sábado, 5 de junho de 2010

A Colônia Brasilianista. História Oral de Vida Acadêmica

Nanci Leonzo
Professora Drª do Departamento de História da USP


MEIHY, José Carlos Sebe Bom. A Colônia Brasilianista. História Oral de Vida Acadêmica. São Paulo: Nova Stella, 1990.

Marcar entrevistas, realizá-las e divulgá-las são tarefas que não atraem os historiadores brasileiros, com exceção de alguns estudiosos de nossa história contemporânea que a elas recorrem com objetivos tímidos, norteados pelo propósito de colher informações que enriqueçam pesquisas realizadas em arquivos e bibliotecas. A chamada História de Vida acabou adquirindo, assim, uma função complementar, em nada compatível com suas reais possibilidades. Diluída em uma ampla e difusa concepção de História Oral, ela sobrevive tão somente porque alguns pesquisadores insistem em manipulá-la, ainda que com extremo recato.

Após a publicação de A Colônia Brasilianista a situação é outra. A História de Vida ganha uma dimensão historiográfica que promete derrubar muitos preconceitos, como os alimentados por aqueles que, à custa de uma postura "científica", se recusam a admitir, publicamente, que as relações humanas - manifestas através do convívio com familiares, amigos e inimigos - podem influir na condução de um trabalho acadêmico ou mesmo de uma carreira. Aqui a discussão ultrapassa a conhecida problemática da objetividade do conhecimento histórico, enveredando, é certo, por caminhos tortuosos, ainda indefinidos, mas que, fatalmente, nos conduzirão a um debate epistemológico tão oportuno quanto salutar.

A Colônia Brasilianista ouvida por José Carlos Sebe Bom Meihy é grande e interdisciplinar. Integram-se cerca de 60 estudiosos, espalhados por diversas universidades norte-americanas. Deste 1º volume (são previstos três) participam 3.2 depoentes, repartidos, pelo autor, em três categorias: "Os Pioneiros", "Os Filhos de Castro" e "Os Especialistas". Questionamos esta divisão. Os "retratos permitidos", valorizados pela intenção de captar, em cada um dos entrevistados, o "lado humano", encarregam-se, já à primeira vista, de enfraquecê-la. O "Especialista" Jeff H. Lesser, por exemplo, jovem pesquisador voltado para o estudo dos judeus no Brasil contemporâneo, deixa transparecer, em seu depoimento, o mesmo entusiasmo pelos assuntos brasileiros que, durante anos, acompanha, sem justificativas convincentes, o eminente "Pioneiro" Richard Morse e o conhecido "Filho de Castro" Thomas Skidmore. Se o propósito era valorizar esse fascinante "lado humano" por que submetê-lo a um formalismo com forte conotação política? Vale dizer que os depoimentos, não obstante se constituem na "imagem que cada um gostaria de deixar de si mesmo para seus leitores", trazem informações preciosas sobre problemas estruturais e conjunturais vivenciados, em diferentes contextos, pelos membros da colônia. Por que, então, não se tentou melhor combiná-los, por ocasião da distribuição da documentação oral disponível, com o prioritário, isto é, a face visível da história pessoal dos depoentes?

Um ponto alto na obra de José Carlos Sebe Bom Meihy é, sem dúvida, o depoimento do antropólogo Charles W. Wagley. Com linguagem simples, este "Pioneiro" - aqui não há contestação - fornece-nos explicações satisfatórias a respeito do gradativo interesse norte-americano pelo Brasil, vinculando-as à paixão que sempre nutriu pelo nosso País. Nada mais "humano". Wagley é o protótipo do estrangeiro que se enamorou do Brasil, cultivando, à distância, seus sentimentos, porém, concretizando-os a partir de iniciativas dignas de menção, como a formação de "brasilianistas". Pela Universidade de Columbia, onde atuou por quase três décadas, passaram, por exemplo, Herbert Klein e Ralph Delia Cava, estudiosos de grande prestígio no mundo acadêmico brasileiro.

Conceituar o "brasilianismo" e os "brasilianistas" era, até a publicação deste 1º volume de A Colônia Brasilianista, uma tarefa íngreme, contornada através do uso indiscriminado de qualificativos pinçados na grande imprensa. Daí a importância da obra de Bom Meihy. Os leitores, atraídos pelo "lado humano" dos depoentes, sofrem um desafio, qual seja, o de rever concepções apressadas, muitas delas verdadeiros resquícios de uma pretensa postura nacionalista apoiada na inércia mental e operacional que caracteriza parte de nossa intelectualidade.

Bom Meihy acomodou a A Colônia Brasilianista em um grande palco, cujo cenário - é preciso admitir - causa uma certa inveja ao desestimulado pesquisador brasileiro. Escondeu-se nos "bastidores" e ouviu "histórias contadas e recontadas", dando-lhes, na transcrição, um caráter cordial. Trabalhou com as cores adequadas ao "retrato permitido" e, quando as subverteu, com o intuito de obter tonalidades mais coerentes com o seu pensar crítico, colocou, de certa maneira, em risco, a pertinência dos depoimentos.

Os "brasilianistas" não se mostram tão realizados e felizes como os colaboradores de Nora (Essai D'Ego-Histoire. Paris: Gallimard, 1987), mas, também, não falam de suas insatisfações. De Stein, passando por Dean e Levine, até Maxwell - para citar os mais conhecidos - quase tudo teria dado certo. É a História de Vida possível, entenderão os leitores acadêmicos de A Colônia Brasilianista. É "in-cred-i-ble", dirão, imitando Perrone, os leigos. Afinal de contas, o "olhar do outro" é complacente, mas penetrante. Se dele não podemos nos desviar, aprendamos, pelo menos, a enfrentá-lo. As "armas", como provam os depoimentos, estão aqui. Basta requisitá-las em nossos arquivos.

Revista de História - USP

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