sábado, 5 de junho de 2010

Falas Masculinas, falas femininas? Sexo e Linguagem


Nadir Domingues Mendonça
Profª. Dra. de História Contemporânea na UFMS


AEBISCHER, Verena e FOREL, Claire (orgs.) Falas Masculinas, falas femininas? Sexo e Linguagem. São Paulo, Brasiliense, 1991, 196 págs.

Na maioria das análises sobre as transformações sociais, de nosso tempo, há uma freqüência em situar maio de 1968, como um marco. Realmente, efetuaram-se profundas mudanças em relação à política, à sexualidade, à condição da mulher, à defesa das minorias. E, como o fascínio provocado por um prisma ao deixar-se decompor nas mais sutis nuances, estas realidades desafiam múltiplas reflexões.

Falas Masculinas, Falas Femininas? Sexo e Linguagem, uma coletânea de sete artigos, organizada por Verena Aebischer e Claire Forel é mais um sinal de como há variedade no matizado dos temas sobre o momento histórico. A divisão por sexo, ao longo da história da humanidade, tem sido fundamental na organização da sociedade. Em grau e dimensões em que ainda não cessaram as conjeturas. Talvez, a mudança mais profunda de nossa época seja o desejo da mulher de buscar uma identidade própria. Tradicionalmente a mulher aspirou ser mulher, mas sempre o fez como resposta ao desejo do homem. A mulher, no presente, busca sua própria identidade para ser realidade e não como uma existência em fac-símile, para corresponder às aspirações do homem.

Se esta vontade da mulher de não ser apenas signo constitue-se uma alteração sem precedentes na história, não é menor o impacto dos meios de comunicação na vida social. Naturalmente, a linguagem é a primeira e mais afetada forma de convívio humano. Deste modo, uma análise das relações entre sexo e linguagem reveste-se de atualidade e revelância para o estudo da sociedade. Assim, estes ensaios originados nas áreas da Antropologia, da Lingüística e da Psicologia Social são, também, de interesse para a História.

Em seu conjunto, os artigos mantém uma unidade pelo objetivo de "situar, no campo das questões relativas à linguagem e ao sexo, as falas masculina e feminina" e, por uma reflexão teórica nova, em que o feminismo é visto como um "modelo teórico e explicativo ultrapassado". Assim, os autores vêem que "não é necessário colocar a diferença sexual antes de tudo, às vezes uma diferença não é nem pertinente, nem desejável". O que interessa "é compreender o objetivo e o funcionamento dessa diferenciação".

Os ensaios são precedidos de uma introdução em que é exposto o estado atual da questão. A curiosidade sobre as diferenças lingüísticas relacionadas ao sexo tem registro, desde o século XVI; foi preocupação de exploradores e missionários. Nesta trilha seguiram os antropólogos, etnólogos e lingüistas. Entretanto, apenas na década de 70, com o impulso do movimento feminista houve o incremento de pesquisas e publicações tendo como "objeto a significação do sexo e o papel sexual na utilização da linguagem".

Em colóquios e ateliês também efetivaram-se discussões desta problemática: O questionamento desenvolvido gira em torno: do estudo da estrutura da língua. Deste ponto de vista, "a língua reflete o fato de que é uma instituição dos homens, da qual as mulheres são mais ou menos excluídas". As denúncias fazem-se, então, sobre as regras gramaticais. Um segundo eixo é o "estudo da história da língua e das possibilidades de planificá-la sistematicamente. Pesquisadoras feministas desencadearam" verdadeiras reformas da língua. E uma terceira linha detém-se sobre a utilização da língua, como de distinções entre a palavra dos homens e a palavra das mulheres, em diversos níveis, no que diz respeito à fonologia, sintaxe e morfologia.

Os sete ensaios de Falas Masculinas, Falas Femininas? Sexo e Linguagem, contrapõem-se ao conjunto dessas pesquisas, em que a linguagem dos homens é "tomada como normal" e a das mulheres é "tratada como desvio ou defeito". Em vez da interrogação do que é diferente "para justificar ou denunciar essa diferença", os autores questionam "o porquê e o como dessa diferenciação, ou seja, sua função tanto para aquele ou aquela que fala quanto para aquele ou aquela que escuta ou observa".

A diferença, enquanto processo, é olhada sob os pontos de vista lingüístico e psico-sociológico. A linguagem é tratada "não enquanto determinada ou determinante, mas enquanto veículo e instrumento de representações e comportamentos". Esta abordagem afasta-se do sexismo e dos estereótipos.

Ser contra o sexismo, diz Claire Forel, "não consiste em abolir toda a referência ao sexo, mas em poder distinguir situações em que este é importante e aquelas em que não o é". A língua é apenas um instrumento que serve para dizer o que se deseja. "Se, pois existe sexismo, não é na língua que devemos acusá-lo, mas sim naquilo que queremos dizer".

Do mesmo modo, é tratada a palavra tabu; sua origem não se deve situar na língua, mas na maneira pela qual, os fenômenos são representados. Em conseqüência, o tabu não pode ser atacado ao nível lingüístico. A divisão do livro baseia-se em unidades estruturais, distribuídas em três capítulos: No 1º capítulo: "As Palavras", a abordagem é lingüística; no segundo: "Os Sons", o procedimento é sociolingüístico; o último capítulo: "A Conversação", numa abordagem etnometológica são analisadas as regras que regem as conversas entre homens e mulheres.

Ressalta, na série de ensaios, a consideração da linguagem como agente de signos e condutas e, por efeito, de saber e poder. Neste sentido, apesar de não se tratar de uma pesquisa histórica, com ela se relaciona pelas elaborações culturais que se entrelaçam. É, entretanto, particularmente, interessante para análise de discurso.

Revista de História - USP

Nenhum comentário: