sábado, 5 de junho de 2010

Byzantium - The Early Centuries



Jonatas Batista Neto
Professor Dr. do Departamento de História - USP

NORWICH, John Julius - Byzantium. The Early Centuries. Alfred A. Knopf, New York, 1989, 408 p., 44 ilustrações (cores e preto-e-branco).

John Julius Norwich não é propriamente um historiador. É um desses intelectuais europeus de vasta cultura que, entre outras coisas, escreve História. O que já faz dele um historiador, dirão alguns e não sem razão, especialmente se se verifica que Norwich escreve esplendidamente bem, manuseando muito a contento fontes e bibliografia. Temos a tentação de chamá-lo "cronista moderno", o que também seria falso porque ele incorpora tanto os escritos medievais quanto os autores contemporâneos, como, por exemplo, Diehl, Ostrogorsky e Vasiliev, para só citar alguns. Deixemos de lado os preconceitos: Norwich só não é um "historiador acadêmico", com as suas teses e artigos eruditos publicados em revistas especializadas. De resto, é um historiador de verdade, que leu as fontes (63, listadas no final do livro), uma seleta bibliografia, refletiu sobre o seu tema e transcreveu o produto do seu trabalho num estilo admiravelmente límpido e elegante. Mais ainda, a nosso ver, Norwich inscreve-se naquela soberba tradição da Historiografia inglesa (mais voltada para o político e o militar do que para o econômico e o social, é verdade) que produziu tanto a obra de um Gibbon quanto a de um Bury, dois monumentos do gênero.

Norwich nasceu em 1929. Foi educado no Canadá, em Eton, na Universidade de Estrasburgo e na de Oxford, tendo obtido dois diplomas de Letras: francês e russo. Em 1952 passou a integrar o Foreign Office, no qual permaneceu durante 12 anos, tendo servido nas embaixadas de Belgrado (Iugoslávia) e de Beirute (Líbano) e também integrado a delegação britânica que participou da conferência sobre o desarmamento em Genebra. Em 1964 encerrou a sua carreira diplomática e, a partir de então, dedicou-se a escrever. Suas obras mostram um acentuado gosto pela História, especialmente a História do Mediterrâneo oriental. Até o momento, já produziu trabalhos sobre o Monte Atos, Veneza, os normandos na Sicília, sobre viagens, sobre arquitetura inglesa, sobre o teatro de ópera de Glyndebourne, etc. (Mount Athos; The Normans in the South/The Kingdom in the Sun; A Taste for Travel: an anthology; The Architecture of Southern England; Fifty Years of Glyndebourne, etc.). Atualmente é membro da comissão que cuida das questões ligadas à sobrevivência de Veneza e também faz parte da Câmara dos Lordes.

Do ponto de vista da periodização, Norwich se alinha com diversos bizantinólogos (ingleses ou não), escolhendo o reinado de Constantino como ponto de partida. Essa opção, que se apóia na dupla revolução constantiniana, a qual implicou tanto na aceitação do Cristianismo como religião legítima quanto na escolha de uma nova capital, é defensável naturalmente, assim como também é defensável, a nosso ver, o estabelecimento do início da História de Bizâncio na altura da morte de Teodósio e da ascensão de Arcádio (395 D.C.).

Neste volume, que é o primeiro de uma obra em dois e que se estende até a imperatriz Irene (797-802), Norwich opta decididamente por uma História no sentido tradicional, ou seja: uma História dos eventos políticos e dos empreendimentos militares. São poucas as referências às questões sociais, à vida econômica, e aos outros aspectos da realidade material tão caros à Historiografia francesa. Não estão de todo ausentes, todavia. À página 330, aborda a legislação elaborada para regular as relações sociais da população camponesa, que, segundo ele, deve ser, de pouco, posterior a Justiniano e que nos dá "a wonderfully vivid picture of rural life". Mais ainda, numa oportuna nota, lembra que a tradução inglesa dessa fonte pode ser encontrada no Journal of Hellenic Studies, vol XXXII (1912), p. 87-95.

Mas é na descrição das intrigas da corte e das complexas operações militares contra germanos, ávaros, eslavos, persas e árabes que a grandeza do livro se revela. O desfile de personagens extraordinários (ou patéticos) e a narrativa das intrigas, a maioria de uma violência espantosa, deixa-nos maravilhados. Não é por acaso que a Historia Bizantina causou tanta repulsa em autores do século XVIII e XIX, levando Montesquieu a ver nela "apenas uma seqüência de intrigas sangrentas e sórdidas", Voltaire a descrevê-la como uma História que o desgostava mais do que "qualquer historia de bandidos obscuros", e Hegel a defini-la como "a sequência milenar de crimes, de fraquezas, de infâmias, compondo uma imagem horrível e desinteressante" (Cf. Alain Ducellier, Les Byzantins, Éditions du Seuil, 1963, p.4).

Hoje não pensamos mais assim. Reconhecemos a grandeza dos bizantinos e o seu papel civilizador. Mais do que isso: sabemos que, sem os bizantinos e a sua resistência multissecular ao invasor oriental, muito provavelmente a Europa ocidental não teria resistido à reiterada pressão dos povos não-cristãos, especialmente dos árabes, que estiveram perto de tomar Constantinopla em 674.

Da galeria de personagens que Norwich nos apresenta, é difícil selecionar os mais notáveis, tão interessantes nos parecem eles em sua maioria:

Há por exemplo, o basileus Heráclito (610-641) que, após longas e exaustivas campanhas contra os persas, acabou por desenvolver um estranho medo do mar, tão invencível que conseguiu retê-lo, num de seus retornos a Constantinopla, na costa da Anatólia por longas semanas até que se tivesse a idéia de cobrir inteiramente o seu navio com galhos e folhas, de maneira que o Bósforo pudesse ser cruzado sem maior sofrimento por parte do soberano.

Há igualmente Justiniano II (685-711), a quem derrubaram e cortaram o nariz em 695, de maneira a alijá-lo totalmente do poder mas que, dotado de uma obstinação verdadeiramente incomum, conseguiu recuperar o trono em 705 e, nos seis anos que ainda pôde estar à frente do Império, usou um nariz postiço, de ouro.

E há também a imperatriz Irene (797-802) que, em pleno conflito das imagens, mandou arrancar os olhos do próprio filho, o que foi feito com tal violência que provocou a morte do jovem Constantino logo a seguir.

No livro de Norwich, o Império Bizantino dos primeiros tempos ressurge com toda a sua violência, a sua inclinação mística e o exotismo de uma civilização distante geográfica e culturalmente da nossa. Talvez o seu maior mérito, além dos que já foram enumerados, seja (como observou um crítico inglês) o de dar credibilidade e verossimilhança a uma História marcada pelo excesso e pela extravagância, e que por isso costuma parecer estranha e improvável, ou mesmo "horrível e desinteressante" como disse Hegel.

Embora não sendo obra de historiador profissional e não fazendo concessões aos modismos das historiografías prestigiadas atualmente, Byzantium. The Early Centuries se impõe como uma grande realização do gênero. Sua clareza, objetividade e elegância contrastam saudavelmente com os inúmeros bizantinismos do nosso tempo.

Revista de História - USP

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