sábado, 28 de novembro de 2009

O canibalismo como invenção colonial


Giovana Acácia Tempesta
Doutoranda do Departamento de Antropologia – UnB


Obeyesekere, G. Cannibal Talk: the man-eating myth and human sacrifice in the South Seas, Berkeley/Los Angeles, University of California Press, 2005, 320 pp.



O canibalismo como invenção colonial

Cannibal Talk: the man-eating myth and human sacrifice in the South Seas é uma coletânea de artigos escritos pelo antropólogo G. Obeyesekere, que retoma de modo polêmico o tema clássico do canibalismo, baseado em fontes escritas sobre a Polinésia deixadas pelos colonizadores britânicos dos séculos XVIII e XIX. Nesta resenha, diante da repetição dos temas centrais nos vários artigos do livro, optei por recuperar as idéias mestras da obra sem respeitar a seqüência linear dos capítulos.

O livro de Obeyesekere filia-se a uma certa tendência da antropologia contemporânea de crítica às origens coloniais da disciplina. Em Cannibal Talk, essa tendência aparece combinada ao estilo dos "estudos subalternos", que na última década se fizeram presentes em várias áreas das humanidades e se caracterizam pela defesa da politização do conhecimento.

Obeyesekere recorre à psicanálise para examinar as crueldades de que os seres humanos são capazes quando envolvidos em relações assimétricas de poder, porque acredita que a antropologia não oferece um instrumental adequado para pensar tais relações. Nesse sentido, o autor não focaliza propriamente o canibalismo entre os polinésios, como o título do livro poderia sugerir, mas sim os relatos sobre canibalismo escritos pelos exploradores com o intuito de subjugar os polinésios. O cerne da proposta de Obeyesekere consiste em demonstrar que o tópico do canibalismo existe apenas no interior de um discurso sobre selvageria e civilização, e que historicamente ele foi utilizado para justificar a dominação de povos nativos. O canibalismo seria, pois, uma forma de classificar a alteridade com efeitos políticos claros. Assim, imagens de barbárie, selvageria, irracionalidade, inumanidade estariam associadas à "cena canibal", compondo uma fronteira simbólica, ética e política que permite ao "eu" dominador manter-se a distância e afirmar que canibais são os "outros".

O tema de fundo de Cannibal Talk é, pois, a maneira como o Ocidente relaciona-se com outras culturas e as representa. Sua premissa é a impossibilidade de empregar relatos de viajantes como dados etnográficos para se compreender o fenômeno do canibalismo. Claramente, o alvo principal do argumento de Obeyesekere é Sahlins e, assim, Cannibal Talk dá continuidade à polêmica relativa às fontes documentais sobre a Polinésia, iniciada com The Apotheosis of Captain Cook: European Mythmaking in the Pacific (Obeyesekere, 1992) e alimentada com a réplica de Sahlins, Como pensam os nativos (1995). Sumariamente, o canibalismo de que trata Obeyesekere é o elemento central da imagem poderosa que um povo elabora sobre outro que deseja submeter. O objeto de seu livro consiste, portanto, nas práticas discursivas ocidentais que atribuem ao nativo dos "Mares do Sul" propensões ao canibalismo, o "discurso canibal" referindo-se, no caso, ao discurso britânico sobre a prática da antropofagia entre os nativos sul-asiáticos (Obeyesekere, 2005, p. 43). Significativamente, os povos polinésios (Maori, haitianos, fijianos, taitianos) são retratados nos textos dos britânicos sobretudo como canibais, sendo essa a associação simbólica que Obeyesekere pretende desconstruir, com o auxílio dos assim chamados "teóricos da suspeita" – Ricoeur, Derrida, Nietzsche, Foucault e Freud (id., p. 266).

Em princípio, os diversos artigos reunidos no livro têm o mérito de nos convidar a ponderar o impacto da conquista sobre culturas nativas e a refletir sobre o emprego de categorias em antropologia, levando-nos a pensar criticamente a própria narrativa antropológica. É digno de nota que Obeyesekere retoma o valioso ensinamento dos historiadores de acordo com o qual se deve desconfiar das fontes pesquisadas e levar em conta a intencionalidade e os objetivos políticos concretos de seus autores. Dessa forma, os longos trechos dos diários dos exploradores e de outros documentos transcritos por Obeyesekere dão a clara medida das intenções dos exploradores europeus em abrir novos mercados e das dos missionários em salvaguardar seu direito de catequizar os "infiéis" das terras distantes.

