Gustavo Patu - A Escalada da Carga Tributária
Arsênio Corrêa *
São Paulo, Divisão de Publicações da Folha de São Paulo, 2008.
O livro em apreço consiste num trabalho jornalístico de muita qualidade informativa. Faculta perceber o quanto se fala e o quanto não se faz no tocante ao sistema tributário. O autor desenvolve o tema com grande habilidade. Transforma um assunto árido em algo fácil e agradável de ser lido.
Inicia a abordagem do tema com lembranças relacionadas aos anos sessenta, a exemplo do aparecimento dos hippies, em São Francisco. Recorda que os Beatles se julgavam mais populares que Jesus Cristo. Entretanto, logo se aperceberam que pagavam muito imposto, tendo um de seus integrantes, George Harrison, que estudara filosofia e cítara na Índia, composto “Taxman”, na qual a primeira estrofe diz: “Deixe-me dizer como vai ser: são 19 para mim e um para você”. Portanto estava falando de uma tributação de 95%. A canção continua, desta vez com a réplica do “coletor”: “Se 5% parecem pouco demais, fique grato por eu não levar tudo”. A letra reproduzia o que estava acontecendo no Reino Unido, que, na época, taxava fortemente os grandes ganhos.
Ao término da Segunda Grande Guerra, no Reino Unido o Estado se apropriava perto de um terço da renda de seus cidadãos. A tributação nacional, registra Gustavo Patu, andava à volta dos 30%.
Esse era também o padrão de outros países europeus. Na Suécia era de quase 36%. Todos os países citados hoje pertencem ao denominado mundo rico. Nos demais, “os governos custavam menos”, com a devida exclusão dos países comunistas.
Dentre as menções constantes do livro a mais relevante é a do Japão onde o Estado custava 18% do PIB. Os Estados Unidos da América, em plena Guerra do Vietnam, não se apropriava de mais de um quarto do PIB.
Na Europa dos anos 80 do século passado, Margareth Thatcher examinava, com um discurso liberal, a perda do segundo lugar para Alemanha, entre os países europeus. Considerada a economia globalmente, naquela altura o Japão era a segunda potencia mundial. Para Mme. Thatcher, escreve, “a decadência britânica e européia era explicada por gastos sociais que encorajavam a acomodação coletiva e tributos que puniam a iniciativa individual”. Para “não matar a galinha dos ovos de ouro”, a escalada foi sustada nos 36% do PIB.
As mudanças na Europa ainda não haviam chegado ao Brasil, que saia do regime autoritário e se preparava para elaborar uma nova Constituição, que acabou sendo promulgada em 1988.
Dentre os grandes dísticos, adotados pelos constituintes, destacava-se aquele que afirmava ter chegada a hora de “resgatar a dívida social” do país.
A carga tributária herdada da década de 80, girava em torno de um quarto do PIB. Não era pouco conforme opina o autor, pois países como México, Argentina, Chile e Uruguai, eram superados por larga margem. Mesmo a Coréia do Sul, país que já se encaminhava para o mundo desenvolvido, arrecadava menos.
A década de 90 assistiu à queda do comunismo e das economias planificadas. As idéias liberais foram dadas como vencedoras. Grandes debates no Brasil foram travados sobre o assunto; um Social Democrata como Fernando Henrique Cardoso foi chamado de neoliberal. Entretanto o Estado não encolheu, na pratica a teoria liberal não vingou entre nós.
Na seqüência, o autor informa que países como França, Itália, Áustria, Noruega, Islândia e Finlândia, hoje, superam os 40% do PIB. Na casa de mais de 50%, estão Suécia e Dinamarca. Quanto à Alemanha, Reino Unido, Austrália, contam com Estados maiores do que na década de 60 e a Holanda mantém o tamanho medido nos anos 80. Os Estados Unidos e o Japão superam um pouco a quota de um quarto do PIB. Entre os pobres ou mesmo em desenvolvimento não se tem notícia de redução da despesa pública.
O que o autor quer nos mostrar é que nenhuma sociedade abre mão de serviços prestados pelo Estado, ou da seguridade social que esteja em funcionamento, sejam eles bons ou maus. Até porque os prejudicados nos países democráticos são eleitores. Onde as teses liberais foram mais longe interromperam o crescimento do Estado, não sendo este o caso do Brasil.
