domingo, 20 de junho de 2010

O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização


Tereza Maria Spyer Dulci
Doutoranda pelo Departamento de História – FFLCH/USP


MOURA, Cristina Patriota de. O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização . Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, 135 p.

Em 2007, cerca de 8.600 pessoas participaram do concurso para a carreira de diplomata oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Para ingressar no curso do Instituto Rio Branco, instituição responsável pela formação dos futuros agentes do Itamaraty, foram disponibilizadas 105 vagas com aproximadamente 82 candidatos por vaga. Há muitos anos, esse concurso se configura como um dos mais disputados entre as carreiras públicas do país. E isso não se dá apenas pelo salário inicial de R$ 7.183,91;1 o principal motivo para que essa carreira seja muito desejada é o prestígio social que tem em nossa sociedade.

A carreira de diplomata é, justamente, o tema central dessa recente publicação da Editora FGV da Fundação Getúlio Vargas. Sua autora, a antropóloga Cristina Patriota de Moura, é professora adjunta do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília. Sua condição de filha, sobrinha, neta, prima e amiga de diplomatas parece tê-la conduzido, desde as primeiras pesquisas na graduação, ao estudo das várias facetas dessa carreira e do Instituto Rio Branco.

A pesquisa para o livro O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização decorre de sua dissertação de mestrado. Moura ocupou-se do processo vivido pelos novatos nessa carreira e buscou analisar uma série de rituais e símbolos que fazem parte da vida dos diplomatas em geral e de um grupo com status baseado em visão de mundo próprio. Para produzir sua pesquisa, a autora obteve uma permissão do Itamaraty para participar de aulas, seminários e reuniões com os alunos do primeiro ano do Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Profa-I. Além disso, participou também de aulas preparatórias para o concurso no Rio de Janeiro, o que lhe possibilitou compreender os anseios e temores dos candidatos, antes mesmo de ingressarem no "corpo" diplomático.

A adesão à carreira e à identidade tem seu ápice no Dia do Diplomata, cerimônia que ocorre desde 1970 (sempre no dia 20 de abril, data de nascimento do barão de Rio Branco) e é o grande ritual do Itamaraty, pois é quando se dá a formatura dos alunos do Instituto Rio Branco. Essa comemoração foi criada no mesmo ano em que o Ministério das Relações Exteriores foi transferido do Rio de Janeiro para Brasília. Na cerimônia de formatura, experimenta-se, principalmente, a grandeza da Casa [Instituto Rio Branco], da nação e da carreira de diplomata e é isso que confere uma identidade aos formandos, incluindo-os no mundo que, dali por diante, será sua maior referência.

Mas essa identidade, para se configurar, precisou percorrer um longo trajeto que se inicia antes mesmo do candidato passar no concurso. A maior parte daqueles que estudam para ingressar nessa carreira o fazem visando a um emprego que os possibilite "vencer na vida", além de significar, seja para os candidatos, seja para suas famílias, uma vida economicamente estável e socialmente aceitável. Os anseios dos candidatos, o imaginário que eles constituem sobre o Itamaraty, não se restringem a uma vida confortável materialmente, com várias oportunidades de viajar para o exterior. O principal apelo da profissão é a idéia de que a careira lhes trará a oportunidade de adquirir um novo status social, aproximando-os do poder. Para Moura, os diplomatas aparecem, em geral, como pessoas "sofisticadas", membros de uma elite de difícil acesso e próximas dos grandes centros de poder.

Porém, todo esse imaginário constituído ao longo da preparação para o difícil concurso do Itamaraty se transforma rapidamente quando o candidato é aprovado e começa o curso de dois anos no Instituto Rio Branco. Moura acredita que os dois primeiros aspectos da instituição observados ao se iniciar a carreira e que, por conseguinte, contribuem para estabelecer a identidade própria da função, são a formalidade e a hierarquia. O "jovem" diplomata aprende que a graduação de cada representante corresponde a um tipo de atitude emocional e a um comportamento determinado.