Mas o autor concentra-se sobretudo em demonstrar que aquelas descrições são impregnadas da fantasia de que "o Outro irá me comer", associada ao horror do esquartejamento, fortemente presente no imaginário europeu do século XVIII. Obeyesekere insiste em ressaltar, em todos os artigos, a ausência de testemunho ocular de uma refeição canibal nos relatos dos colonizadores britânicos. Desse modo, no capítulo 1, "Antropologia e o mito do devorador de homens", o autor argumenta que a descoberta da América forneceu a demonstração empírica para as fantasias que compõem estruturas de longa duração do imaginário europeu, como os "maravilhosos canibais com cabeça de cachorro e caudas" famosos na Idade Média (p. 9), fantasias estas que alimentariam os "mitemas" – "temas míticos circulando num campo de ansiedades, angústias e compulsões" –, o campo dos encontros coloniais (id.).

De acordo com o autor, o canibalismo entre os nativos sul-asiáticos deriva das tensões psicológicas vividas em situações de contato violento: "a raiva pode produzir uma reação canibal, mas a reação canibal não é prova de que essas pessoas eram canibais" (p. 17). Observa-se que Obeyesekere desconsidera o papel mediador da cultura na modelação de sentimentos como a raiva. Obeyesekere define cultura como mundos de significados dinâmicos mediados pela consciência, objeto de disputa constante (p. 78). O ponto a destacar é que esse conceito é submetido a várias guinadas psicanalíticas e não se articula satisfatoriamente à análise política das relações coloniais que Obeyesekere parecia desejar empreender.

Tanto assim que no capítulo 8, "Sobre esquartejamento, canibalismo e discursos de selvagismo", Obeyesekere fala numa "monstruosidade psíquica" comum a toda a humanidade que aflora em situações de ansiedade e medo (p. 250). Assim, "aqueles que vêem o mundo através de lentes paranóicas falham ao distinguir entre perigos reais e imaginários porque, para eles, perigos imaginários são reais" (p. 252). Para o autor, a importância política desse tipo de confusão mental reside em que ele tem relações intrínsecas com o "ódio aos indígenas" ("Indian hating") e, conseqüentemente, serve para justificar práticas de dominação.

Obeyesekere propõe assim que o conjunto de práticas antropofágicas rotineiras, banais e indiscriminadas relatadas nos diários de navegantes e missionários europeus seria um componente fundamental do "selvagismo", conceito central no livro, que evoca o Orientalismo de E. Said (p. 1) e remete ao campo discursivo estruturado a partir do contraponto dialético com a idéia de civilização. Como bem aponta Obeyesekere, "provar" que os nativos do sul da Ásia eram bárbaros canibais contribuía para justificar sua colonização, escravização, catequização e mesmo assassínio. Nesse sentido, é possível pensar o texto dos viajantes em si como arma da conquista, uma espécie de dispositivo simbólico para delimitar a alteridade com eficácia prática.

Obeyesekere esforça-se, então, em desconstruir as próprias evidências de canibalismo na Polinésia. O autor demonstra que mesmo as descrições supostamente testemunhais de banquetes canibais, como a oferecida pelo capitão Peter Dillon sobre as ilhas Fiji, em 1813 (p. 199 e ss.), não se fundamentam de fato no testemunho ocular de práticas antropofágicas, mas na ficcionalização de eventos violentos, a imaginação dos conquistadores preenchendo as lacunas na descrição do que não pôde ser observado in situ. Assim concebidas como produto da imaginação colonial, tais histórias resvalam para o campo da subjetividade e ficam despojadas de conteúdo etnográfico e do aspecto político. Reduzidas a invenções de personalidades atípicas, as narrativas sobre canibalismo perdem momentaneamente o caráter de conseqüência de relações de poder assimétricas para se tornarem alvo de uma análise psicanalítica apressada.

Desse modo, no capítulo 7, "Narrativas do eu: as aventuras canibais do cavalheiro Peter Dillon em Fiji", ficamos sabendo que o capitão Peter Dillon, uma personalidade "megalomaníaca, autoritária, narcisista e imaginativa", elaborava narrativas de auto-engrandecimento, repletas de fantasias e exageros, em que o encadeamento dos eventos favorecia as performances gloriosas dos britânicos. Claramente, Obeyesekere opõe-se com energia à perspectiva etnocêntrica de exotização das práticas antropofágicas polinésias, pois sabe que tradicionalmente elas foram usadas como prova de inferioridade natural dos povos indígenas. De modo irônico, utiliza excertos de obras clássicas, como o Don Juan de Lord Byron ou a Ilíada de Homero, para sugerir a existência (absurda a nossos olhos) de canibalismo entre os ocidentais, reposicionando o espelho em direção ao "Ocidente" para refletir a imagem que os subalternos fazem dos dominadores. Afinal, Obeyesekere, um cingalês, identifica-se com os polinésios "dominados" e deixa transparecer no texto o desejo de reabilitar a imagem desse povo, arranhada pelas atribuições de canibalismo desregrado, sinônimo de selvageria. Em certo ponto (p. 189), o autor chega mesmo a suplantar os relatos dos viajantes com sua experiência de "nativo" para examinar o suposto costume fijiano de pendurar partes de corpos humanos em árvores.

