Maria Izabel V. de Carvalho
Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) (1989), pós-doutoranda em Política Internacional pelo Centre for International Studies da London School of Economics and Political Science (2004) e professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB)
A partir da década de 90, a intensificação da globalização atingiu todas as dimensões da atividade social e atenuou as diferenças entre a esfera doméstica e a esfera externa. Dessa maneira, os relacionamentos transnacionais e transgovernamentais expandiram-se de modo expressivo1. Por outro lado, o fim da Guerra Fria levou à criação de novos Estados e reafirmou a importância do papel desses atores no contexto internacional. A intensa globalização e a expansão do formato Estado- nação apresentaram desafios relevantes para as investigações que procuravam explicar a constituição do ordenamento internacional, com atores cada vez mais diversos, bem como para os estudos calcados na tradição da análise da política externa, focalizados no comportamento dos agentes estatais.
No final da década de 80 e durante os anos 90, avançaram-se abordagens direcionadas a refletir sobre a nova conformação da ordem internacional. Conceberam-se, nesse período, conceitos como, por exemplo, o de governança global2, o qual considerava a nova ordem como sendo um sistema de ordenação constituído pela atuação de atores governamentais e não-governamentais e pelos entendimentos intersubjetivos formais e informais relacionados ao seu funcionamento e evolução. Além disso, o caráter anárquico -tão caro aos quadros de referência realistas -estava ausente da conceituação desse sistema. No contexto dessas reflexões, o Estado não era mais que um tipo de ator entre outros.
A disciplina Análise de Política Externa -que se desenvolvera em oposição ao realismo, defensor de uma abordagem do Estado como um agente unitário e racional -permaneceu tendo como foco de investigação as relações interestatais3.
Assim, enquanto se desenrolavam processos no âmbito externo, limitando e restringindo a capacidade de atuação dos Estados, e se produziam estudos que apreendiam a nova configuração do ambiente internacional em uma macroperspectiva em que o papel desses atores não se delineava claramente, os estudos a respeito da política externa investigavam, predominantemente, o ambiente doméstico e seu impacto nas decisões tomadas pelos governos no meio internacional4. Em vista disso, desafios foram colocados não apenas no sentido de redimensionar o objeto da disciplina -afinal, o que é política externa hoje?-, mas também com o objetivo de inseri-lo em um espaço de múltiplos condicionamentos originados interna e externamente.
Como salientam W ebber e Smith (2002:26), poucos são os estudos que tiveram como meta repensar a relação entre a política externa e as transformações globais5. Christopher Hill, professor do departamento de Relações Internacionais da London School of Economics and Political Science, com o livro The Changing Politics of Foreign Policy, contribui de forma primorosa para preencher essa lacuna. Ele dispõe de um conhecimento profundo sobre o referencial teórico da disciplina Análise de Política Externa e sobre a política externa em sua dimensão comparativa. Destaca-se, ainda, o seu domínio da teoria das Relações Internacionais e do rol de suas questões atuais.
Éo campo de estudos sobre a política externa capaz de produzir um conhecimento significativo sobre as Relações Internacionais? A resposta de Hill é sim, mas, segundo ele, para tal é necessário realizar um aggiornamento e formular uma nova perspectiva sobre os fenômenos associados à política externa. São esses os principais propósitos que o autor pretende alcançar no livro.
Nesse sentido, Hill confronta os desafios mencionados anteriormente analisando o impacto das mudanças globais sobre a política externa e ressaltando ser a capacidade de agir (agency) um elemento importante de constituição e de explicação do âmbito internacional - aspecto este não considerado pelas abordagens de globalização e de governança global, mas possível de ser tratado a partir da perspectiva teórica e conceitual desenvolvida nos estudos relativos à política externa.
Em vista disso, o autor é capaz de relacionar conceitualmente a política externa a um ambiente de interpenetração entre o externo e o interno e de erosão de suas fronteiras (tradicionalmente tão definidoras do campo da política externa) sem, no entanto, deixar de distingui-la como um espaço próprio e relevante de reflexão e de ação significativa no âmbito internacional.
