Klaus Frey
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Konstanz, Alemanha, e professor do Mestrado em Administração da PUC-PR
Sustainable communities: the potential for eco-neighbourhoods.
Hugh Barton (ed.).
London, Earthscan Publ., 2000
Desde a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, pode-se observar, tanto nos âmbitos internacional e nacional como no âmbito das cidades, uma multiplicação de conferências e congressos tendo por objetivo a promoção de metas e estratégias de sustentabilidade, a criação de novos arranjos institucionais e leis ambientais, assim como a avaliação do progresso tecnológico e sua possível contribuição para a superação da crise ambiental. Porém, em termos globais, muito pouco se conseguiu avançar na trilha da sustentabilidade. Os avanços tec-nológicos, aumentando a eficiência ecológica do processo produtivo e do transporte de veículos, são mais do que compensados pelo aumento da produção e do consumo e seus respectivos impactos para o meio ambiente.
A globalização, o avanço nas tecnologias de informação e comunicação, a supremacia da lógica dos mercados financeiros (que cada vez mais impõem suas condições e limitam as margens de ação dos Estados nacionais), assim como a cada vez maior competição entre empresas, poderes públicos e trabalhadores, respectivamente, pelos mercados do futuro, pela atração de investimentos e empresas e pelos postos de trabalho sempre mais escassos, têm contribuído, na última década, para uma transformação profunda de nossas sociedades. O agravamento da situação ambiental; os poderes públicos menos dotados de competências e instrumentos para influenciar os processos produtivos e sociais; a flexibilização de nossas condições de vida e a perda de importância do lugar físico são exemplos dessa transformação. Ao que tudo indica, vivemos cada vez mais em uma sociedade móvel, onde os laços familiares e as relações baseadas na proximidade física perdem importância. De acordo com os intercessores da sociedade virtual, a Internet nos promete a liberação dos limites do lugar físico, a substituição da vizinhança geo-física pela vizinhança eletrônica, finalmente, a generalização de comunidades baseadas em interesses comuns e não mais na proximidade física. Em contraposição, de acordo com os cépticos da revolução da tecnologia digital, a cultura virtual, ao seduzir os internautas pelas meras aparências de comunicação e coletividade, isola de fato os indivíduos, de maneira que estes acabam perdendo o interesse e a disposição para se engajar a favor do bem público e do ambiente real. Uma prática social cada vez mais individualista e egoísta, prevista e temida por Alexis de Tocqueville como conseqüência da progressiva democratização que ele observou na América do século 19, segundo estes autores, tornar-se-ia finalmente realidade com a democratização do mundo digital.
É neste contexto que o livro que estamos resenhando traz uma perspectiva fundamental para a discussão acerca do desenvolvimento sustentável na era digital e da globalização: o potencial da vizinhança na perseguição do desen-volvimento sustentável. Volta-se portanto para os fundamentos do pensamento tocquevilliano, segundo o qual só uma transformação dos costumes e hábitos reinantes nas comunidades locais pode constituir-se em baluarte contra as tentações do consumismo, salvaguar-dando a liberdade face ao crescente igualitarismo.
O desenvolvimento comunitário sempre figurou como um dos pilares das concepções mais holísticas de desen-volvimento sustentável, na prática e nas propostas políticas implementadas, porém, não se tem atribuído a devida importância a este aspecto. Mas porque o "Think globally, act locally" vingou só na teoria e não na prática? Trata-se de um mero slogan de eco-idealistas ou sonhadores ingênuos destituídos de qualquer sentido de realidade? Este idealismo nostálgico pode ser transformado em realidade? O livro resenhado não cai na tentação de idealizar de forma acrítica a boa vida na comunidade solidária, orientada exclu-sivamente pelo bem comum, mas traz uma análise balançada das possibilidades e limites da vizinhança como força potencial para uma sociedade mais sustentável.
Na primeira parte -"setting the scene"- o livro traz contribuições que tentam ilustrar os problemas e conflitos envolvidos na busca da sustentabilidade a partir das comunidades locais. No capítulo I, Hugh Barton analisa a concepção à luz da policy agenda vigente (nos países mais desenvolvidos) e mostra como o debate é polarizado em decorrência da dicotomia entre eco-idealistas e supostos "realistas" de mercado. A contribuição mais pessimista vem de Nigel Taylor (capítulo 2) que, apesar de reconhecer o potencial do nível comunitário para uma sociedade sustentável, alega a necessidade de avaliar as experiências dos "eco-povoados" no contexto de forças globais mais amplas que, no seu conjunto, comprometem a sustentabilidade ambiental. "As forças ´não-localizantes´ da modernidade não apenas têm fragmentado a comunidade local, mas também as formas de vida locais" (21). Por isso, de acordo com Taylor, deve-se reconhecer os limites de tais experiências e buscar desvincular o projeto de promover a sustentabilidade ambiental no nível local do projeto de criar comunidades locais ou de tentar planejar para uma vida vivida mais localmente. O velho ideal de buscar criar pequenas comunidades, parecidas com pequenos povoados e relativamente auto-suficientes, choca-se com a vida urbana moderna, onde o lugar perde em relevância, e isto, segundo o autor, apesar de algumas tendências contrárias, como o aumento das possibilidades de entretenimento e do trabalho em casa, via Internet, ou do ensino à distância. Taylor não chega a concluir que se deve abrir mão do projeto de eco-povoados, mas rejeita a idéia de que, no contexto da modernidade, a solução poderia consistir numa vida vivida mais localmente. Segundo ele, tal reinvenção da vida comunitária local representaria um retrocesso no processo do desenvolvimento da humanidade. O que se deve buscar é "tornar a cidade moderna, e as formas de vida vividas nelas, ambientalmente mais sustentáveis" (28). Em geral, a necessidade de tal reorientação em favor da ecologização do desenvolvimento local não encontra contestação neste livro, já que os padrões tradicionais do planejamento centralizado têm levado a assentamentos insustentáveis e ao aumento dos problemas sociais e ambientais nas cidades, como mostra Dominic Stead no capítulo 3.
