Virgínia de Almeida Bessa
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social - FFLCH/USP
TATIT, Luiz. O século da canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. 251 p.
Há mais de duas décadas, a produção musical popular urbana vem sendo incorporada pelos historiadores de ofício às suas pesquisas. Neste não tão novo, mas ainda pouco explorado universo, as canções tornaram-se fontes privilegiadas, talvez em função de seu caráter híbrido (música e texto), que possibilita entrever, de modo mais claro e direto que a "música pura", a realidade social e política em que foram produzidas. Assim, inúmeros trabalhos historiográficos se debruçaram sobre a chamada canção de consumo, tanto por meio da análise dos gêneros – o samba, a música sertaneja, a canção sentimental ou, mais recentemente, o rock e o rap – como do estudo de seus "grandes movimentos" – a bossa nova, o tropicalismo, a era dos festivais – e seus principais expoentes. Nenhum estudioso, contudo, havia tomado a canção ela mesma, enquanto modo de articular melodia e letra visando à construção de sentido, como um objeto de estudo, examinado na longa duração. Qual a especificidade da canção brasileira? Que elementos ou características singulares fazem dela um dos produtos culturais mais representativos de nossa história recente? De que modo a arte do cancionista – nem estritamente poética, nem puramente musical – foi ao longo do século XX se forjando no interior da sociedade brasileira, assimilando num mesmo fazer artístico as mais variadas dicções, aliando anseios estéticos a interesses da chamada cultura de massa, unindo em torno de um mesmo projeto intelectuais, empresários e camadas marginalizadas da população?
A mais recente contribuição nesse sentido veio não de um historiador, mas de um semiólogo; não por acaso também músico e compositor. O século da canção, de Luiz Tatit, é uma dessas obras que unem um impulso histórico-interpretativo – por vezes excessivamente generalizante (compreender a canção brasileira; atribuir um sentido aos eventos que povoam sua história), mas nem por isso menos meritório – a um esforço analítico, este sim louvável, que se realiza de modo rigoroso e convincente ao longo do livro. O intuito da obra, segundo as palavras do autor, é compreender a "criação, consolidação e disseminação de uma prática artística que, além de construir a identidade sonora do país, se pôs em sintonia com a tendência mundial de traduzir os conteúdos humanos relevantes em pequenas peças formadas de melodia e letra" (p. 11). Como palco desse processo, o século XX.
Tatit parte do pressuposto que do samba amaxixado de Sinhô aos hits sertanejos dos anos 90, das primeiras experimentações fonográficas aos requebros do É o Tchan, aí incluídas a bossa nova, o tropicalismo e a canção de protesto, encontra-se uma permanência, uma linha de força que os une e os entrelaça. Trata-se de um modo de dizer, calcado na oralidade cotidiana, que faz com que a letra da canção se reitere, de forma mais ou menos evidente, na própria estrutura melódica e vice-versa, seja por meio das durações, dos desenhos melódicos (que reproduzem as melodias da fala) ou das tessituras da voz.
Os três capítulos que compõem a primeira parte do livro ("Leitura Geral") constituem variações sobre um mesmo tema: o surgimento e a evolução da canção brasileira. Nesses textos, diversos eventos já extensivamente analisados pela bibliografia são retomados e analisados sob a ótica da relação entre melodia e letra. Na segunda parte ("Detalhamento"), o autor explicita, por meio da análise semiótica da canção, de que modo a compatibilidade entre melodia e letra se realiza em diferentes momentos e estilos da música popular brasileira. Deixando de lado a estrutura do livro, privilegiamos em nossa leitura as questões centrais que perpassam a obra e que são retomadas – às vezes, de forma repetitiva – a cada capítulo sob nova perspectiva.