No capítulo primeiro, "Foreign Policyin International Relations", Hill propõe que se defina política externa como: "a soma das relações oficiais externas conduzidas por um ator independente (usualmente um Estado) nas relações internacionais"(:3)6. Esta é uma definição inovadora, uma vez que não limita a ação, no âmbito da política externa, ao Estado. Na verdade, ela possibilita que se repense a política externa de entidades que, embora não tenham uma conformação estatal, possuam também estruturas de governo e de responsabilização, a exemplo da União Européia, como destaca o autor.
Entretanto, cabe ressaltar que para Hill o ator mais relevante no âmbito da política externa ainda é o Estado, tendo em vista a sua capacidade de mobilização política. Contudo, o autor salienta que
"[...]mesmo onde um ator não é independente inteiramente dos Estados, carece de um eleitorado claro e possui somente um âmbito limitado de interesses, ainda assim pode ser válido considerá-lo em termos de política externa. [... ]Soberania [... ]pode estar faltando, mas a entidade interessada pode ainda possuir abrangência para implementar decisões que afetem outros - em resumo, um grau de atuação" (:41).
Cidades, regiões, seitas e organizações não-governamentais são possíveis atores que podem e devem ser investigados quanto à "política externa" (:41).
Entretanto, esta assertiva e suas implicações no plano das diferenças entre as "políticas externas" desses atores e as dos Estados não são exploradas pelo autor, o que deixa o leitor com mais perguntas do que respostas. Uma dessas implicações, porém, é debatida: a questão da coordenação e da coerência no contexto da política externa quando se considera a atuação de entidades subnacionais. Esta é uma discussão relevante já que remete, por exemplo, ao papel desempenhado pelos atores regionais no processo decisório da União Européia (ver) e ao fenômeno relativamente recente de uma atuação externa não desprezível de determinados municípios no Brasil, como é o caso do M unicípio de São Paulo (ver ).
Ainda no capítulo primeiro, Hill discute os limites e as contribuições de diferentes abordagens teóricas das Relações Internacionais para o entendimento da política externa. De acordo com ele, o realismo e o neo-realismo são insuficientes, não apenas pelas razões que vêm sendo tradicionalmente apontadas no âmbito da disciplina - os pressupostos do ator unitário e racional -, mas, também, porque aqueles quadros de referência não consideram o inter-relacionamento entre fatores de ordem doméstica e internacional na explicação dos fenômenos associados à política externa - dimensão relevante na configuração da perspectiva teórica do autor, como será visto mais adiante.
Suas críticas aos quadros teóricos realistas não significam, no entanto, que a questão das assimetrias de poder na esfera internacional seja desconsiderada. Este aspecto - também caro às abordagens realistas- permeia toda a análise desenvolvida pelo autor e pode ser encontrado, por exemplo, nas discussões a respeito dos recursos e capacidades dos atores estatais para implementarem decisões em termos de política externa (cap. 6) e na avaliação do impacto das diferenças entre níveis de desenvolvimento sobre os graus de liberdade para a atuação daqueles atores no âmbito internacional (cap. 9).
As abordagens que pressupõem como modelo para o comportamento humano o homo economicus, tais como a teoria da ação racional e a teoria da escolha pública, focalizam facetas restritas do fenômeno da política externa. O formalismo que elas embutem pode trazer contribuições limitadas, como é o caso da Teoria dos Jogos, porém, ele não é suficiente para dar conta da complexidade envolvida na explicação das preferências dos atores. Como afirma Hill, no capítulo 11, "[...] Elas existem além da conta [as preferências dos indivíduos tomadores de decisão] e os valores em jogo são difíceis de simplificar, envolvendo poucos saldos óbvios e idéias difusas, tais como estabilidade internacional, prestígio e memória histórica" (:293). Além disso, "a natureza e as origens das preferências em política externa não podem ser consideradas como dadas" (:293). Sugere, ainda, que o estudo da política externa, "pode e deve ser, comparativo, conceitual, interdisciplinar e que se estenda através da fronteira externo/doméstica". E, também, que ele "deve ser analítico no sentido do distanciamento, de não ser preconcebido, porém, não deve ser positivista no sentido de assumir que os fatos são sempre exteriores e desligados das percepções dos atores e de seus próprios entendimentos" (:10).
No capítulo segundo, "The Politics of Foreign Policy", Hill versa sobre a relação entre ação e condicionamentos, a multiplicidade de atores, o contorno do doméstico e do externo, a relevância do ator estatal, do seu papel interno e internacional, a natureza dos eleitorados da política externa e o problema de finalidades e expectativas.