Para a pesquisadora, mais do que estudar para as matérias do curso, ao longo dos dois anos de estudos (Profa-I), os alunos se esforçam imensamente para desenvolver "mapas de orientação" com relação à formalidade e à hierarquia, julgando serem esses os fatores que os auxiliam na ascensão mais rápida, uma vez que, extra-oficialmente, é sabido que a função do curso é classificá-los na carreira. O bom comportamento, bons trajes, boa oratória, boas companhias etc. são, nesse sentido, critérios essenciais na definição de quem ocupará os melhores postos no exterior. Desse modo, ser bem visto pelos superiores pode ser mais vantajoso do que a avaliação positiva feita pelos colegas de curso, pois, segundo a pesquisadora, as promoções dependem da "comissão de promoções", formada pelos chefes da casa. Assim, Moura afirma que para ser promovido ou removido é preciso ser conhecido pelos superiores e estabelecer excelentes laços com os mesmos.

O ponto alto do livro, sem dúvida, é o que se detém na análise das concessões que os "jovens" diplomatas têm de fazer para se adequar bem ao Itamaraty. São necessários vários ajustes no comportamento, na visão de mundo e nas expectativas para o futuro desses jovens aspirantes. A autora afirma que, para a maior parte das pessoas, passar no concurso significa não só adquirir uma nova identidade e atividade profissional, mas uma nova residência e forma de vida doméstica. Desse modo, a identidade atribuída ao diplomata acaba por se estender à família nuclear que ele venha a constituir.

Aliás, a interferência do Itamaraty na escolha da família nuclear impressiona. Moura descreve como, indiretamente, a instituição "aconselha" seus membros a se relacionarem com pessoas que saibam estar à altura do Ministério das Relações Exteriores. Afirma que há uma pressão coletiva para que os casamentos sejam realizados com pessoas que satisfaçam certos critérios de "aceitabilidade", referindo-se ao grau de escolaridade, "sofisticação" e sociabilidade do parceiro, uma vez que esses devem apoiar os cônjuges no cumprimento de suas funções, quais sejam, a de representar, de defender, de negociar e de informar em nome do Itamaraty. Moura nos conta que o casamento de um diplomata é uma decisão individual, mas que a escolha do parceiro não pode ser feita sem se levar em conta o pertencimento deste a um grupo "abonado", o que significa que a aprovação do matrimônio é, de algum modo, importante para o futuro do aspirante dentro da instituição.

Felizmente, embora a vida pessoal da autora esteja imbricada nesse mundo do Itamaraty, sua pesquisa desvencilha-se bem das amarras pessoais, conseguindo traçar um quadro bastante elaborado das facetas do mundo dos diplomatas, sendo algumas delas, como é natural, pejorativas, o oposto do que é comumente percebido pela nossa sociedade. A pesquisa, dessa forma, trouxe um novo olhar sobre essa carreira, não se comprometendo com os pontos de vista institucionais veiculados oficialmente, ou as perspectivas difundidas pela grande mídia. Além disso, esse livro alia uma solidez metodológica a um tema inovador, analisando, com muita precisão, a trajetória de formação dos diplomatas no Brasil, o que contribui para desmistificar o imaginário da profissão e para torná-la, também por isso, mais interessante.

1 Este é o valor que correspondeu ao salário inicial dos aprovados no concurso de admissão do Instituto Rio Branco em 2007. Os candidatos aprovados ingressaram no mestrado profissionalizante em Diplomacia já como terceiros-secretários da carreira de diplomata. Para o concurso de 2008 que está em andamento, o salário inicial previsto para os aprovados será de R$ 7.751,97. Disponível em http://www.cesp.unb.br/concursosdiplomacia2007 e http://www.cesp.unb.br/ concursosdiplomacia2008.

Revista de História - USP

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