Tatit inicia sua narrativa em busca da sonoridade brasileira, certa essência musical cujas raízes remontariam à época do descobrimento. Numa breve explanação sobre os primeiros sons da colônia, surgidos da mistura da música de encantação dos nativos aos hinos religiosos e cantos profanos dos colonizadores portugueses, o autor identifica, já no século XVI, o aspecto corpóreo, terreno, que perpassaria nossa música ao longo de mais de quinhentos anos. Embora surgidas para acompanhar os ritos religiosos, essas primeiras práticas musicais, à medida que se afastavam dos templos, iam ganhando feições cada vez mais mundanas, reforçadas pelo corpo em danças e invenções alegóricas precursoras dos modernos blocos carnavalescos. A chegada dos africanos, no início do século XVII, não apenas reforçaria o caráter lascivo dessas produções sonoras, pelo incremento da dança e da rítmica, mas também seria responsável pela fixação dos dois principais elementos da sonoridade do país: a percussão e a oralidade. Segundo o autor, é dos batuques de lazer e do canto responsorial (diálogo entre solo e coro) dos negros, que já surgem na Colônia, reforçados por melodias e sons de viola dos brancos europeus e seus descendentes, que "nascem as principais diretrizes da sonoridade brasileira" (p. 22).
Se os sons da nação já estavam prefigurados na mistura das três raças ocorrida nos séculos XVI e XVII, é nas modinhas e lundus de Domingos Caldas Barbosa, compositor popular do século XVIII, que Tatit distingue, em germe, o tripé sobre o qual se erigiria o principal representante de nossa sonoridade, a canção brasileira. Nas composições de Caldas Barbosa já estariam presentes: 1) o aparato rítmico de origem africana, 2) as inflexões românticas oriundas da lírica portuguesa e 3) os meneios da fala cotidiana. Esse último elemento seria vital para a identidade de nossa canção, configurando-se numa espécie de canto falado que teve sua primeira aparição (documentada) no século anterior, com Gregório de Matos. O autor também chama a atenção para o fato de o primeiro produto cultural brasileiro tipo exportação ter sido justamente a canção popular: é com Caldas Barbosa que a modinha e o lundu brasileiros ganham a Europa, iniciando um trânsito entre as culturas brasileira e européia que não mais se esgotaria.
Mas é somente no século XX, mais especificamente nas casas das tias baianas, onde se reunia a comunidade negra da cidade do Rio de Janeiro, que Tatit reconhece a consolidação da moderna canção brasileira. O autor retoma a metáfora topológica, já explorada por Muniz Sodré e José Miguel Wisnik em estudos clássicos sobre o tema1, dos biombos culturais existentes na casa de tia Ciata – a mais famosa das tias baianas –, responsáveis pela separação entre a sala de visitas (onde se tocava o choro), os cômodos intermediários da casa (onde se improvisava o samba) e o quintal ou o terreiro (onde se praticavam os batuques). O devassamento desses limites sócio-espaciais explicaria a ascensão do samba, de música de negros a produto comercial e símbolo nacional.
Engrossando o caldo das interpretações já consagradas sobre essa passagem da história da música popular, mas acrescentando a ela novos elementos, Tatit localiza o momento crucial dessa ascensão no encontro dos sambistas com a fonografia, no início do século XX. A nascente indústria fonográfica procurava, então, a sonoridade ideal para ser gravada em disco. De saída, foram excluídos os gêneros associados à dança e aos ritos religiosos, que dependiam da expressão corporal e da elaboração cênica para sua execução, bem como os batuques africanos, cuja amplitude sonora ultrapassava, e muito, a capacidade de captação dos primeiros fonógrafos. A música erudita, a canção semi-erudita e os gêneros populares instrumentais, por sua vez, prescindiam do registro fonográfico, uma vez que seus compositores viam na escrita em partitura um meio mais do que suficiente para assegurar a transmissão de suas obras. Tendo em vista as experiências bem-sucedidas com a gravação de discursos no final do século anterior, a sonoridade mais adequada ao disco parecia ser justamente aquela associada à expressão vocal. Nesse contexto, o samba de partido-alto, praticado na casa da tia Ciata e em outros redutos negros do Rio de Janeiro, se encaixava como uma luva nos projetos dos primeiros empresários de discos e cilindros.
