segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Uma história da ciência: experiência, poder e paixão


Grandes questões

Livro conecta descobertas emblemáticas do passado aos movimentos da ciência da atualidade, mostrando como o conhecimento científico caminha de forma dinâmica e conectada e é fruto de um contexto histórico específico.

Por: Daniela Oliveira



Por trás das buscas do Grande Colisor de Hádrons, maior acelerador de partículas do mundo, estão conhecimentos filosóficos milenares, que vêm desde Demócrito, o risonho, autor da primeira teoria atômica e retratado pelo pintor suíço Petrini. (foto: Cern)


A avidez para entender o mundo tem resultado em incontáveis descobertas científicas. Esse ‘jogo’ dinâmico de perguntas e respostas envolve inúmeros fatores: determinação, curiosidade, criatividade, dinheiro, empreendedorismo e até mesmo sorte. No entanto, um deles acompanha todo o processo de construção do conhecimento: o contexto histórico.

Essa íntima relação entre ciência e as transformações históricas vividas pelas sociedades está retratada em Uma história da ciência: experiência, poder e paixão, de Michael Mosley e John Lynch, respectivamente produtor executivo dos programas de divulgação da ciência e diretor da área científica da BBC, a emissora britânica de rádio e TV.


Lançado este ano pela editora Zahar, o livro teve origem em série homônima produzida em 2010 pela emissora, com seis episódios sobre as principais teorias e pensadores relacionados ao cosmo, à matéria, à vida, à energia, ao corpo e à mente.

Dividido nas mesmas categorias, Uma história da ciênciaconecta descobertas emblemáticas do passado aos movimentos da ciência da atualidade. Os autores lembram, por exemplo, que o telescópio espacial Hubble, cujas imagens revolucionaram a visão que se tem hoje sobre o cosmo, só pode ser posto em órbita, em 1990, graças à aplicação prática dos conhecimentos gerados por Galileu Galilei sobre mecânica dos projéteis, por Johannes Kepler sobre o movimento planetário e por Isaac Newton sobre a gravidade.

O mesmo se aplica a um dos mais portentosos projetos científicos em andamento: o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), maior acelerador de partículas do mundo. Por trás da tentativa de recriar as condições logo após o Big Bang estão conhecimentos filosóficos milenares, que vêm desde Demócrito, o risonho, nascido por volta de 460 a.C. e autor da primeira teoria atômica de que se tem notícia. Assim como descobrir as substâncias que originaram e que sustentam o mundo foi também uma obsessão para alquimistas chineses de mais de dois mil anos.

O interesse pela matéria gerou a descoberta dos elementos, das substâncias e de compostos químicos de todos os tipos e para os diferentes fins, bem como a síntese de novos materiais. Nomes como Antoine Lavoisier, a quem se atribui a descoberta do oxigênio, Ernest Rutherford e Niels Bohr, precursores no estudo do átomo, ficaram para a história do estudo da matéria. Mas ainda não sabemos de que é feito o mundo – e, como observam Mosley e Lynch, talvez nunca saibamos.


E quanto a nós?

Se o mundo onde vivemos gera tanta inquietude, o que dizer das reflexões a respeito de nossa própria vida? Questionamentos sobre quem somos e como chegamos aqui começaram a aparecer principalmente após a descoberta do Novo Mundo.

Tal necessidade de entender melhor a vida acabou por gerar tentativas de ordenar o mundo natural. O sistema de classificação das plantas proposto por Carl Linnaeus no século 18, empregado até hoje, é um exemplo. Contra a ideia da intervenção de um criador divino para cada ser vivo do planeta, foi preciso formular teorias da evolução das espécies.

Já o interesse pela anatomia e pelo funcionamento do corpo humano, aliado ao advento do microscópio, permitiu chegarmos às células e à estrutura da molécula, o que gerou respostas e novas questões sobre o segredo da vida.
E não só o corpo, mas também a mente despertou o interesse da ciência desde a antiguidade, na tentativa de se compreender a identidade e as motivações humanas

E não só o corpo, mas também a mente despertou o interesse da ciência desde a antiguidade, na tentativa de se compreender a identidade e as motivações humanas. No entanto, essa busca só se concentrou no cérebro muito recentemente, com os avanços obtidos após a descoberta do neurônio e da complexa rede de sinais que compõem o sistema nervoso.

Como podemos ver, o caminho trilhado pelos grandes cientistas para chegar a respostas para as grandes perguntas da humanidade é longo e complexo, sujeito à ação de diferentes variáveis. Mas, como ressaltam Mosley e Lynch, cada explicação oferecida pela ciência – seja ao olharmos para o mundo lá fora ou para dentro de nós mesmos – é, em larga medida, produto de seu tempo.


