sábado, 5 de junho de 2010

Blacks and Whites in São Paulo-Brazil (1888-1988)


Maria Aparecida de Aquino
Profª. de História Contemporânea no Departamento de História da FFLCH/USP

ANDREWS, George Reid. Blacks and Whites in São Paulo-Brazil (1888-1988). Wisconsin, The University of Wisconsin Press, 1991.

A obra de George Reid Andrews representa um exemplo do que deve ser sempre bem vindo no país: a oportunidade de (re)visita constante aos fantasmas íntimos que assolam brasileiros dotados de mínima sensibilidade, no caso em especial, às difíceis, veladas, pouco estudadas relações raciais no Brasil e, em particular, no Estado de São Paulo.

Passando por um longo período1, George Reid Andrews desenvolve argumentações e apresenta sua pesquisa2 com o que objetiva mapear questões centrais para qualquer estudioso da temática: entender a persistência (não admitida)3 da discriminação e desigualdade raciais e compreender como e porque elas se transformaram no Brasil, no século posterior à abolição. Alegando a amplitude da empreitada, o desejo de trabalhar circunscrito ao mesmo local em que Florestan Fernandes (autor a que Andrews mais dedicará comentários ao longo do livro) desenvolveu seus estudos e as condições sócio-econômicas particularmente propícias do Estado, o autor acaba se restringindo a São Paulo. Nem por isso será uma tarefa ligeira.

Num extenso arrazoado introdutório4, o autor aponta seus pressupostos teóricos passando por perspectivas brasileiras, comparativas, política e regional.

Nesta direção é interessante destacar a apresentação de semelhanças e diferenças entre as obras de Gilberto Freire e Florestan Fernandes. Credita a Gilberto Freire o desenvolvimento (seu aparecimento foi anterior) do conceito de democracia racial. Em Florestan Fernandes aponta o pioneirismo na denúncia deste conceito como mito criado e critica as restrições de sua análise que centra a evolução da questão no desenvolvimento do capitalismo no país que substituiria relações baseadas na identificação racial por outras baseadas na identificação de classe.

É digna de nota, também, a explicitação do autor de sua concepção de História Social com a preocupação de não deixar de lado a questão do poder e o papel do Estado na definição das relações sociais. Aqui, uma crítica pode ser feita à obra de George Andrews. Extremamente louvável a sua opção de abordagem e análise das instituições impactando as relações raciais. Entretanto, o autor peca na realização quando, em momentos, passa rapidamente por um longo período e acaba operando a tradicional forma de História Política. Promove, por um lado, a separação entre a política e os demais setores da atividade social e, por outro, traça uma esquematizada e burocratizada periodização.

Entre 1800 e 1988, George Andrews delineia uma longa história em que os afro-brasileiros5 estiveram presentes no exercício constante de dominação e resistência nas relações sociais desenvolvidas.

Na definição da discriminação e desigualdade raciais o autor desenvolve a concepção de que, após a abolição, os "libertos" foram expulsos do mercado de trabalho, particularmente, em São Paulo, pelo advento da imigração que tinha duplo objetivo: "europeizar" o país e desqualificar a mão-de-obra de origem negra. Esta era vista sob o olhar da "ideologia da vadiagem" (afro-brasileiros só trabalhariam se obrigados, daí a justificativa do trabalho forçado) e do "mito da competência"'6(seriam incompetentes comparativamente aos imigrantes europeus). Denunciando e descaracterizando estes objetivos, Andrews constrói a argumentação de que. a partir dos anos 20, os afro-brasileiros passaram a ter acesso ao trabalho em indústrias em São Paulo. Isto foi acentuado, nos anos 30, com as medidas estatais definitivas na direção de nacionalização do mercado de trabalho e de limite e, mesmo, contenção da entrada de imigrantes no Brasil. Neste momento, Andrews utiliza registros da Tecelagem Jafet e da Light7, assim como se refere à análise (criticando-a como carente de sustentação em evidências) de Florestan Fernandes sobre a dificuldade de adaptação ao trabalho urbano dos elementos de origem negra.

Entretanto, os afro-brasileiros não encontraram em profissões de trabalho não manual (white-collar) a mesma "facilidade" de enquadramento social no mercado de trabalho que tiveram em profissões de trabalho manual (blue-collar). O ingresso na classe média não foi fácil e, segundo o autor, não o é ainda atualmente (referências a 1988). Para mapear os ensaios de ingresso na classe média paulista, o autor recorre a registros de imprensa, organizações negras e clubes sociais e esportivos. Estas tentativas não bem sucedidas de acesso à classe média relacionam-se, entre outros fatores, com a concorrência acirrada com os brancos, na medida em que profissões de trabalho não manual oferecem status e salários mais atraentes.