Embora tenha se dado por motivos de ordem puramente técnica, o encontro dos sambistas com o fonógrafo traria também conseqüências estéticas, ao exigir que os sambas improvisados na casa de tia Ciata – "melodias e letras concebidas no calor da hora, sem qualquer intenção de perenidade" – adquirissem certa estabilidade, um caráter permanente que os tornasse dignos de serem gravados. Nesse processo de adaptação do canto instável, calcado na oralidade cotidiana, a uma forma perene, com sentido musical, os sambistas acabaram por criar uma nova forma de fixação sonora da fala, inaugurando o gesto cancional que caracterizaria toda a canção do século XX. Vale lembrar que, até então, a matéria-prima das canções era a inspiração romântica, presente nas letras rebuscadas de Catulo da Paixão Cearense e Cândido das Neves. Com o advento do fonógrafo, o compromisso poético das letras foi substituído pelo compromisso com a própria melodia. O que importava, para os novos cancionistas, já não era tanto o conteúdo dos versos, mas a adequação entre o que se diz e a maneira de dizer, que teve como paradigma as diferentes dicções do samba surgidas nos anos 20 e 30.
Essa compatibilidade entre melodia e letra estaria assegurada pelo chamado princípio entoativo. Tatit chama a atenção para o fato de que o sentido de uma fala qualquer encontra-se em sua entoação final (tonema), que pode ser ascendente ("Você vai sair?"), expressando dúvida/continuidade; descendente ("Eu vou."), expressando conclusão; ou suspensiva ("Mas..."), expressando a interrupção de algo que deve ser completado mais adiante. De um lado, a coincidência (intuitiva) desses tonemas com os momentos afirmativos, continuativos e suspensivos da letra atribuiria sentido aos versos isolados da canção. De outro, a articulação (também intuitiva) dessas inflexões, de modo concentrado ou expandido, ao longo da composição, seria responsável pelo sentido geral da obra, constituindo as chamadas formas de estabilização melódica, já explorada por Tatit em obras anteriores2.
A forma concentrada (ou acelerada), que privilegia os acentos sobre vogais curtas e favorece a constituição de células rítmico-melódicas bem definidas, estaria associada a letras que sugerem a conjunção ou encontro dos personagens com seus valores ou objetos. Esse recurso, que o autor denominou de tematização, teria como principal representante o samba carnavalesco, com seus refrãos de fácil memorização e suas temáticas festivas. No extremo oposto, tem-se a forma expandida (ou desacelerada), caracterizada pela presença de notas longas sobre as vogais, pela ampla tessitura da voz e por desenhos melódicos sinuosos, que sugerem uma busca por parte do eu lírico. O principal representante dessa forma de estabilização, denominada passionalização, seria o samba-canção, cujas letras falam do sentimento de falta e de desencontros – é o caso de "Linda Flor", de Freire Junior e Henrique Vogeler, analisada na segunda parte do livro. Uma terceira forma de estabilização, que não valoriza nem o prolongamento das notas nem a repetição de padrões rítmico-melódicos, mas as próprias inflexões da fala cotidiana, com seus altos e baixos, seria a figurativização, tendo no samba-samba – como Tatit denomina as composições que não são feitas nem para chorar nem para dançar – seu principal representante. Em geral, suas letras mimetizam diálogos (a exemplo de "Conversa de botequim", de Noel Rosa) ou enaltecem o próprio gênero (a exemplo de "Morena boca de ouro", de Ary Barroso, também analisada no livro). Essas três dicções do samba, consolidadas nos anos 20 e 30 em função das demandas do mercado fonográfico3, serviram de referência para todas as canções compostas no Brasil a partir de então, independentemente do gênero a que pertencessem4.
Tatit procura mostrar como, ao longo do século XX, passionalização e tematização se revezaram no posto de principal dicção da canção brasileira. Assim, diante do excesso temático das marchinhas e dos sambas-carnavalescos, hegemônicos nos anos 20 e 30, despontam no Brasil os boleros e os sambas-canções das décadas de 40 e 50. Em reação ao excesso passional desses últimos, surge, no final dos anos 50, a bossa nova e todos os seus desdobramentos da década seguinte, conhecida como era dos festivais: a MPB (e sua manifestação mais radical, a música de protesto), a jovem guarda (então mais próxima das propostas de João Gilberto e Tom Jobim do que sua herdeira direta, a carrancuda MPB) e o tropicalismo. O rock dos anos 80 não seria senão um desdobramento das tendências surgidas nas décadas anteriores – em especial o iê-iê-iê –, possibilitado pela entrada maciça das gravadoras multinacionais no mercado fonográfico brasileiro. No início da última década, para compensar o excesso de tematização do rock nacional, as gravadoras investem na passionalização da música dita sertaneja, logo compensada pelo balanço percussivo (temático) do axé e de outros gêneros surgidos no carnaval nordestino.