É certo que Obeyesekere não nega explicitamente a existência de práticas antropofágicas entre os polinésios, mas sublinha que, anteriormente à chegada dos europeus, elas se restringiam a cerimônias sacrificiais, situações rituais altamente regradas, cercadas de diversos tabus e presenciadas apenas pelos membros de uma "comunidade de substância". No capítulo 3, "Sobre a violência. Uma viagem retrospectiva à antropofagia Maori", Obeyesekere lança a hipótese de que o canibalismo maori consistiu numa resposta desse povo ao contato com os britânicos. De outro ângulo, porém, cabe a pergunta: pode-se, então, negar a existência de práticas canibais entre os polinésios com base na ausência de observação direta, por um europeu, de tais práticas? Atribuir tal poder de legitimação da realidade aos britânicos não seria o mesmo que endossar o imperialismo intelectual que Obeyesekere tanto condena?

Na Polinésia, a antropofagia, há muito praticada por marinheiros europeus em situações de naufrágio, foi reclassificada como canibalismo, passando a condensar os espectros fantásticos da monstruosidade, e os povos nativos sul-asiáticos passaram a ser concebidos pelos europeus como a encarnação da selvageria, sendo encerrados numa categoria atemporal e despojados de sua complexidade cultural (p. 14). A monstruosidade aliou-se ao bizarro, ao perverso, ao bestial, o que contribuiu para a animalização simbólica desses povos. Detentores de uma "imaginação paranóica", os colonizadores viam nas práticas havaianas a atualização de seus temores (p. 29).

Dessa forma – eis um ponto positivo a destacar –, "a prática Maori se perde no discurso britânico que fala de antropofagia indiscriminada resultando num banquete canibal" (p. 107). Efeito da imaginação paranóica que estruturou os jogos de linguagem coloniais, o canibalismo na Polinésia banalizou-se, e as evidências etnográficas deixaram de ser necessárias para a reprodução do discurso canibal em textos literários e acadêmicos.

Assim situados no limiar da humanidade, os povos nativos do sul da Ásia puderam ser justificadamente colonizados. O problema aqui é que a articulação entre subjetividade, simbolismo e relações de poder nunca se realiza plenamente. Em que pese o componente psicológico do "ódio aos indígenas", a análise de seu aspecto político deixa a desejar. Obeyesekere não nos diz nada, por exemplo, sobre a existência de instituições coloniais encarregadas da administração dos territórios, que possivelmente desenvolveriam uma retórica própria para justificar a colonização.

No capítulo 5, "O destino final das cabeças: canibalismo, decapitação e capitalismo", Obeyesekere declara que os Maori foram "catapultados" no sistema capitalista por meio do engajamento no tráfico de cabeças decoradas. Ao trocar cabeças por armas de fogo e outras mercadorias, os Maori estariam vivenciando o esgotamento da ordem sacrificial tradicional. Dessa forma, a "nova guerra" não respeitaria códigos de conduta, sanções sociais ou hierarquia de poder, e seria muito mais letal, produzindo grandes estoques de cadáveres a serem canibalizados – um ciclo vicioso que teria levado à antropofagia generalizada factual. Ainda assim, a antropofagia contra europeus no início do século XIX, uma novidade para os Maori, seria praticada apenas como vingança (motivada psicologicamente) contra os desmandos dos conquistadores.

Obeyesekere atribui esse processo de "comodificação do corpo Maori" (p. 129) ao desejo nativo de adquirir poder para subjugar grupos rivais – mas a essa altura o autor já fala do surgimento de um novo tipo de chefe, ambicioso e violento, distinto do chefe "tradicional". É certo que as alianças com europeus e o escambo envolvendo cabeças, bens manufaturados e escravos alteraram profundamente as relações intertribais e a composição da chefatura. Entretanto, é temerária a hipótese de que os Maori teriam sido seduzidos pelos "poderes fálicos das armas de fogo" e pelas "potencialidades econômicas do capitalismo florescente" – qualidades que, de outro modo, parecem ter impulsionado os empreendimentos britânicos (p. 126). Nesse ponto, torna-se flagrante a dificuldade que Obeyesekere encontra em pensar os polinésios, e também os britânicos, como sujeitos políticos.

