sábado, 5 de junho de 2010

Imperialismo greco-romano



Pedro Paulo Abreu Funari
Departamento de História, IFCH da UNICAMP

GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo greco-romano. São Paulo, Ática, 1987.

Apenas nos últimos anos, historiadores brasileiros começaram a escrever manuais de História Antiga. Até recentemente, os livros universitários de História Antiga resumiam-se a traduções de obras francesas, inglesas ou, mais raramente, de outra procedência (em particular, soviética, italiana ou norte-americana). Ainda hoje, os manuais de Mikhail Rostovtzeff, Pierre Lévêque e Aymard são usados amplamente. Os poucos especialistas brasileiros na Antiguidade não se dispunham a escrever tais manuais e, deve reconhecer-se, as próprias editoras não possuíam coleções de História Geral destinadas a autores nacionais, preferindo a tradução de manuais clássicos, mais ou menos antigos. Este quadro só viria a alterar-se com o surgimento de coleções como "Tudo é História", da Editora Brasiliense, ou "Princípios", da Editora Ática. Historiadores brasileiros começaram, pela primeira vez, a preocupar-se com a elaboração de manuais de História Antiga destinados especificamente aos nossos alunos e estudantes. Esta primeira leva de trabalhos, pioneiros, ressentiu-se, ainda, de um certo apego aos manuais e livros estrangeiros o que causou o predomínio de um ecletismo pouco crítico no uso da historiografia estrangeira. Não é difícil apontar as limitações desses primeiros livros. Por um lado, há, não raramente, erros no uso das línguas clássicas, traindo a falta de familiaridade do autor com o Latim e o Grego. Por outro, costumou-se misturar autores de horizontes interpretativos antagônicos, mesclando weberianos e marxistas ou idealistas e empiristas, como se pudessem figurar lado a lado, harmonicamente.

É neste contexto que a publicação do livro do Professor Norberto Luiz Guarinello, do Departamento de História da Universidade de São Paulo, constitui ponto de inflexão dessas tendência eclética. Antes de tudo, deve ressaltar-se que o autor utiliza-se de diversas fontes históricas, gregas e latinas, traduzidas das línguas originais. Além de documentos da tradição textual, analisa, traduzindo pela primeira vez ao vernáculo, inscrições, em particular as Inscriptiones Graecae. Em seguida, refere-se, diversas vezes, a artigos publicados em revistas científicas, tais como Greece and Rome, La Pensée e Mélanges de l'École Française de Rome. Ambas características constituem uma novidade neste tipo de obra, na medida em que utiliza-se de documentos e previligia os artigos científicos em detrimento do uso extensivo de manuais.

A própria estrutura da obra rompe com o caráter descritivo, predominante até então. O primeiro capítulo discute os conceitos de imperialismo, guerra e expansão e põe-se como questão a utilidade do uso do termo "imperialismo", surgido no período moderno, para a realidade antiga. Estas questões serão retomadas pelo autor na sua conclusão. Os outros capítulos, ao seguirem uma sequência cronológica, podem induzir-nos a crer que estaremos diante de uma "descrição", à maneira dos manuais factuais, dos acontecimentos. Entretanto, o autor procura apresentar, nos diversos itens, a variedade e diversidade de opiniões dos estudiosos do tema. Assim, "a natureza da expansão de Atenas" (a partir da página 22) não se encontra explicada, demonstrada ou revelada ao estudante, como se fosse uma verdade a ser assimilada. Apresentam-se diversos autores, com propostas de interpretação divergentes, permitindo ao leitor relativizar as diferentes opiniões.

O mesmo tipo de preocupação aparece em outras partes do livro. Seu item "Imperialismo defensivo?" (a partir da página 39) explicita as intepretações de nada menos que oito autores! De Mommsen a Veyne, passando por Holleaux, Scullard, Frank, Carcopino, De Sanctis e Colin, o autor examina as posições historiográficas confrontando-as com autores antigos, como Tito Lívio, Virgílio, Cícero e Salústio. O leitor, embora levado a concordar com as idéias do autor, expostas ao final desta discussão, não é privado do rico debate em torno destas questões e pode, devido aos argumentos expostos, chegar às suas próprias conclusões. Outro item paradigmático é o que se refere "às fases da expansão" romana (a partir da pagina 44). Apresentam-se diversas periodizações, a começar por duas fornecidas por historiadores antigos (Diodoro e Salústio), e a terminar com os historiadores modernos. Acaba-se, conceitualmente, com a idéia, corrente na cabeça de nossos estudantes, das fases para as diferentes interpretações sobre as fases.

O livro do Professor Guarinello inaugura, pois, uma nova fase nos livros paradidáticos de História Antiga. Depois dos primeiros livros escritos por brasileiros, pioneiros indiscutíveis, abre-se uma etapa que preocupa-se em fazer com que nossos estudantes não sejam apenas consumidores da História Antiga. Na medida em que são capazes de ler e analisar fontes antigas e autores modernos de primeira mão,esses estudantes tornam-se, potencialmente, ao menos, também eles produtores de História.

Revista de História - USP

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