Cabe destacar que, de acordo com o autor, o entendimento da capacidade de agir no ambiente internacional passa, necessariamente, pela discussão da relação agente/estrutura, insuficientemente tratada pelas abordagens estruturalistas. Segundo Hill, estrutura e agente constituem-se mutuamente e, como tais, devem ser investigados7.
As estruturas, por sua vez, dizem respeito não apenas à esfera externa (que é multidimensional, já que contém estruturas que se constituem a partir dos diferenciais de poder e estruturas que se estabelecem por meio de normas e valores), mas incorporam também as estruturas políticas, burocráticas e sociais de âmbito doméstico. Sendo assim, "O processo decisório em política externa é uma complexa interação entre muitos atores inseridos em uma ampla variação de estruturas. Suas interações são processos dinâmicos, conduzindo à evolução constante de ambos, atores e estruturas" (:28).
A Parte I do livro, "Agency", é composta de três capítulos, nos quais o autor aborda os aspectos relativos à tomada de decisão sobre a política externa. Dessa maneira, são analisados: o papel dos atores - os que são formalmente responsáveis pela política externa - e o dos agentes;a burocracia e as condições que permitem que esta adquira uma capacidade de decisão;o quadro de referência da política burocrática;os limites da abordagem do ator racional;o processo de execução da deliberação.
Quanto ao processo de tomada de decisão, vale realçar duas conseqüências apontadas por Hill e provocadas pelas mudanças globais. Em primeiro lugar, destaca-se a ampliação de questões "intermésticas", isto é, questões que partilham dimensões internacionais e domésticas. Em decorrência disso, o processo decisório tende a adquirir uma característica colegiada e passa a agregar, além dos tradicionais atores, chefe do governo e/ou presidente da República e ministro das Relações Exteriores, os ministros de outras pastas, atingidos pelo processo de internacionalização das políticas públicas domésticas. Em segundo lugar, ocorre o fenômeno da descentralização horizontal burocrática da política externa com a redução do monopólio do Ministério das Relações Exteriores sobre a sua formulação e sua execução. Os problemas de coordenação, desenvolvimento, planejamento estratégico e atuação externa, como uma única voz, são discutidos pelo autor a partir dessas mudanças8.
No capítulo relativo à implementação da decisão, esta questão é enfocada a partir do vínculo entre capacidade e ação. Dessa maneira, é desenvolvido e discutido um quadro de referência em que os meios (considerados como um continuum entre poder e influência) e os instrumentos para a execução (desde militares a diplomáticos) são condicionados pelos recursos (derivados da história e da geografia) e capacidades (definida como a operacionalização dos recursos) dos atores.
A Parte II, "The International", abrange os capítulos "Living in the Anarchical Society" e "Transnational Reformulations". A conceituação do sistema internacional, proposta no capítulo sétimo, inspira-se nas contribuições de Hedley Bull (1977) e combina as dimensões de anarquia e de sociedade. Em vista disso, instituições, regras e expectativas também moldam as orientações de política externa dos atores estatais, bem como as de outros atores que atuam na esfera externa. Aliás, o sistema internacional é múltiplo em atores que o constituem com suas ações, mas que também são constituídos por ele.
Dessa maneira, a rede institucional de organizações internacionais, o direito internacional, as normas informais, a política exterior dos outros Estados, a distribuição de poder entre eles e as ações das organizações não-governamentais internacionais são fatores que geram constrangimento político e interdependência para a atuação dos governos no meio internacional. Além disso, uma sociedade mundial (ver Kaldor et alii, 2003) significativa em sua atuação, mas não dominante no modo como defende seus proponentes, também é parte do sistema internacional em transformação.
Por outro lado, se existe uma pressão de conformação do sistema internacional sobre o comportamento dos Estados, ela não é determinante. Diferentes tipos de estratégia de não-acomodação são possíveis naquele ambiente, ilustradas, entre outras, pela conduta de neutralidade do Grupo dos Não-Alinhados durante o período da Guerra Fria.
Os atores transnacionais são objeto de investigação de um capítulo à parte - o que realça a preocupação do autor com a questão. Nesse capítulo, por meio da formulação de uma taxonomia de atores transnacionais (territoriais, ideológicos/culturais e econômicos) e de um modelo de relacionamento entre os atores transnacionais e estatais, o autor busca integrar a questão da capacidade de agir em política externa a um meio internacional transformado.