Uma história da ciência: experiência, poder e paixão 
Michael Mosley e John Lynch 
Rio de Janeiro, 2011, Editora Zahar 
288 páginas – R$ 49,90


Daniela Oliveira
Especial para a CH On-line/ RJ

Genética: escolhas que nossos avós não faziam


Genes no banco dos réus

Novo livro da geneticista Mayana Zatz agita um debate que envolve escolhas baseadas em informações genéticas e em técnicas viabilizadas pela biotecnologia. A pesquisadora critica a falta de legislações específicas e de discussões éticas no campo.

Por: Gabriela Reznik


O livro aborda temas atuais ligados à biotecnologia, como a gravidez múltipla comum na reprodução assistida, e casos conflituosos, como o da mãe que queria ficar com dois dos três filhos gerados por meio da técnica. (foto: J. Star/ CC BY-NC-SA 2.0)


O que você faria se pudesse decidir sobre a cor dos olhos de seu filho, seu tipo físico ou até mesmo sua aptidão para determinada profissão?

Escolhas ainda inviáveis tecnicamente, mas que já suscitam profundas reflexões éticas, fazem parte dos tópicos levantados pela geneticista Mayana Zatz em seu livroGenÉtica: escolhas que nossos avós não faziam, lançado em setembro deste ano pela Editora Globo.

Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano na Universidade de São Paulo (CEGH/USP), Zatz foi uma das pioneiras no uso de técnicas de biologia molecular para o estudo de genes humanos no Brasil. A geneticista também esteve à frente do debate no Supremo Tribunal Federal em defesa do uso de embriões humanos em pesquisas com células-tronco.


Por meio de uma escrita apaixonada, a pesquisadora elege temas atuais relacionados à biotecnologia e expõe conflituosos casos que vivenciou ao longo de sua trajetória. De linguagem acessível e envolvente, o livro é permeado por referências a filmes, livros de divulgação científica, notícias de grande destaque e artigos científicos.

Ao oferecer à população serviços de detecção de doenças com base genética no CEGH, a pesquisadora se defronta diariamente com dilemas que não têm uma resposta simples e correta. Os testes genéticos podem, por exemplo, revelar não apenas que o paciente é portador de doença grave, mas também que o seu suposto pai não é seu progenitor.

O médico, então, se vê diante de uma encruzilhada: contar ou não contar sobre a falsa paternidade ao paciente, uma vez que esse resultado não lhe foi solicitado? Como não há um respaldo legal para esse tipo de situação, a decisão fica a cargo da equipe médica.

No livro, Zatz critica essa falta de mecanismos legais para proteger os pacientes envolvidos em testes genéticos no Brasil. “A informação genética faz parte de nossa individualidade e deve ser tratada como qualquer outro tipo de informação pessoal”, defende. Um dos riscos de esses dados se tornarem públicos está na possibilidade de eles serem usados indevidamente por companhias de seguro de saúde e de vida. 


Escolhas informadas e esclarecidas

Informar, apoiar e ajudar a interpretar os testes genéticos junto ao paciente é tarefa de uma equipe interdisciplinar, que deve contar com geneticistas, psicólogos e médicos, e faz parte do chamado aconselhamento genético. Apesar do nome, “o geneticista não aconselha, ele deve apenas cuidar para que as possibilidades de escolha de seus pacientes sejam informadas e esclarecidas”.


Com o avanço da biotecnologia, aumenta a responsabilidade dos especialistas, que devem informar e esclarecer os pacientes para que estes tomem decisões embasadas. A fertilização ‘in vitro’, por exemplo, além de aumentar as chances de uma gravidez múltipla, traz certos riscos para os bebês. (ilustração: James Clayton/ CC BY-NC-SA 2.0)

O caso também serve de alerta para a questão da gravidez múltipla, comum na reprodução assistida devido à implantação de muitos pré-embriões no útero da mulher. Essa condição aumenta o risco de nascimentos prematuros e de recém-nascidos com problemas intelectuais e de saúde em geral.

Zatz relata ainda que, nos próximos anos, será possível sequenciar genomas individuais por apenas mil dólares. Se à primeira vista a notícia soa como um avanço, a pesquisadora alerta para o excesso de confiança depositado no material genético como única forma de determinar as características futuras do indivíduo.

O livro deixa mais perguntas que respostas e nos faz refletir sobre a importância da discussão mais ampla sobre decisões que já vêm sendo tomadas no dia a dia, mas que ainda se encontram no limbo da legislação.

Nesse sentido, um último alerta da pesquisadora: “Enquanto as questões éticas são pensadas e discutidas depois de anunciadas as novas descobertas, o comércio anda sempre na frente”. Nem sempre a favor dos mais afetados. 

Genética: escolhas que nossos avós não faziam
Mayana Zatz
São Paulo, 2011, Editora Globo
Revista Ciência Hoje