sexta-feira, 25 de junho de 2010

Un Nanterre Algérien, Terre de Bidonvilles


Jair de Souza Ramos
Prof. de Sociologia, UFF

SAYAD, Abdelmalek (colab. Éliane Dupuy). 1995. Un Nanterre Algérien, Terre de Bidonvilles. Paris: Éditions Autrement. 125 pp.

No cotidiano do imigrante, do migrante, das minorias étnicas e raciais, a diferença é uma presença constante, que vai do que há de mais positivo, como o jogo de solidariedades e de reconhecimento entre os "iguais", até o que há de mais negativo, como sua condição de não nacional e não cidadão. E é de um olhar atento sobre o modo pelo qual as condições materiais de vida revelam as tensões que se estruturam em torno dessa diferença que se nutre Un Nanterre Algérien, Terre de Bidonvilles. Neste livro, Abdemalek Sayad parte do conhecimento acumulado ao longo de anos de pesquisa sobre a imigração argelina na França, para extrair das narrativas sobre os bidonvilles, feitas por antigos moradores, o conjunto de determinações sociais que estruturam a experiência do imigrante argelino na França.

O autor discorre sobre a presença argelina em Nanterre mediante a análise das condições de vida nos bidonvilles. Estes conjuntos de barracos construídos pelos imigrantes na periferia urbana, a partir de materiais diversos, disponíveis ou a baixo custo, concentraram uma porção significativa da população argelina na França nos anos 50 e 60. O cotidiano dos bidonvilles é o ponto de partida para a identificação das relações dos imigrantes entre si e com os franceses.

Um dos principais elementos que estruturam essa experiência é a oposição entre o imigrante e o nacional, que está na base dos sentimentos de identificação entre si e de rejeição diante dos franceses que os bidonvilles materializam. Os bidonvilles são um espaço de vida, um lugar onde os imigrantes escapam à solidão e renovam suas solidariedades. Mas são também um lugar de vergonha e privação. Um lugar negativamente qualificado tanto no discurso dos jornais e dos políticos quanto no dos próprios imigrantes. É em torno desses espaços concretos, os cafés onde os homens se encontram e as esquinas onde as crianças brincam, mas também os barracos precários e a lama que os invade, que se constrói a memória da presença argelina na França.

Já na abertura do livro, o autor revela as difíceis relações entre ville e bidonville, com a rejeição e a estigmatização que pesam sobre a segunda. Temos aqui, já de início, o peso negativo da diferença. Em Nanterre essas habitações são vistas como um mundo à margem, entre o rural e o urbano, entre a França e a Argélia, entre o humano e o animal. Mais que isso, os bidonvilles "contaminam" a ville, estendendo a Nanterre essa imagem pejorativa e fazendo do universo imigrante um motivo de vergonha.

Na outra face da oposição entre argelinos e franceses, o primeiro capítulo, "Du Meublé au Bidonville", revela a construção da interdependência dos imigrantes ao analisar as redes de solidariedade e exploração entre parentes e compatriotas que permitem o acesso a um barraco. Seguindo a lógica mesma da emigração, os homens chegam sós e, para atenuar as dificuldades enfrentadas, procuram viver entre parentes, entre próximos, em um universo familiar de interconhecimento. Assim, os imigrantes buscam, ao chegar, pessoas que lhes foram indicadas desde a aldeia de origem. Logo descobrem as dificuldades de obter alojamento. Resta-lhes a ocupação de "quartos" que abrigam vários homens, e que não são mais que prolongamentos de barracos construídos junto às pensões e hotéis dos compatriotas.

O caráter exclusivamente masculino da emigração modificou-se com o início da guerra na Argélia, em 1947, pois a situação de insegurança motivou a emigração da mulher e dos filhos. Esse desenvolvimento da imigração familiar consolidou a unidade entre os imigrantes, e esteve na base da constituição dos bidonvilles. Isto porque o imigrante e sua família se deparavam com dois problemas: de um lado, o marido, que lutava por se adaptar, não tinha muito mais a oferecer do que um quarto partilhado com outros homens; de outro, a mulher, que esperava uma vida melhor com o marido na França, se deparava como uma situação para a qual não estava preparada nem material nem moralmente. Ambas as frustrações exigiam como solução um barraco em um bidonville, o qual propiciaria privacidade para a família e um contato reconfortante com outras famílias árabes.

O percurso do imigrante em busca de habitação é atravessado por um conjunto de dificuldades que só são superadas à custa da mobilização das solidariedades entre compatriotas e de um fechamento dentro do bidonville. E os problemas que levam a esse fechamento não são apenas materiais, dizem respeito, também, às manifestações de preconceito e racismo de que os imigrantes são vítimas, e que o viver em bidonvilles só reforça. Essa tendência ao isolamento, em grande medida associada à situação de exclusão, é analisada em maiores detalhes no quarto capítulo, "Sous le Bidons, la Vie Malgré Tout".