Tal interpretação, como outras análogas que aparecem ao longo do livro, indica que Obeyesekere crê na determinação da psique humana sobre a ação social. Para ele, o encontro entre povos em situações desiguais de poder gera sempre angústia e medo e, assim, as ações e reações são determinadas psicologicamente. Dessa forma, o autor nega o papel ativo, culturalmente fundamentado, dos polinésios na apropriação das novidades estrangeiras. O modo superficial como o autor se vale do aporte psicanalítico e de conceitos como trauma, angústias, projeção do ego, imaginação paranóica etc. não permite que ele estabeleça a articulação necessária com a atividade simbólica e, assim, a especificidade do contexto pesquisado dissipa-se. Ao fim e ao cabo, é com lentes etnocêntricas (e é sempre bom lembrar que o etnocentrismo não é apanágio dos ocidentais, dos quais Obeyesekere tanto deseja afastar-se) que o autor examina as fontes escritas sobre os polinésios, recusando-se a dialogar com elas.

O que resta, pois, é uma denúncia da hecatombe cultural que os europeus provocaram nessa região, a título de discurso politicamente engajado. Porém, se tal denúncia tem o poder de provocar no leitor uma reação de indignação, não deixa, por outro lado, de produzir um retrato da conquista com contornos maniqueístas e reducionistas, em que os polinésios surgem como vítimas impotentes diante de uma força que os compele a abandonar ou a intensificar automaticamente certas práticas culturais, como a antropofagia. Dessa forma, Obeyesekere acaba por negligenciar a capacidade de resistência, engajamento voluntário ou apropriação criativa dos povos sul-asiáticos.

Sem dúvida, o contato desestabiliza esquemas tradicionais, mas povos nativos sobreviventes não se cansam de dar mostras de vitalidade e incessante reelaboração cultural. As insuficiências de Cannibal Talk ensinam que, tão grave quanto encaixar povos nativos num estereótipo de selvageria, é postular sua vitimização. Pois, entre afirmar que esses povos foram subjugados ou que se renderam, há uma grande diferença, com implicações teóricas, políticas e éticas que a antropologia não deve se furtar a analisar.

Revista de Antropologia - USP

Os sonhos dos outros: travessias pela etnografia francesa


Denise Dias Barros1
Professora do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina – USP


Giobellina Brumana, F. Soñando con los Dogon. En los orígenes de la etnografía francesa, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2005, 394 pp.

Os sonhos dos outros: travessias pela etnografia francesa

A palavra viaja rápido antecipando o objeto. Ao ler o título Soñando con los Dogon – que chegou a mim como informação muito antes do livro que trazia seu subtítulo: en los orígenes de la etnografia francesa –, tive um sobressalto. Muito de tudo isso me interpela e me coloca diante de meu próprio percurso. Também eu fazia (faço), de alguma forma (qual?), parte dos que sonham com os Dogon. Seria uma viagem dupla: a das análises do autor e a da releitura de meu trabalho etnográfico vivamente interrogado pelas críticas e pela história do que se produziu (e se produz) sobre os Dogon da República do Mali. Seria ainda um reencontro com as primeiras gerações de estudiosos sobre os Dogon: Delafosse, Desplagnes e, também, com Griaule, Leiris, Paulme, Dieterlen e Calame-Griaule.

Chega afinal o livro. Fascinante trabalho de Fernando Giobellina Brumana! Ler foi igualmente uma experiência de reencontro, de descoberta, de partilha e de aflição. Ele é espanhol, professor na Universidade de Cadiz e um interlocutor importante da produção brasileira em ciências sociais. Aqui entre nós, estuda cultos de possessão presentes no candomblé, na umbanda e no catimbó.

Soñando con los Dogon é antes de tudo uma reflexão sobre a etnografia francesa (mas não apenas) de 1920 a 1950, uma arqueologia das relações entre os pesquisadores e os sujeitos-objetos de seus olhares e objeto de suas lógicas e afetos. Ambos inseridos nos primeiros momentos do trabalho de campo da etnografia francesa profundamente imbricada nos emaranhados do imaginário ocidental-europeu do período colonial. Trata-se de uma narrativa que não cinde teoria, metodologia de pesquisa e história, inquietações, dramas pessoais e interesses institucionais, profissionais e políticos. O leitor viaja com o autor por momentos densos da Missão Dakar-Djibouti entre os Dogon (atual República do Mali) e em Gondar (Etiópia). O período? Saída de Bordeaux em 19/5/1931, chegando de volta à França (Marselha) em 17/2/1933.

