sábado, 5 de junho de 2010

Working Life of Women in the Seventeenth Century


Lina Gorenstein Ferreira da Silva
Pós-graduanda em História Social no Departamento de História - FFLCH-USP


CLARK, Alice. Working Life of Women in the Seventeenth Century. London, Routledge & Kegan Paul, 1982. (Originaly published in 1919 by George Routledge & Sons, Ltd.) 328p.

Este trabalho de Alice Clark foi o resultado de urna pesquisa desenvolvida pela autora com uma bolsa de estudos da London School of Economics para estudar a história das mulheres seiscentistas; pesquisa iniciada em 1912, foi interrompida durante a I Guerra Mundial e acabou sendo publicada em 1919.

Nesta nova edição (1982), contamos com uma belíssima introdução de Miranda Chaytor e Jane Lewis, que além de analisar essa obra, inserem Alice Clark no panorama do movimento feminista do início do século XX.

Utilizando vasta documentação, como cartas, memórias, livros de contabilidade doméstica, além de petições judiciais, decisões das Cortes e documentação eclesiástica (em sua maior parte encontrada no British Museum, em Londres), o livro abrange a vida e o trabalho de mulheres de diferentes grupos sócio-econômicos, tanto rurais como urbanos, na Inglaterra do Século XVII. A autora registra as atividades das mulheres pertencentes à pequena nobreza rural, que dirigiam grandes domicílios e supervisionavam a administração das propriedades familiares; desvenda a realidade da rotina das mulheres trabalhadoras mais pobres, resconstruindo as condições de trabalho nas fiações, as moradias superlotadas das cidades, os ínfimos salários das operárias da incipiente indústria têxtil e a destituição daquelas que trabalhavam no campo.

Alice Clark realizou esta pesquisa com o intuito de documentar as condições de vida das mulheres do século XVII; afirma que o quadro que traçou não está completo devido às várias dificuldades enfrentadas, como a falta de documentação e a ausência de um conhecimento sobre a condição feminina nos anos que precederam o século XVII; alerta-nos que somente um aspecto da vida dessas mulheres foi examinado neste estudo: seu papel na organização econômica da sociedade. Porém, considera que este não pode ser dissociado da vida conjugal e da maternidade.

Acreditava terem sido as mulheres mais ativas na indústria no início do século XVII do que no século XX, e que os homens participavam mais das funções domésticas. Ambos os sexos tinham tido vidas mais equilibradas e plenas na sociedade pré-capitalista, o que proporcionara condições melhores para bem estar das crianças.

A preocupação com a relação entre maternidade e trabalho feminino permeia todo o livro, embora a ideologia e a experiência da maternidade não sejam discutidas diretamente. O instinto maternal, assim como o sexual, estavam sujeitos a modificações, e para compreendê-los era necessário inseri-los no contexto das estruturas familiares e sociais em que existiam. Não analisa assuntos como o nascimento, o aleitamento materno, a questão das amas de leite e o amor. Despreza o mito da fragilidade e da incompetência femininas, insistindo na inteligência da mulher, na sua capacidade para o trabalho, administração dos negócios, assim como para o estudo, ressaltando a necessidade de permitir seu acesso ao conhecimento científico e à pesquisa. Considerar as obrigações domésticas e a criação dos filhos como inerentes ao trabalho feminino era para elas "quase uma degradação".

O livro é dividido em tópicos, começando com uma "Introdução" onde são definidos termos e conceitos, e onde a autora apresenta uma de suas principais inquietações, o efeito da Revolução Industrial sobre as mulheres e sobre a evolução das profissões. O segundo capítulo "Capitalistas", trata das atividades das mulheres da aristocracia, do comércio e da usura, e introduz uma de suas teses, a crescente ociosidade das mulheres das classes mais altas devido ao crescimento do capitalismo e conseqüentemente a separação das atividades; analisa a ruptura da tradicional associação dessas mulheres nos negócios, uma vez que no início do século XVII era comum a gerência das mulheres da aristocracia sobre os negócios da família, tanto na administração de seus domicílios quanto nos empreendimentos comerciais, e até mesmo no governo. O marido de Lady Gardiner apresenta suas desculpas a Sir Ralph Verney por ela não lhe escrever pessoalmente, por estar "cansadíssima devido ao duplo calor, do tempo e das suas ocupações, porque os frutos amadureceram rapidamente e ela não podia perder a safra" (p. 15). Uma nela de Oliver Cromwell, Mrs. Bendish, era proprietária de minas de sal cm Yarmouth, estando engajada ativamente na sua administração.