O autor encerra suas considerações fazendo uma breve passagem pelos "cem anos de liberdade" no aspecto comemorativo8 e quanto às possibilidades de organização dos afro-brasileiros9 para vencer a discriminação e desigualdade raciais no Brasil. Embora enxergue inúmeras dificuldades partindo das condições sócio-econômicas em que vive a maioria da população de origem negra no país, ao lado das crenças10 desenvolvidas ao longo do tempo, o autor adota uma postura de otimismo. Olha para o passado e assinala a importância das transformações já processadas neste século de ausência de escravidão legal e vislumbra no futuro a possibilidade de conversão do "mito da democracia racial" em realidade.

O trabalho de Georde Reid Andrews é extremamente propício pela premência do tema no Brasil, pela abrangência do período que cobre, pelo fato de, felizmente, aproximar-se da atualidade em suas observações, pela denúncia de preconceitos e mitos criados, pela originalidade e interesse oferecido pelas fontes apresentadas que conferem voz aos que costumam ser ouvidos somente pelos registros de outrem. Abre generosas e instigantes perspectivas para futuras pesquisas.

1 Embora o título da obra sugira o desenvolvimento do estudo ao longo do século posterior a abolição da escravidão no Brasil (1888-1988), o que por si só já seria de larga extensão temporal, na realidade, ao iniciar o livro o autor começa com uma fase anterior ao fim oficial do trabalho forçado: o ano de 1800.
2 A pesquisa do autor consiste basicamente na análise da imprensa tanto de origem negra como não negra e operária, documentação oficial (Boletim do Departamento Estadual do Trabalho), registros de duas empresas importantes no início do século em São Paulo: a Fiação, Tecelagem e Estamparia Ipiranga Jafel e a Companhia de Luz e Força Light, ao lado de material originário de clubes e associações negras. Além disso, George Andrews aponta, mas não especifica, cerca de 700 conversas com brasileiros oriundos de diferentes camadas sociais, ao longo de 5 anos, entre RJ e SP. Isto, sem contar a extensa pesquisa bibliográfica que inclui uma abordagem crítica de clássicos sobre o tema como Gilberto Freire e Florestan Fernandes.
3 O autor discorre longamente e apresenta dados estatísticos sobre a não admissão, entre a maioria dos brasileiros, da existência de preconceito racial, ou, no máximo, a aceitação do mesmo para os outros mas não para si próprios.
4 Neste sentido aponte-se a propriedade de transformação da Introdução em Capítulo 1, dada a sua abrangência e extensão.
5 Ao longo da obra o autor utiliza largamente esta terminologia para designar elementos de origem negra, em maior ou menor grau. Tem o cuidado, entretanto, de juntar no Apêndice B um estudo sobre a linguagem utilizada no Brasil para a definição dos lermos negros, brancos, mulatos, mestiços.
6 Embora o autor não o faça, toma-se aqui a liberdade de inferir o conceito desenvolvido pela profa. Marilena Chauí em "O discurso competente", in Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. SP, Cortez, 1989, p. 3-13. [ Links ]
7 E importante assinalar o interesse da documentação apresentada por George Andrews. Entretanto, talvez pela abrangência temporal e pela diversidade (o que, originalmente, não é negativo, em absoluto) e desequilíbrio da documentação, entende-se que esta poderia ser melhor explorada, bem como para outros períodos dever-se-ia apresentar dados semelhantes para um contraponto temporal.
8 Segundo George Andrews, no Brasil, ao contrário dos EUA onde as pessoas não a localizam com exatidão, a data da abolição da escravidão é uma das mais lembradas e comemoradas, sendo que qualquer criança de escola a conhece. É necessário uma ressalva que se faz com o conhecimento da realidade educacional, do ensino de História e do sentido das comemorações no país. Entende-se que o significado das "datas cívicas" no Brasil, não assume aquela conotação respeitosa e formal que se vê assumida em outras nações seja ela ou não fruto de uma mitificação. No caso brasileiro o que se vê é, de modo geral, uma relativização das datas da chamada "história oficial" que assumem importância secundária em relação a outras comemorações como o carnaval ou algumas festas religiosas.
9 Em determinado momento o autor se questiona sobre as saídas futuras para o movimento afro-brasileiro. Poderiam ou não ser semelhantes às encontradas pelos negros norte-americanos entre os anos 60 e 70 na direção do enquadramento social de seus elementos? Na análise das diferenças entre a realidade brasileira e dos EUA, George Andrews aponta para o fato de que para as lideranças negras norte-americanas teria sido fácil desmistificar a discriminação racial na medida cm que ela feria dois pilares da sociedade: os ideais cristãos c os do liberalismo. No caso do Brasil isto não seria tão simples na medida em que tradicionalmente as elites utilizaram ideais de democracia liberal para legitimar o autoritarismo. Em que pese este cinismo das elites que pode ser detectado no Brasil é necessário ressalvar se não seria útil uma certa dose de crítica ao modo como a sociedade norte-americana gosta de ser vista e vender sua imagem das mais variadas formas e a realidade socialmente vivenciada pelo povo.
10 Uma delas é a fé de muitos afro-brasileiros "branqueamento" como forma de ascensão social e outra (que compartilham com brancos) a relutância em pressionar por direitos iguais sob temor de aumentar possíveis antagonismos raciais.

Revista de História - USP

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