A autonomia é construída por intermédio do comércio e de serviços próprios ao bidonville. De início, temos o comércio de café. São os "cafés-baraques", lugares de intensa sociabilidade, onde grupos de parentes e conterrâneos reconstroem algo do seu ambiente de origem. Esse comércio, como a construção dos barracos, é realizado sem qualquer autorização. Além dos cafés, desenvolvem-se, também, armazéns, açougues e feiras semanais no estilo do "mercado de pulgas", importantes por atraírem imigrantes das comunas vizinhas de Paris. A partir das feiras, a rede de interconhecimento estende-se para além de Nanterre.

Temos, assim, um conjunto de movimentos por meio dos quais se estrutura uma unidade no interior desses bidonvilles, e que não é simples tradução de uma identidade prévia que os imigrantes trazem desde a sua origem. Ao contrário, essa unidade vai sendo montada em resposta à situação de exclusão vivida na França. E no centro dessa unidade e da experiência de exclusão está o "viver em bidonvilles".

A articulação entre bidonville e exclusão permeia todo o livro, aparecendo mais claramente no capítulo "L'Eau, la Saleté, la Honte", que traz a descrição das dificuldades cotidianas. Ali, o autor revela a presença de um discurso da vergonha que aprisiona os bidonvilles e seus moradores e que diz respeito não apenas à experiência de habitação, mas, sobretudo, ao discurso dominante, segundo o qual os barracos são "habitações vergonhosas" que marcam os imigrantes e a cidade.

Um elemento que caracteriza a representação da "vergonha" é a não separação entre a esfera privada e o domínio público. Habitação que não assegura privacidade, o bidonville é parte do espaço público. Mas um espaço menos organizado, menos urbanizado, um espaço físico quase natural, do qual se experimenta a desonra em tudo que os outros dizem e nos seus olhares. Assim, todas as ocasiões em que o morador entra em relação com o exterior são momentos de se experimentar a desonra que está ligada ao fato de se habitar ali, o que acontece freqüentemente, uma vez que boa parte das condutas cotidianas se desenrola diante dos olhares de estranhos. Assim, os objetos da vida cotidiana são temas recorrentes na memória dos imigrantes sobre a experiência dos bidonvilles.

A água é um tema de que se fala recorrentemente. Por um lado, ela é o que de pior pode haver na época das chuvas, quando invade todos os espaços, transformando os bidonvilles em um império de lama, que se torna, desse modo, um dos signos do pertencimento a um bidonville, signo que os imigrantes carregam nos próprios sapatos, fazendo com que sejam tomados por camponeses estranhos à cidade e, conseqüentemente, ironizados e tratados com desprezo. Por outro lado, há o problema da escassez de água potável. Existem apenas umas poucas bicas localizadas junto à estrada, exigindo portanto um trabalho penoso – a "corvéia da água" – que obriga homens e mulheres a se oferecerem aos olhares e gracejos dos estranhos e revelar seu pertencimento ao bidonville. Assim, a raridade da água sustenta o estigma da sujeira, reforçando a diferença entre habitantes das villes e dos bidonvilles e, em decorrência, o racismo contra os árabes, na medida em que a moradia nos bidonvilles está diretamente associada aos imigrantes argelinos.

Vítimas dessa rejeição os bidonvilles são alvo de duas atitudes recorrentes por parte dos habitantes das villes: de um lado, a agressão que vai dos gracejos e olhares, mas que pode chegar até os incêndios criminosos; de outro, e mais freqüentemente, uma indiferença e uma negligência na oferta dos serviços públicos. Neste último caso, tudo se passa como se os imigrantes e suas habitações devessem ficar invisíveis, evitando a exposição de seus barracos, roupas e corpos. E, como o autor reitera ao longo de todo o livro, essa clandestinidade, dos barracos, do comércio, de sua presença no país e na ville, é o principal atributo do "ser imigrante".

Esta é uma formulação básica não apenas do livro em questão, mas de toda a obra de Sayad. Segundo ele, a condição de imigrante reside na não conjugação do direito e do fato, mas sim na contradição fundamental entre um estado provisório definido no direito e uma situação durável definida de fato, que produz a representação do imigrante como ser transitório. Essa representação está na base das políticas que incidem sobre o imigrante, as quais visam lhe impor a condição de ser essencialmente uma força de trabalho temporária. Esse mesmo caráter provisório está presente nessas habitações, os bidonvilles, que surgem como de improviso às margens da cidade e lá ficam postos de lado, como que prontos a desaparecer. Mas, na verdade, essas habitações, assim como os próprios imigrantes, permanecem. E o esforço de Sayad em analisar a experiência de vida nos bidonvilles é o esforço de revelar essa permanência.

Revista MANA

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