Em "Agricultura" fala do campo, de seus habitantes, sua atividade e, principalmente, da importância da agricultura para a economia da Inglaterra; descreve a rotina das mulheres durante a época do plantio e da colheita, e aponta o problema dos assalariados. Mostra neste capítulo três grupos que viviam no campo: os proprietários que possuíam terras suficientes para a manutenção da família e que mantinham empregados assalariados; ou pequenos proprietários, que possuiam terras mas não produziam o suficiente para seu próprio sustento, complementando sua renda como assalariados nas propriedades dos primeiros; e finalmente o grupo dos assalariados, que não tinha terras e dependia somente dos salários para seu sustento. Foram as crianças pertencentes às duas primeiras classes que construíram a Inglaterra.

Quem mais sofria eram as mulheres do terceiro grupo, notadamente as mães, que raramente abandonavam seus filhos, apesar da fome e da miséria; a subnutrição aliada às péssimas condições de vida foi fatal para as crianças, poucas alcançando a idade adulta, e quando isso acontecia, formavam uma classe de desempregados destinados a ser um peso ao invés de uma força para a comunidade.

No capítulo "Têxteis" analisa a importância histórica das mulheres no desenvolvimento econômico, o predomínio da mão-de-obra feminina e o significado do desenvolvimento da industrialização na vida das mulheres, nas indústrias da lã, linho e seda. No século XVII coexistiam a industria doméstica (ligada ao linho) com o trabalho de alguns assalariados, e a indústria familiar, intensivamente praticada; porém a indústria capitalista estabeleceu-se no ramo da lã, e rapidamente expandiu-se para os outros setores, determinando uma baixa salarial; apesar de o trabalho feminino ser essencial para essas atividades, as operárias recebiam salários ínfimos, insuficientes para sua manutenção e de seus filhos; considerava-se que esse trabalho fosse uma ocupação secundária na vida das mulheres casadas, que viviam do salário do marido, e cuja atividade principal era a doméstica.

No capítulo seguinte "Ofícios e negócios" apresenta a posição e a vida de mulheres engajadas no comércio e em deteminadas atividades, como moinhos, açouges e cervejarias. A condição econômica dessas mulheres era relacionada com o local de trabalho e com a existência de um capital mínimo; as esposas de assalariados tinham poucas oportunidades, ao contrário daquelas que trabalhavam junto com os maridos em negócios próprios.

Em "Profissões" aborda algumas ocupações como enfermagem, medicina, as parteiras, concluindo que o papel das mulheres nas artes de curar e ensinar perdeu força à medida que essas atividades se tornaram profissionais e masculinas. Quando fala dessas mulheres que praticavam as artes de curar enfatiza sua sabedoria, senso comum e responsabilidade; não se refere ao uso de poções e ervas com sentido de feitiçaria, e ressalta o conhecimento que tinham da "estrutura e das funções de seus corpos".

Na "Conclusão" retoma sua tese sobre a elevada produtividade das mulheres na época da economia doméstica e a revolução causada pelo capitalismo, que afetou drasticamente a condição econômica das mulheres, acarretando sua exclusão das atividades especializadas.

As mulheres que aparecem na obra de Alice Clark, embora oprimidas, são mais do que vítimas passivas das péssimas condições em que viviam, uma vez que a autora ressalta sua resistência contra tal situação, relatando e analisando o processo de destituição por elas sofrido.

Reconhece a luta das mulheres contra a pobreza, porém sua preocupação principal é registrar a opressão e desmoralização da mulher trabalhadora que ocorreu com o advento do capitalismo.

Daquelas mulheres, que no século XVII trabalhavam lado a lado com os homens, dentro de uma economia doméstica - "uma camaradagem existia entre ambos que era ao mesmo tempo estimulante e inspiradora" (p. 41) - fossem mulheres das classes altas ou simples trabalhadoras, tanto do campo quanto da cidade, nada restou após o desenvolvimento da economia capitalista: as mulheres das classes mais baixas têm seu trabalho explorado, e as das classes altas tornam-se ociosas.

Há nessa obra uma questão que ultrapassa o século XVII: como a industrialização afetou a produtividade e eficiência física das mulheres, suas qualidades individuais e, acima de tudo, influenciou seu papel enquanto mães.

Questão essa que Alice Clark trabalha mostrando todo o peso das posições feministas de sua época, e também de sua vida pessoal, de mulher trabalhadora, solteira e sem filhos, que chegou à direção da empresa de sua família, sem nunca ter se descuidado dos trabalhos assistenciais. Durante todo o livro sente-se a nostalgia da autora com relação a um período onde o sistema doméstico de produção possibilitava às mulheres (e aos homens) uma vida mais digna, com relação ao trabalho, â família e às relações pessoais.

Revista de História - USP

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