De todos esses processos de ruptura e sedimentação das dicções da canção brasileira, Tatit dá especial atenção a duas intervenções: a da bossa nova, que teria "aprumado a canção nacional", numa triagem de seus elementos essenciais, e a do tropicalismo, que teria levado ao paroxismo a tendência à assimilação presente na história da sonoridade brasileira desde seus primórdios. Na bossa nova, a inflexão passional dos sambas-canções foi substituída pelo tom coloquial, presente nas letras de suas composições – que tratavam do amor, do sorriso e da flor – e na aproximação do canto com a fala, por meio da eliminação do vibrato e da diminuição da potência da voz. A tessitura vocal também foi reduzida, havendo poucas variações na linha melódica, cuja condução se dava antes pela harmonia do que por uma extensa movimentação das alturas. A rítmica abandonou o tempo forte do compasso: no lugar do bordão executado pelo violão, que nas gravações anteriores reproduzia a marcação do surdo, a "levada" de João Gilberto fazia ouvir justamente os acentos do contratempo, mimetizando um tamborim. Sobre essa marcação rítmica constante, mas acéfala, a voz poderia caminhar com maior liberdade, muitas vezes desrespeitando a métrica do compasso. Assim, mesmo contendo o gesto da dança, o samba da bossa nova deixa de ser música para dançar, promovendo a decantação do gênero. A soma de todos esses procedimentos resultaria numa espécie de grau zero5 da sonoridade brasileira.
Enquanto os bossanovistas lutavam contra os exageros (não só passionais, mas de toda espécie) da canção dos anos 50, excluindo tudo que lhes soasse excessivo, os tropicalistas se incomodavam justamente com o gesto excludente imposto pela MPB na década seguinte. Reunidos no programa Fino da Bossa, comandado por Elis Regina, e nos Festivais da Canção da Record, cuja platéia estudantil ansiava por canções de caráter "nacional" e "popular", os adeptos da moderna MPB excluíam sistematicamente tanto a bossa nova, com suas letras dessemantizadas, como o iê-iê-iê alienado da jovem guarda e os sambas-canções "cafonas" das décadas anteriores. Lutando contra essa conduta unidirecional (comparável ao gesto de exclusão adotado pelos generais de plantão), Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros tropicalistas ressaltaram, justamente, a diversidade de estilos (ou dicções) presente na sonoridade brasileira, sem qualquer exclusão de ordem poética, nacionalista ou estética. Essa tendência à assimilação aparece tanto nas letras de suas canções, em que reinam citações e sobreposições, como nas temáticas, que incluem desde questões existenciais até a modernidade científica ou mercadológica. A reinterpretação tropicalista de canções consagradas, por outro lado, revelava que a composição da música "de qualidade" como da música "de consumo" envolvem processos muito semelhantes no que diz respeito à busca de compatibilidade entre melodia e letra.
A triagem bossanovista e a mistura tropicalista teriam, assim, se transformado nos dois principais gestos da moderna música brasileira, os quais seriam sistematicamente retomados pelas gerações posteriores toda vez que os excessos ou o espírito de exclusão voltassem a reinar no cenário musical. O revezamento cíclico das hegemonias (passionalização versus tematização), por sua vez, cessaria nos anos 90, quando o Brasil assistiu à convivência dos mais variados modos de dizer, que iam do brega (presente na música sertaneja, no pagode e em algumas vertentes do rock) ao dançante (revigorado com a música axé, com os grupos regionais de percussão – como Timbalada e Olodum – e com os gêneros nordestinos produzidos no carnaval), passando pelo rap e pelos artistas independentes. O final do século também seria marcado pela coexistência e intercâmbio entre músicos "de criação" e "de mercado" – isso quando um mesmo artista não se enquadrava já nas duas categorias. Desse modo, contrariando todas as expectativas apocalípticas, a proliferação de gêneros "menores", execrados pela elite popular6, não promoveu a "decadência" de nossa produção cancioneira. Ao contrário, Tatit defende que foi justamente a consolidação do mercado musical nos anos 90 que possibilitou a reabilitação dos antigos e o surgimento de novos talentos na canção brasileira, bem como a saudável renovação das dicções, indispensável para que uma sociedade complexa se reconheça integralmente em suas canções.