O modelo sugerido pelo autor é complexo e nele incluem-se facetas relevantes daquele relacionamento. Os tipos de vínculo entre os atores referidos e os atores transnacionais são: a) barganha; b) competição e poder; c) transcendência. Para cada um o autor explora os seguintes aspectos: as ações possíveis dos atores transnacionais e estatais, a natureza do processo de interação e as vantagens da conduta adotada por ambos os tipos de atores.
O meio internacional emergente da análise de Hill é significativamente transnacional, uma vez que as relações entre as sociedades se estabelecem, em grande parte, independentemente dos governos9 e o externo e o interno parcialmente sobrepõem-se. Nesse contexto, "as aspirações que o governo poderia ter de ser porteiro [...] a capacidade exclusiva de mediar entre o mundo e sua própria sociedade, são destinadas ao fracasso." (:209)
Os condicionamentos da esfera doméstica sobre a conduta dos atores são investigados, por um lado, a partir das origens da política externa e, por outro, a partir dos eleitorados dos atores oficialmente responsáveis pela política externa nos dois capítulos - "The Domestic Sources of Foreign Policy" e "The Constituencies of Foreign Policy" - entre os três que compõem a última parte do livro, "Responsibility".
A apreciação das fontes da política externa leva o autor a reexaminar a conexão entre o interno e o externo sob o ponto de vista da influência das estruturas constitucionais - incluindo as relações entre o Executivo e o Legislativo - do sistema federativo e do tipo de regime, quando, então, a questão da "paz democrática" é analisada.
Hill investiga também os mecanismos formais de controle democrático dos atores em política externa, a partir da discussão sobre o papel das estruturas constitucionais e das instituições que vinculam os tomadores de decisão e a sociedade, tais como a opinião pública, os grupos de interesse e os meios de comunicação de massa. Ressalta que os mecanismos de responsabilização ainda são limitados na esfera da política externa, porém, o esmaecimento das fronteiras entre o interno e o externo, o aumento de questões "intermésticas", a intensificação da interdependência e a mobilização de organizações não-governamentais de âmbito internacional são fatores que cooperam para o envolvimento e o maior interesse dos membros das sociedades nacionais em relação à política externa e contribuem para aumentar a eficácia dos mecanismos de controle democrático.
Argumenta, por fim, no último capítulo, "On Purpose in Foreign Policy: Action, Choice and Responsibility", que as características transformadoras do ambiente internacional colaboram, ainda, para expandir os eleitorados dos tomadores de decisão e, conseqüentemente, as relações de responsabilidade em que eles se inserem. Em vista disso, as fontes de legitimidade da conduta dos atores não estão mais circunscritas à esfera doméstica, como tradicionalmente é concebida nos estudos de Análise de Política Externa, mas se estendem também ao âmbito internacional.
Os vínculos transnacionais, as redes que se formam na sociedade global, a conformação da ordem internacional por meio de regimes, a multiplicação das organizações internacionais e a expansão do direito internacional contribuem para que se desenvolva nos atores um sentido de identificação parcial com o "outro", com o "estrangeiro".
Portanto, em oposição às perspectivas defensoras de que a política externa se refere à definição de uma identidade exclusiva e em oposição ao que está fora dos limites do Estado nacional, Hill defende que "não é possível nem desejável definir em termos domésticos o conjunto particular de interesses [...]. Identificação com os de fora, ainda que intermitente e parcial, modifica a natureza do jogo e significa que responsabilidades também passam a ser percebidas como se estendendo para fora dos limites formais do Estado" (:302).
As transformações que ocorrem no espaço internacional vêm desafiando as investigações de política externa, muitas vezes excessivamente baseadas em uma concepção centralizada no Estado e limitada ao ambiente doméstico. As contribuições de Hill são, nesse sentido, muito relevantes: um quadro de referência original foi produzido e temas habituais da área foram revisitados e rediscutidos. Dessa maneira, o autor responde à pergunta por ele colocada no início do seu livro e é possível afirmar-se que o ponto de vista da Análise de Política Externa ainda é um lugar capaz de gerar um conhecimento significativo sobre a capacidade de agir no âmbito internacional.
Notas
1. Em meados da década de 70, esses processos já se encontravam em curso e tinham sido apreendidos pela abordagem conceitual da interdependência proposta por Keohane e Nye (1977).