Reproduzo a seguir um trecho que considero exemplar: “O Brasil foi mais original. Em menos de dez anos e em plena hegemonia do pensamento liberal, o Estado cresceu a uma velocidade poucas vezes testemunhadas entre países capitalistas e democráticos em tempo de paz. Deixados para trás os tempos de hiperinflação e dívidas externas impagáveis, mas sem que o país pudesse se aproximar da qualidade dos serviços públicos e dos níveis de renda da Europa Ocidental, a carga tributária deixou o patamar de 25% da renda nacional, no qual havia se mantido por mais de duas décadas, e se aproxima da marca de 36%. A mesma do Reino Unido.”
O livro é eficaz no tratamento do assunto, despertando no leitor o interesse por maior conhecimento do tema, o que por si só justifica o trabalho. Mostra claramente que o Brasil tem um nível de arrecadação que não se reflete na qualidade dos serviços que presta ao contribuinte.
O Estado brasileiro custava entre 20 a 25%, nas décadas de 70 e 80, passando a 36% no período que vai da década de 90 a esta que estamos vivendo.
Na década de 60, fez-se uma reforma tributária, onde se substituiu os chamados impostos em cascatas, por aqueles que beneficiavam o desenvolvimento econômico do país. Compreendia a implantação dos Impostos sobre Produtos Industrializados – IPI ou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICM, que permitiam a compensação dos custos, entre os agentes da produção, tributando apenas os ganhos de cada um.
Sugere o autor que o sucesso da reforma tributária dos anos 60 trouxe para o mundo político a sensação de que novas reformas poderiam colocar o país no lugar adequado. Entretanto, como ninguém quer perder receita, nova adequação tributária não sai do papel a pelo menos três décadas.
O crescimento da receita nos anos 90 e até hoje se deu graças à criação de tributos mais conhecidos como “contribuições sociais”. Entre estas, destacam-se Cofins e Finsocial calculadas sobre o faturamento das empresas, CSLL sobre o lucro das empresas, Imposto Sobre Operações Financeiras, etc.. Essas contribuições podem ter suas alíquotas alteradas sem passar pelo crivo do Poder Legislativo.
Na década de 90, mais precisamente na oportunidade do Plano Real, que conduziu à estabilização da economia, dizia-se que estávamos vivendo uma era liberal. Esta, na pratica nunca existiu, até porque, em matéria de arrecadação, passamos do patamar dos 30% do PIB e hoje chegamos aos 36%. Nessa circunstância, como afirmar que a política fiscal praticada tanto pelo governo Fernando Henrique Cardoso, como de Luiz Inácio Lula da Silva, tem algo de liberal? Se o crescimento do Estado é desproporcional?
O arrebatador crescimento da arrecadação registrado nas duas últimas décadas acha-se apontado como tendo correspondido ao “maior aumento que já houve em tempo de paz, em qualquer país do Ocidente”.
Ao mesmo tempo, na década de noventa, o Brasil apresentou, entre os países emergentes, o pior desempenho no que concerne ao crescimento econômico.
Em conclusão diz o autor: “A campanha de 2006 deu vitória política indiscutível ao aumento do gasto público: petistas e tucanos renegaram publicamente todas as suas propostas de ajuste fiscal e reforma da Previdência Social.”. Logo adiante destaca que a contradição entre a rejeição a mais impostos e a demanda por mais gastos públicos “tem sido pacificada pela melhoria da conjuntura econômica”. Mas, acrescenta, “ essa não é uma solução com a qual se possa contar por muito tempo.”
O trabalho está muito bem elaborado, recomendando-se não só sua leitura mas o aprofundamento dos dados fornecidos a fim de termos melhor posicionamento político sobre um assunto de tamanha importância.
Gustavo Patu é coordenador de economia da sucursal da Folha de São Paulo em Brasília e autor de A especulação financeira.
Arsênio Corrêa
Com formação acadêmica na área do direito, Arsênio Corrêa tornou-se advogado dos mais conceituados na capital paulista. Paralelamente, foi professor e diretor das Faculdades Associadas de São Paulo, ministrando no período recente cursos do Instituto de Humanidades, entidade da qual integra o Conselho Acadêmico. Granjeou reconhecimento como estudioso do pensamento político brasileiro. Entre seus livros destacam-se: A ingerência militar na República e o positivismo (1997) e A Frente Liberal e a democracia no Brasil (2ª ed., 2006).
Revista Liberdade e Politica