Na parte II do livro -"Rethinking the neighbourhood option"- encontramos abordagens teóricas e princípios básicos do planejamento no nível de vizinhança. Vale salientar o capítulo 6 -"The neighbourhood as ecosystem"- no qual Hugh Barton apresenta uma visão ecossistêmica de assentamentos aplicada ao nível da vizinhança, mostrando as inter-relações entre os elementos sociais e espaciais e as possibilidades de aumentar a auto-suficiência local. Caminhos para viabilizar os princípios básicos da abordagem ecossistêmica (aumentar a autonomia local; garantir escolha e diversidade; responsividade diante das condições particulares do lugar; conexão e integração; flexibilidade e adaptabilidade; controle pelo usuário) são ilustrados pelo autor a partir de exemplos sobre: 'acesso a trabalho e serviços', 'transporte' e 'gestão de recursos locais'. O autor chama a atenção para a necessidade de que a abordagem ecossistêmica não se restrinja a enfocar a qualidade dos ecossistemas naturais, mas que, ao mesmo tempo, vise melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. No capítulo 5, Barton e Kleiner examinam projetos de 'eco-povoados' em todo o mundo, chegando porém à conclusão que, de fato, são muito poucas as experiências que estão baseadas num projeto holístico. Nos apêndices 1 e 2, encontra-se uma lista bastante completa de 'eco-povoados' no mundo todo e com contatos para quem estiver interessado em conhecer de forma mais detalhada as experiências empíricas.
Na terceira parte -"Community and subsidiarity"- os autores mostram, a partir de alguns estudos de casos na Inglaterra, os processos de transformação que acontecem nas próprias comunidades locais na medida em que elas tentam seguir o caminho da sustentabilidade. São discutidas algumas das condições fundamentais para o sucesso dessas experiências, tais como o desenvolvimento comunitário, a formação de redes sociais de cooperação e de ajuda mútua, os arranjos institucionais para viabilizar a gestão do uso dos recursos locais e os processos de criação de capacidade comunitária, todos elementos de fundamental importância para o fortalecimento da ação coletiva no nível da vizinhança. No capítulo 11 -"Community governance"- Murray Stewart salienta a importância da criação e consolidação de uma rede de instituições que deve garantir a consistência dos processos de decisão e de gestão das áreas locais, de maneira que a comunidade possa ser governada com base em princípios e práticas que tragam benefícios duráveis. Em cada país, as condicionantes externas, bem como as relações gerais entre Estado e sociedade civil e as relações mais peculiares entre o Estado nacional, as províncias, as autoridades locais e as comunidades, divergem substancialmente e influenciam as possibilidades de criação de comunidades locais autônomas e, com isso, a viabilidade de 'eco-povoados'. Particularmente, as reformas administrativas que privilegiam o aumento da eficiência na prestação de serviços em detrimento da democratização e da criação de novos canais de participação política, devem ser avaliadas criticamente.
Os autores da parte final -"Managing resources locally"- mostram, no caso de algumas áreas específicas (energia, produção de alimentos, sistemas de transporte e segurança pública), como a abordagem ecossistêmica e como sistemas inovadores de governança local podem ser integrados no quadro de estratégias de desenvolvimento sustentável local.
No capítulo conclusivo do livro -"Towards sustainable communities"- Hugh Barton reconhece como elementos fundamentais para se chegar a comunidades mais sustentáveis: (1) estratégias de "empowerment" das comunidades locais e a criação de parcerias de ação no contexto de planos específicos de ação comunitária; (2) a transformação da cultura predominante dos tomadores de decisão, dos profissionais e companhias de desenvolvimento locais; (3) políticas governamentais, particularmente no que diz respeito às prioridades fiscais e novos arranjos institucionais, que favoreçam e facilitem a ação e a iniciativa locais.
Apesar das dominantes macrotendências de centralização e globalização e do ainda pequeno número de projetos inovadores no nível da vizinhança e dos bairros, até nos países mais desenvolvidos com movimentos pós-materialistas fortes, o livro apresenta "razões admiráveis para tentar rejuvenescer as localidades como comunidades territoriais vivas e ativas, baseadas em serviços comuns e uma gestão dos recursos locais" (p.252). Esta constatação certamente não tem validade apenas para os países ricos e pós-materialistas, mas talvez até mais ainda para países em desenvolvimento, nos quais os Estados cada vez menos conseguem atender às crescentes demandas da população carente. Se queremos ou não, em países como o Brasil, a exploração da opção comunitária virou uma necessidade imprescindível. O livro "sustainable communities" convida e estimula todos os interessados na melhoria da qualidade de vida a pensar, com base em uma visão holística e sistêmica do meio local, em estratégias de desenvolvimento sustentável para as comunidades locais.
Revista Ambiente e Sociedade
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