2. O conceito de governança global foi desenvolvido por Rosenau (1992). A reflexão sobre os processos de constituição do sistema internacional, a partir de entendimentos partilhados entre os seus membros, já podia ser encontrada em Young (1989).
3. Ver, por exemplo, a excelente revisão analítica dos estudos de política externa entre 1950 e 1995, realizada por Hudson e Vore (1995).
4. Isso não significa a inexistência de estudos que analisassem os condicionamentos internacionais e os seus efeitos sobre o âmbito doméstico (ver, por exemplo, Gourevitch, 1978). Porém, o ponto aqui ressaltado tem a ver com o impacto das transformações do sistema internacional e a atenuação das diferenças entre os níveis interno e externo sobre a reflexão relativa à política externa e o redimensionamento do seu objeto de estudo, para além da constatação da redução da autonomia decisória do Estado. Uma exceção a essa tendência é a abordagem dos jogos de dois níveis (Putnam, 1988), na qual a explicação do comportamento dos atores estatais em negociações internacionais resulta da interação entre processos que se desenrolam nos níveis interno e externo.
5. Voltados também para responder a esses desafios, destacam-se os seguintes trabalhos: o dos mencionados autores Webber e Smith (2002) e Rosati et alii (1997).
6. Vale a pena cotejar a definição proposta por Hill com a apresentada por Webber e Smith (2002:9-10): "A política exterior é composta de objetivos a serem perseguidos, valores estabelecidos, e decisões feitas e ações tomadas pelos Estados, e governos nacionais que os representam, no contexto das relações externas das sociedades nacionais".
7. O autor utiliza o conceito "structuration", proposto por Giddens (1979).
8. No Brasil está se assistindo a um fenômeno semelhante, visto que, por exemplo, as decisões ministeriais sobre as negociações multilaterais de comércio têm transcorrido na Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), órgão integrante do Conselho de Governo que congrega os ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o chefe da Casa Civil, da Fazenda, do Planejamento, do Orçamento e Gestão, das Relações Exteriores, e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Consultar , visitada em 27/7/2004.
9. O autor trabalha com o conceito de linkage politics, proposto por Rosenau (1969).
Referências Bibliográficas
BULL, Hedley. (1977), The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. London, Macmillan.
GIDDENS, Anthony. (1979), Central Problems in Social Theory:Action, Structure and Contradiction in Social Analysis. London, Macmillan.
GOUREVITCH, Peter. (1978), "The Second-Image Reversed: The International Sources of Domestic Politics". International Organization, vol. 32, nº 4, pp. 881-911.
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ROSATI, J. A., HAGAN, J. D. e SAMPSON, M. W. (eds.). (1997), Foreign Policy Restructuring: How Governments Respondto Global Change. Columbia, University of South Carolina Press.
ROSENAU, James N. (1969), Linkage Politics. New York, Free Press.
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WEBBER, Mark e SMITH, Michael. (2002), Foreign Policy in a Transformed World. Harlow, Prentice Hall.
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A partir da década de 90, a intensificação da globalização atingiu todas as dimensões da atividade social e atenuou as diferenças entre a esfera doméstica e a esfera externa. Dessa maneira, os relacionamentos transnacionais e transgovernamentais expandiram-se de modo expressivo1. Por outro lado, o fim da Guerra Fria levou à criação de novos Estados e reafirmou a importância do papel desses atores no contexto internacional. A intensa globalização e a expansão do formato Estado- nação apresentaram desafios relevantes para as investigações que procuravam explicar a constituição do ordenamento internacional, com atores cada vez mais diversos, bem como para os estudos calcados na tradição da análise da política externa, focalizados no comportamento dos agentes estatais.
No final da década de 80 e durante os anos 90, avançaram-se abordagens direcionadas a refletir sobre a nova conformação da ordem internacional. Conceberam-se, nesse período, conceitos como, por exemplo, o de governança global2, o qual considerava a nova ordem como sendo um sistema de ordenação constituído pela atuação de atores governamentais e não-governamentais e pelos entendimentos intersubjetivos formais e informais relacionados ao seu funcionamento e evolução. Além disso, o caráter anárquico -tão caro aos quadros de referência realistas -estava ausente da conceituação desse sistema. No contexto dessas reflexões, o Estado não era mais que um tipo de ator entre outros.
