sábado, 19 de junho de 2010

Multidões em Cena. Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo


Mary Anne Junqueira
Departamento de História-FFLCH/USP

CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em Cena. Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo. São Paulo, Fapesp/ Papirus, 1998.

Em muitos países, particularmente nos períodos eleitorais, é notória a utilização de propaganda política que, junto às pesquisas de opinião, se sofisticam mais e mais com a finalidade de conquistar os "corações e mentes" dos eleitores. Embora seja um tema que envolve riscos e desafios, mais do que nunca a propaganda política precisa e deve ser estudada, dada a extraordinária penetração dos meios de comunicação de massa.

O fenômeno surgiu na primeira metade do século XX, quando o rádio (por exemplo) instalado nas salas das casas fazia com que as donas-de-casa tivessem companhia durante o dia e agregasse a família em torno das notícias e programas variados durante a noite. Sabe-se que a utilização maciça da propaganda política na América Latina, na primeira metade do século XX, esteve vinculada aos regimes de Vargas, no Brasil, e de Perón, na Argentina. É sobre esse período que a historiadora Maria Helena Capelato se debruça para analisar a complexidade da propaganda elaborada e divulgada pelo Estado Novo brasileiro (1937-1945) e pelo peronismo (1945-1955).

A autora trabalha a partir de uma abordagem da História política renovada. Investiga as encenações do poder, as representações políticas e os imaginários sociais (constituídos por imagens, mitos, símbolos e utopias). Para tal empreitada, analisa um corpus documental variado (rádio, cinema, jornais, revistas, discursos, cartilhas escolares, folhetos, obra de ideólogos de ambos os regimes) englobando assim os meios de comunicação, educação e produção cultural do período.

A autora lembra com muita propriedade como o candidato Fernando Collor (1989), no Brasil, e Carlos Menem (1988), na Argentina, utilizaram imagens e símbolos presentes no varguismo e no peronismo, confirmando a permanência de traços desses regimes autoritários ainda nos dias de hoje. Maria Helena construiu assim uma análise sofisticada sobre um período decisivo da História latino-americana e sobre um tema que envolve a difícil tarefa de trabalhar com as subjetividades e as "marés instáveis" do coletivo.

Em primeiro lugar, sustenta as semelhanças de um e outro regime: tanto Vargas como Perón inspiraram-se na bem sucedida propaganda nazi-fascista. A propaganda política articulada e capitaneada por Goebbels foi alvo atento da atenção de Vargas. Perón também utilizou os mesmos mecanismos a fim de controlar e dirigir as massas. Importante notar, como ressalta a autora, o fato da propaganda nazista ter se inspirado no sucesso da propaganda comercial norte-americana. Dessa forma, idéias e tecnologias de comunicação circulavam no período com uma velocidade inigualável até então. Conteúdo e forma das mensagens vieram da Europa para o Brasil e para Argentina, mas – afirma a autora – foram reproduzidas com um novo significado, adaptando-se às conjunturas históricas e particularidades culturais do Brasil e da Argentina.

Existem muitos estudos tanto sobre o varguismo quanto sobre o peronismo, mas a originalidade do trabalho de Maria Helena está em elaborar uma análise comparativa entre as propagandas políticas utilizadas por Vargas e Perón, iluminando assim a compreensão dos dois regimes. Em primeiro lugar, é necessário marcar os distintos momentos históricos em que foram veiculadas as propagandas em um e outro país. No caso do Brasil, Vargas consolida o seu poder no período entreguerras, quando do impacto da Revolução Russa, das conseqüências da Primeira Guerra Mundial, da crise econômica de 1929 e do questionamento do liberalismo. Já no caso da Argentina, Perón só chega ao poder ao fim da Segunda Guerra Mundial com a inquestionável vitória dos Aliados. Momento em que, com a derrocada do nazi-fascismo, já se colocavam por terra as objeções às políticas liberais. Dessa forma, quase uma década separa a entrada em cena de Vargas (1937) e de Perón (1945). No entanto foi nesse período que tanto um quanto o outro procuraram canalizar as massas em direção ao projeto autoritário. E mais: Vargas alcançou o poder por meio de um golpe de Estado e Perón tornou-se um dos presidentes mais populares da Argentina, por meio de eleições. Segundo a autora, embora a propaganda política argentina tenha sido organizada através das regras do sistema democrático, a pretensão de conquistar as massas foi a mesma tanto no varguismo quanto no peronismo.

Se é clara a semelhança entre Vargas e Perón no que concerne à inspiração que tiveram na propaganda nazi-facista, também existem analogias em como os dois presidentes procuravam apresentar as sociedades: ambas eram tidas como homogêneas, unidas e harmônicas, negando os conflitos e a pluralidade da vida social. Tais representações exigiam uma ação decisiva contra qualquer conflito ou manifestação da oposição, transformando a propaganda política em um instrumento eficaz para aqueles regimes de caráter autoritário. Assim, verificou-se no âmbito das duas sociedades um controle exaustivo dos meios de comunicação com o objetivo de canalizar a participação das massas na direção imposta pelos dois governos.

