor Castro Faria vem, há mais de sessenta anos, atuando: o Museu Nacional e a Associação Brasileira de Antropologia, presentes, como cenário, em quase todos os textos. Sobre sua atuação, durante mais de trinta anos, na Faculdade Fluminense de Filosofia, aqui representada por uma aula inaugural de 1967, alunos seus, como Roberto DaMatta e Alcida Rita Ramos, ainda ficam a nos dever uma rememoração. Sem ignorar o que, em outro texto, ele chama de "pórtico de minha carreira" seu trabalho em arqueologia, objeto do segundo volume , foi à antropologia, e à antropologia do Museu Nacional, que o professor Castro Faria dedicou a maior parte de seus escritos. A Exposição Antropológica de 1882, e seu centenário, as Exposições de Antropologia e Arqueologia de 1947, os centenários de João Batista de Lacerda, de Alberto Childe e da Sociedade de Antropologia de Paris, o bicentenário de Alexandre Rodrigues Ferreira, os aniversários do Museu Nacional e dos Programas de Pós-Graduação do Museu Nacional e da Universidade de Brasília, primos irmãos, são também tempos bem circunscritos nos quais seus escritos se ancoram, explorando suas histórias, suas conexões e suas reverberações para além dos espaços institucionais aos quais esses eventos estiveram inicialmente vinculados. E, para além das efemérides que pareceriam estar na origem de seus textos, de comemoração ou de luto, trata-se aqui de um longo e cuidadoso mapeamento de uma parte da história de nossa disciplina, agora, finalmente, apresentado no seu conjunto.
Publicado em ordem quase rigorosamente cronológica quebrada apenas pela intercalação de um texto de 1963 como segundo ensaio , o livro abre com um artigo de 1942, quando o autor tinha 29 anos, e que só assume seu pleno sentido quando comparado com a sua apreciação do campo da antropologia no Rio de Janeiro, logo após a fundação das Faculdades de Filosofia, que pareciam ameaçar os museus como sede institucional da disciplina (ver "A Antropologia no Brasil. Depoimento sem Compromisso de um Militante em Recesso", em seu livro Antropologia: Espetáculo e Excelência, 1993). No artigo de 1942, Castro Faria observava: "O Museu Nacional, entretanto, continua a ser o único instituto de pesquisa onde a antropologia é cultivada em todos os setores do seu amplo domínio." (:25). E, em seu depoimento, quarenta anos depois, repetia: "Tal quadro mostra que, na realidade, o ensino de antropologia nas Faculdades de Filosofia não oferecia condições para a formação de antropólogos."
Registro essas marcações dos textos do professor Castro Faria, primeiro, porque sei de seu zelo pela correta distribuição de autores/atores em um campo disciplinar e, também, porque creio ser importante que os leitores das gerações mais jovens possam situar esses escritos, acompanhando a sua trajetória e o seu empenho em registrar a importância do Museu Nacional na constituição do campo antropológico no Brasil.
Para os pesquisadores da geração mais velha, interessados na história da nossa disciplina, cada um desses textos tem uma cor e um cheiro muito peculiares, e é estranho vê-los tão limpinhos em forma de livro. É também uma bênção não mais teremos de sair à procura de alguns deles, raros, em bibliotecas ou em sebos.
A publicação original do terceiro texto do volume, por exemplo, é um folheto amarelado, com um leve cheiro de mofo, mas que inclui também dezesseis fotos muito interessantes da Exposição de Antropologia e Arqueologia de 1947, que mereceriam ter sido incluídas nesta publicação. Também se justificaria a inclusão de algumas fotos que registram a trajetória de Castro Faria na disciplina: é difícil reler os ensaios apresentados nas reuniões brasileiras de antropologia de 1959 e de 1963 sem lembrar as fotos do professor, quase sempre com um cachimbo na mão, presente em quase todas elas, desde a fundação da ABA, em 1953. Ou de reler seus textos sobre Heloisa Alberto Torres, Eduardo Galvão, Egon Schaden e Maria Heloisa Fenélon Costa, sem evocar fotos do mocinho Castro Faria, no jardim ou na porta do Museu Nacional, de terno ou de avental branco, junto a dona Heloisa e a alguns dos personagens desses textos, ou em mesas das reuniões da ABA, com outros. (A última foto de que me "recordo", nunca vi impressa: Castro Faria, com o chapéu símbolo da XXI Reunião Brasileira de Antropologia, rodeado por colegas e alunos, em Vitória, em 1998.)
Personagem sempre presente ao longo de nossa história institucional, o autor Castro Faria está agora, finalmente, disponível para estudos e pesquisas.
Revista Mana
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