A disciplina Análise de Política Externa -que se desenvolvera em oposição ao realismo, defensor de uma abordagem do Estado como um agente unitário e racional -permaneceu tendo como foco de investigação as relações interestatais3.
Assim, enquanto se desenrolavam processos no âmbito externo, limitando e restringindo a capacidade de atuação dos Estados, e se produziam estudos que apreendiam a nova configuração do ambiente internacional em uma macroperspectiva em que o papel desses atores não se delineava claramente, os estudos a respeito da política externa investigavam, predominantemente, o ambiente doméstico e seu impacto nas decisões tomadas pelos governos no meio internacional4. Em vista disso, desafios foram colocados não apenas no sentido de redimensionar o objeto da disciplina -afinal, o que é política externa hoje?-, mas também com o objetivo de inseri-lo em um espaço de múltiplos condicionamentos originados interna e externamente.
Como salientam W ebber e Smith (2002:26), poucos são os estudos que tiveram como meta repensar a relação entre a política externa e as transformações globais5. Christopher Hill, professor do departamento de Relações Internacionais da London School of Economics and Political Science, com o livro The Changing Politics of Foreign Policy, contribui de forma primorosa para preencher essa lacuna. Ele dispõe de um conhecimento profundo sobre o referencial teórico da disciplina Análise de Política Externa e sobre a política externa em sua dimensão comparativa. Destaca-se, ainda, o seu domínio da teoria das Relações Internacionais e do rol de suas questões atuais.
Éo campo de estudos sobre a política externa capaz de produzir um conhecimento significativo sobre as Relações Internacionais? A resposta de Hill é sim, mas, segundo ele, para tal é necessário realizar um aggiornamento e formular uma nova perspectiva sobre os fenômenos associados à política externa. São esses os principais propósitos que o autor pretende alcançar no livro.
Nesse sentido, Hill confronta os desafios mencionados anteriormente analisando o impacto das mudanças globais sobre a política externa e ressaltando ser a capacidade de agir (agency) um elemento importante de constituição e de explicação do âmbito internacional - aspecto este não considerado pelas abordagens de globalização e de governança global, mas possível de ser tratado a partir da perspectiva teórica e conceitual desenvolvida nos estudos relativos à política externa.
Em vista disso, o autor é capaz de relacionar conceitualmente a política externa a um ambiente de interpenetração entre o externo e o interno e de erosão de suas fronteiras (tradicionalmente tão definidoras do campo da política externa) sem, no entanto, deixar de distingui-la como um espaço próprio e relevante de reflexão e de ação significativa no âmbito internacional.
No capítulo primeiro, "Foreign Policyin International Relations", Hill propõe que se defina política externa como: "a soma das relações oficiais externas conduzidas por um ator independente (usualmente um Estado) nas relações internacionais"(:3)6. Esta é uma definição inovadora, uma vez que não limita a ação, no âmbito da política externa, ao Estado. Na verdade, ela possibilita que se repense a política externa de entidades que, embora não tenham uma conformação estatal, possuam também estruturas de governo e de responsabilização, a exemplo da União Européia, como destaca o autor.
Entretanto, cabe ressaltar que para Hill o ator mais relevante no âmbito da política externa ainda é o Estado, tendo em vista a sua capacidade de mobilização política. Contudo, o autor salienta que
"[...]mesmo onde um ator não é independente inteiramente dos Estados, carece de um eleitorado claro e possui somente um âmbito limitado de interesses, ainda assim pode ser válido considerá-lo em termos de política externa. [... ]Soberania [... ]pode estar faltando, mas a entidade interessada pode ainda possuir abrangência para implementar decisões que afetem outros - em resumo, um grau de atuação" (:41).
Cidades, regiões, seitas e organizações não-governamentais são possíveis atores que podem e devem ser investigados quanto à "política externa" (:41).
Entretanto, esta assertiva e suas implicações no plano das diferenças entre as "políticas externas" desses atores e as dos Estados não são exploradas pelo autor, o que deixa o leitor com mais perguntas do que respostas. Uma dessas implicações, porém, é debatida: a questão da coordenação e da coerência no contexto da política externa quando se considera a atuação de entidades subnacionais. Esta é uma discussão relevante já que remete, por exemplo, ao papel desempenhado pelos atores regionais no processo decisório da União Européia (ver