Mas, como afirma a autora, se por um lado existem semelhanças, por outro, são muitas as diferenças que marcaram os dois regimes. Varguismo e Peronismo procuravam através dos símbolos definir aliados e inimigos, muitas vezes utilizando-se de imagens religiosas. No entanto, enquanto o comunismo foi o inimigo instaurado pelo governo Vargas, catalisando os temores de desintegração da sociedade, no caso do Argentina, foi eleito como inimiga do regime a oligarquia "vende-pátria" que se associava aos interesses estrangeiros e o imperialismo (primeiro o inglês e depois o norte-americano).

Getúlio Vargas como se sabe era considerado o pai dos pobres, e a autoridade máxima que protegia um povo-criança, inábil e incapaz de escolher os seus representantes. Perón era igualmente considerado um pai, mas, carregava um qualificativo a mais, era também visto como amigo e procurava uma proximidade maior com os trabalhadores. Maria Helena afirma que Getúlio Vargas esteve voltado para a construção do "trabalhismo brasileiro", mas nada se compara ao que aconteceu na Argentina, quando houve de fato uma grande melhoria de vida da população, especialmente porque naquele país os trabalhadores já eram uma categoria consolidada. A justiça social foi o carro-chefe da política peronista com vistas a direcionar os trabalhadores no rumo imposto pelo regime.

No Brasil de Vargas a mesma questão foi tratada de forma diferente: aqui se pretendia formar, moldar o trabalhador produtivo. O objetivo principal do regime era reformar o Estado e criar uma força de trabalho disciplinada a fim de empreender o desenvolvimento do país. Dessa maneira, a justiça social foi um lema muito mais do peronismo do que do varguismo. A autora conclui então que a propaganda política foi utilizada de forma mais intensa e determinante na Argentina, uma vez que Perón não se descuidava do apoio das massas para se manter no poder. No caso de Vargas – instalado na cadeira presidencial por meio de um golpe e com apoio dos setores dominantes e das forças armadas – não houve a mesma necessidade da aprovação popular maciça que existiu na Argentina.

Além disso, diferentemente de Vargas, Perón contou com a atuação de sua mulher Eva Perón, peça-chave na propaganda política e alicerce do regime autoritário argentino. A atuação do casal, e em especial a ação de Eva, mostrava à população as representações masculina e feminina do poder. Eram imagens que sugeriam o homem como o "salvador", com a função de livrar a sociedade das forças perniciosas e a mulher como "mártir e redentora" da Argentina. Assim ficavam definidos o papel dominante do homem e a posição de satélite legada à mulher. Eva Perón, como se sabe, se tornou mito, sendo reverenciada por uns e detratada por outros, e ainda hoje é tema de filmes, biografias e alvo de controvérsias naquele país.

Em ambos os regimes, afirma a autora, houve a tentativa de calar as vozes dissonantes. Mas as diferenças entre Brasil e Argentina foram significativas. No Brasil, embora tenha havido oposição a Vargas – especialmente no interior das universidades – existiu uma forte atuação do regime em cooptar os intelectuais, abrindo espaço para as produções artísticas, processo capitaneado pela figura polêmica de Gustavo Capanema. Na Argentina, ainda que existissem escritores francamente peronistas, a reação dos intelectuais foi muito mais radical contra o regime. Basta lembrar a trajetória de Jorge Luis Borges, perseguido por Perón, por suas críticas ao que os escritores chamavam de fascismo local. Segundo Maria Helena, essas constatações permitem destacar as diferenças entre as culturas políticas brasileira e Argentina. Embora no Brasil existisse uma oposição significativa, as iniciativas procuraram se organizar mantendo um consenso, enquanto na Argentina é indiscutível a existência de uma sociedade muito mais polarizada.

Assim sendo, o trabalho de Maria Helena Capelato – construído a partir de pesquisa em fontes, profundo conhecimento da bibliografia sobre o período e sustentado pela multiplicidade de temas que surgiram com a comparação – é uma valiosa referência sobre a época. Além disso, a autora convida o leitor a pensar não só sobre a propaganda política de ontem, mas também na que se faz hoje. É bom salientar que, embora Vargas e Perón tenham conseguido um apoio considerável das massas, isso não quer dizer que a propaganda política dirige de forma determinante as vontades e as ações da sociedade. Seria bom ouvir o que o próprio Perón constatou ao fim da sua trajetória política. "Em 1955, tendo a totalidade dos meios de comunicação à disposição fui derrotado; em 1945 e 1973, antes das eleições, a imprensa toda se opôs a mim não impedindo a minha chegada à Casa do Governo".

Revista de História - USP

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