segunda-feira, 14 de junho de 2010


Modesto Florenzano
Depto. de História-FFLCH/USP


PRADO, Paulo. Ritratto del Brasile. Saggio sulla tristezza brasiliana. Cura, introduzione e traduzione di Nello Avella con un saggio di Carlos Guilherme Mota. Roma Bulzoni Editore, 1995.

Um primor. Não há adjetivação mais apropriada do que esta para qualificar a tradução, bem como a própria edição, do famoso livro de Paulo Prado para o italiano, realizadas por Nello Avella, historiador e professor do Departamento de Culturas Comparadas da Universidade de Aquila. Com efeito, além da tradução irretocável, que conserva toda a elegância e beleza da escrita de Paulo Prado, Nello Avella elaborou um Glossário e uma Introdução extremamente valiosas para o leitor italiano. Com o glossário, ao mesmo tempo rico e essencial, de mais de vinte páginas, no fim do livro (p.137 a 158), Nello Avella, escapou do pecado de "appesantire" o texto de Paulo Prado, mas não se omitiu da virtude de oferecer ao leitor italiano todas as informações e explicações necessárias sobre expressões e termos impossíveis de serem traduzidos e sobre os autores citados em Retrato do Brasil. E com a longa, densa e completa introdução, intitulada "Odi et Amo: 'Ritratto' di un amore negato e riaffermato"(p.9 a 41), o leitor italiano tem o privilégio de saber tudo o que no Brasil se sabe sobre Paulo Prado. E um pouco mais!

Um pouco mais porque, Nello Avella, não se limita a apresentar, de maneira corretíssima, note-se, o essencial sobre o contexto cultural e histórico em que se situam Paulo Prado e sua obra e um resumo de todas as interpretações que no Brasil existem sobre ambos, o que não é pouca coisa; e revelando, assim, um pleno domínio, e aggiornamento, sobre nossa historia e historiografia. Mas, por causa desse domínio, vai além e também apresenta uma interpretação sua, original, sobre Paulo Prado e seu Retrato do Brasil, centrada, como o título da introdução sugere, em uma ambivalência do escritor paulista, em um "Amore alla rovescia, si direbbe, nella maniera provocatoria tipica di questo amante che dipinge l'oggetto del suo desiderio negando per affermazione, lanciando invettive sotto le quali dissimula tenerezza e passione. La formula classica 'odi et amo', del resto, ricorre spesso nei suoi scritti..."(p.38).

E, um pouco mais, também, porque, como se não bastasse a introdução do tradutor, o livro contém, ainda, um pequeno ensaio de Carlos Guilherme Mota, intitulado "Paulo Prado, Il Tomasi di Lampedusa Brasiliano" (p.47 a 51); ensaio muito imaginativo e instigante, sem dúvida, mas, a juízo de quem escreve, inconvincente na analogia e semelhança que persegue entre os dois intelectuais: o "aristocrata decadente" paulista e o aristocrata decadente siciliano. Seja como for, sendo um verdadeiro clássico, o livro de Paulo Prado permite sempre novas e variadas leituras e interpretações e ambas estão presentes seja no texto de Nello Avella, seja no de Carlos Guilherme Mota. No caso do(s) leitor(es) italiano(s), contudo, não me parece haver dúvidas de que o livro de Paulo Prado, será lido não tanto com os olhos de quem está interessado em saber que, entre outras coisas, trata-se da obra que, pioneiramente, antecipou e influenciou as três grandes e magistrais explicações do Brasil: a de Gilberto Freyre, a de Sérgio Buarque de Holanda e a de Caio Prado Jr. (todas as quais já foram, há tempos, traduzidas para o italiano), mas, com os olhos de quem está a procura de mais descrições e informações sobre o exotismo e o erotismo, a luxúria, imperantes aqui, no trópico brasileiro, e que, a cada ano, a imagem do nosso Carnaval no exterior só faz reforçar.

Como bem notou Italo Calvino (Por que ler os clássicos, Cia. das Letras, 1993) a leitura de um clássico é sempre uma releitura, e vice-versa, uma releitura é sempre uma nova leitura (o que também significa que, com os clássicos, podemos sempre dissimular o fato de nunca havermos lido antes um determinado autor). Assim, nesta (re)leitura, ao mesmo tempo em português e italiano, de Retrato do Brasil, ocorre-me uma observação suscitada, por sua vez, por outra leitura feita pouco antes, de um livro de P. Anderson (Zona de Compromisso, Unesp, 1996). Esta leitura faz-nos ver que a literatura sobre o caráter nacional, que é o tema de Retrato do Brasil, além de já presente na Europa, desde o Iluminismo (em Hume e Kant), conhece, entre as potências européias, nas primeiras décadas do século XX, um grande florescimento tornando-se "objeto de importantes tratados teóricos".

Ora, esse é, exatamente, o momento em que Paulo Prado amadurece seu pensamento, todo inspirado na literatura européia (como ele próprio reconhece no prefácio à primeira edição de Paulística, "Se o nosso sentimento era brasileiro, a imaginação era européia"), de onde se segue que seu Retrato do Brasil, também é parte de uma literatura então em voga na Europa. Isto, naturalmente, em nada diminui o valor e a importância do livro de Paulo Prado, apenas mostra um outro aspecto do amplo contexto, ou movimento intelectual, em que se situa Retrato do Brasil. Obra que, agora, graças à iniciativa e à competência de Nello Avella pode ser lida, sem nenhum prejuízo, ao contrário, como se viu, também em italiano.

Revista de História - USP

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