Tributário de certos valores defendidos pelos modernistas, Tatit parece dar continuidade à busca, iniciada por Mário de Andrade na década de 20, de uma essência nacional supostamente presente em algumas manifestações musicais brasileiras; e a encontra no modo de dizer criado pelos cancionistas do século XX. Em sua narrativa, contudo, a bossa nova e o tropicalismo – e não a "música artística", conforme preconizava Mário de Andrade – é que foram responsáveis pela consolidação do projeto modernista, ao reconhecer os valores musicais nacionais e promover sua transfiguração estética.
Malgrado o caráter teleológico (todos os eventos narrados no livro parecem apontar, desde sempre, para a origem e a evolução da canção, como se fosse esse o télos de todo desenvolvimento musical brasileiro) e apesar de se pautarem mais na bibliografia do que nas fontes primárias (reiterando, assim, certos equívocos), a narrativa e o modelo interpretativo propostos por Tatit são convincentes e bem alinhavados. Além disso, ao propor novos critérios de avaliação dessas "pequenas obras constituídas por melodia e letra", o autor encontra um novo lugar para o estudo da canção brasileira, de onde o pesquisador pode falar com maior liberdade. No mínimo, trata-se de um ponto de partida a ser levado em consideração pelos historiadores, que podem complementá-lo ou refutá-lo mas não deveriam, em hipótese alguma, ignorá-lo.
1 Respectivamente: Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Codecri, 1979; "Getúlio da Paixão Cearense". In: SQUEFF, Ênio; WISNIK, José Miguel. Música. São Paulo: Brasiliense, 1982. [ Links ] [ Links ]
2 Semiótica da canção. São Paulo: Escuta, 1994; O Cancionista. São Paulo: Cia das Letras, 1996; Musicando a Semiótica. São Paulo: Annablume, 1998. [ Links ] [ Links ] [ Links ]
3 Nessa época, o carnaval comandava as vendas de discos, demandando uma enorme produção de canções entre novembro e fevereiro. Na longa entressafra entre um carnaval e outro, eram produzidos sambas-canções, também chamados de "sambas de meio-do-ano", que não tinham o mesmo retorno financeiro dos gêneros carnavalescos, mas eram bastante rentáveis. Vê-se, assim, que o surgimento das duas principais dicções do samba (temática e passional) esteve diretamente atrelado a fatores, além de técnicos, mercadológicos.
4 Tatit ressalta que, embora tenha se tornado hegemônico nos anos 30, o samba nunca teve exclusividade no cenário musical brasileiro. Gêneros derivados do jazz (como o fox e o ragtime), da música hispânica (como o tango e o bolero) e das canções de espetáculo (como a cançoneta e outros números do teatro musicado) também eram produzidos no Brasil, e passaram a se valer dos recursos de compatibilidade melodia-letra inaugurados pelos sambistas.
5 Expressão utilizada por Roland Barthes para se referir, no âmbito da literatura, à neutralização dos estilos literários, que teria como exemplo paradigmático O estrangeiro, de Albert Camus. Tatit a emprega para definir o alto grau de despojamento atingido pelo movimento bossa nova.
6 A expressão – uma contradição em termos – é empregada por Tatit para designar o grupo consumidor da música popular "de qualidade" surgido com a bossa nova, no final dos anos 50. Ele se contraporia, de um lado, à elite artística – formada por expoentes do universo erudito, que muitas vezes também pertenciam à elite popular – e, de outro, à massa consumidora de produtos culturais tidos por essas elites como "menores".
Revista de História - USP
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