sábado, 5 de junho de 2010

Politics and Parentela in Paraíba - A Case Study of Family-Based Oligarchy in Brazil


Wanda Moreira Magalhães
Pós-Graduanda em História Social no Departamento de História da USP


LEWIN, Linda. Politics and Parentela in Paraíba - A Case Study of Family-Based Oligarchy in Brazil. N. Jersey: Princeton University Press, 1987.

Foi durante sua estadia na França, que o chefe da delegação brasileira à Conferência de Versailles, senador Epitácio Pessoa, teve notícia de sua eleição à presidência da República. A imprensa que cobria o histórico evento já se habituara a publicar seus discursos, juntamente com os de diplomatas de diversas partes do mundo.

O que não era conhecido dos leitores dos jornais europeus e norte-americanos era a atuação do recém-eleito presidente, na chefia política da oligarquia que ora dominava o estado da Paraíba: seu papel de patriarca de uma grande família e líder partidário estadual contrastava - talvez de maneira incompreensível, para alguns - com o liberalismo que ele alardeava.

Para os brasileiros, no entanto, o ambíguo papel de Epitácio Pessoa era aceito como um fato inteiramente dentro da normalidade. Na realidade, as duas atitudes políticas, altamente divergentes, eram intimamente conectadas, e formavam a base de sustentação política da "era das oligarquias", característica da República Velha.

Desvendar os mecanismos dessa organização política, mais especificamente, da poderosa máquina eleitoral que o Senador Epitácio Pessoa e sua oligarquia controlavam entre 1912 e 1930, é o objetivo do livro de Linda Lewin.

Apoiada na extensa documentação deixada pelo presidente e sua família, a autora relata a história do esforço do Senador Epitácio Pessoa para proteger a base familiar do poder oligárquico em seu estado natal. A trajetória de sua brilhante carreira - ministro da justiça, procurador geral da república, senador e presidente da república - é relacionada a uma bem sucedida organização oligárquica; seu triunfo na Paraíba é visto como essencialmente a história de sua família política.

A relação histórica existente entre parentesco e organização política é uma temática já estudada na historiografia brasileira, mas, segundo a autora, sempre de maneira apressada e generalizante.

Como refere a autora, muitos pesquisadores meramente mencionaram a dependência tradicional da organização política brasileira em relação à família e aos laços de parentesco, sem considerar as implicações decorrentes desse relacionamento ao longo do tempo. Apenas apontaram que a força do parentesco declinou, a partir de algum momento do século XIX, sem considerar sua enorme adaptabilidade à mudança no tempo, ou mesmo sua sobrevivência em contextos "modernos".

Numa perspectiva ampla, o livro discute as conclusões levantadas pelas pesquisas anteriores, com a vantagem de estar baseado num estudo de caso empírico. Estudo que procura apreender a atuação das grandes famílias, especialmente os ramos casados entre si dos Lucenas, Pessoas e Neivas, para a preservação de seu poder econômico e político.

As famílias foram pesquisadas desde sua origem, no início do século XIX, até a República Velha. A partir de sua evolução vão sendo apreendidas as mudanças na organização política baseada nas relações de parentesco, no contexto da transição do Império para a República. O foco central da análise está sempre na família extensa de elite ou parentela (tomadas no estudo como sinônimos), tendo como pano de fundo a economia algodoeira em expansão e a patronagem federal.

A análise é feita sob a perspectiva da política partidária, essencial, segundo a autora, para se entender, não somente a organização política da Paraíba durante a República Velha, mas também toda a estrutura da política nacional. A pesquisa busca interligar as instituições formais, tais como, cargos políticos, eleições, polícia, normas e sanções legais vitais para a autoridade do Estado, com as estruturas informais mantidas pelos laços de parentesco, amizades políticas e associações pessoais.

Através de extensa e detalhada pesquisa empírica, a autora demonstra que eram regras não escritas do sistema de parentesco que ajudavam o grupo familiar a selecionar membros de maneira a adquirir ou manter o poder político. Essas regras determinavam quem pertencia ao grupo familiar por nascimento e quem poderia ser recrutado através do casamento ou inclusão cerimonial (afilhados).

A partir desse dado algumas interessantes conclusões são alcançadas, relativas às estratégias de organização familiar que tinham em vista a estrutura de poder da sociedade, e sua adaptabilidade às novas condições ocorridas no final do século XIX.

Uma delas refere-se à flexibilidade da descendência ambilinear. Através da manipulação da passagem dos sobrenomes, incorporava-se ora a linha masculina ora a feminina, o que permitia o reconhecimento da descendência conforme os interesses políticos do momento.

A manutenção da propriedade era garantida pelo casamento consangüíneo. Dentro dos sistemas bilaterais de descendência, a fragmentação da herança tendia a ocorrer no nível dos primos - o casamento entre eles consolidava e mantinha as teias do poder econômico e político, assim como a coesão social do grupo familiar.

Por outro lado, era comum a segmentação da família em diversos ramos, e uma das conclusões mais significativas do livro é que isso era importante para a sobrevivência e perpetuação da família. O que importava não era que as famílias permanecessem no poder como um todo, mas que alguns grupos da parentela participassem da elite política - coesão e fragmentação, assim, eram "lados opostos da mesma moeda".

As mudanças na organização familiar detectadas pela pesquisa, podem ser, segundo a autora, estendidas para todo o país, e são, basicamente, a tendência à exogamia e a erosão da autoridade familiar.

A primeira delas se explica pela instabilidade política: a aliança com adversários, propiciando o aumento de casamentos fora do grupo familiar, garantia a proteção eventualmente necessitada.

Quanto à autoridade patriarcal, a autora nota que a tendência da historiografia, de enfatizar a autoridade patriarcal, impediu que se observasse que, já a partir da segunda metade do século XIX, também compartilhavam desse poder os irmãos e cunhados. As mudanças econômicas e políticas acentuaram esse processo, desenvolvendo-se outras estratégias de manutenção do poder. Os filhos bacharéis dos proprietários rurais, por exemplo, passaram a contribuir para a dominação local da família fazendo, muitas vezes, a "ponte" com outros níveis do governo.

Em síntese, a principal contribuição do trabalho consiste em delinear, com referência à Paraíba, a maneira pela qual a força do parentesco na política realizou uma complexa mudança: bem mais do que um declínio linear, abrupto e rápido, conseguiu sobreviver bem no presente século. Numa sociedade desprovida de estado forte e classes sociais definidas, a parentela continuou a ser a principal fonte de segurança individual.

Em outros termos, como assinala a autora, a sobrevivência do latifúndio, da pobreza, do analfabetismo e da superexploração do trabalho continuam permitindo a atuação do poder familiar, em sua forma coronelística, não só na Paraíba, mas também em todo o Nordeste do Brasil.

Revista de História - USP

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