As viagens etnográficas – equiparadas à idéia de missão – inscreveram-se num conjunto de diversas iniciativas que foram, ao longo do século XX, dando forma à diversidade do planeta em um processo de catalogação cada vez mais sistematizado. O Instituto de Etnologia da Universidade de Paris e o Museu Nacional de História Natural organizaram a Missão Dakar-Djibouti a fim de coletar objetos para as coleções etnográficas, além de obter imagens e informações lingüísticas, botânicas e etnográficas (Griaule, 1930, p. 7-8). Segundo seu idealizador Marcel Griaule: "Le but poursuivi dans ce contrée [enquête extensive en territoire colonial français] est avant tout le rassemblement de collections importantes et la prise de contact avec les organismes administratifs et militaires en vue d'une collaboration ultérieure" (id., p. 6).

No grupo que partiu para a África com Marcel Griaule, estiveram diversos intelectuais que, na década de 1920, colaboravam com a revista Documents: Archéologie, Beaux Arts, Ethnographie, Varietés. A publicação consistia em um espaço de debates, sobretudo para dissidentes do surrealismo de Breton, como George Bataille, Artaud, Leiris, Griaule, Schaeffner, Rivière e Rivet, Maillol, Vlaminck, Matisse e Picasso. Eles haviam ficado fascinados pela audácia das formas da "arte negra" e por seu anti-realismo. Havia uma sensibilidade estética nova que permitiu aflorar um menor estranhamento diante das formas abstratas e estilizadas de esculturas e objetos africanos que chegavam à França. "Para a vanguarda parisiense, a África (e em menor grau a Oceania e a América) fornecia uma reserva de outras formas e outras crenças" (Clifford, 1998, p. 136).

A Missão Dakar-Djibouti e Soñando con los Dogon fundem-se para que Giobellina nos guie numa travessia por questões atuais da disciplina e dilemas sempre renovados de todo pesquisador em campo. Ele interroga os enigmas da co-presença do desejo e da repulsa do outro na produção do conhecimento (e na paixão) num diálogo com três homens de itinerários intelectuais distintos: Antonin Artaud, Michel Leiris e Marcel Griaule. Os percursos dos dois últimos formam, entretanto, o cerne das análises. A Artaud Fernando Giobellina dedica um apêndice em que chama para uma reflexão sobre viagens, exotismo e escritura. Uma "etnografia delirante" de poeta ciente de que "solo una forma perversa de autoflagelación era capaz de transformar una corrida personal en desafio público" (p. 360).

Quando partiu da França para Dakar, Leiris estava com 30 anos, viajou como arquivista com o grupo coordenado por Marcel Griaule, do qual participaram também Lager (botânico), Pingault (fotógrafo e cinegrafista), Monchet (lingüista), Schaeffner (musicólogo).

No diálogo com Leiris, o autor mostra-nos uma aliança entre a narrativa etnográfica e autobiográfica enquanto grafia do duplo evento presente na pesquisa de campo. Leiris tinha deixado o continente europeu levando ideais que compartilhava com os surrealistas, ligados à negritude e à vontade do exótico que havia sido alimentado pela literatura do final do século XIX. As elaborações de atração e repulsa ao longo de uma viagem de observação do outro e de observação de si o colocaria diante de contradições múltiplas em relação ao fato colonial e ao conflito entre verdade e poder. Já quase no final da viagem – em 25 de agosto de 1932 –, desabafava: "Amertume, ressentiment contre l'ethnographie qui fait prendre cette position si inhumaine d'observateur, dans des circonstances où il faudrait s'abandonner" (Leiris, 1996, p. 529). Leiris realizou simultaneamente uma expedição científica e uma viagem interior. Percurso de vicissitudes pessoais, relacionais e políticas. Percurso inacabado. Leiris é Gondar, terra de sua paixão pela etíope Emawayish que o faz sentir como não humana sua posição de pesquisador. Experiência de luta contra a morte, experiência poética.

O diário de campo de Leiris – publicado pela primeira vez em 1938 – oferece ao autor de Soñando con los Dogon um contraponto às narrativas heróicas e cientificamente ordenadas das publicações de Griaule: "ni crítica ni autocrítica de la etnografia colonial, el diário de Leiris es el descubrimiento por sí mismo y en sí mismo de como son las cosas, el realismo que quizás sólo um poeta pueda dar de manera cabal" (p. 113). África Fantasma é carregado dos fantasmas de Leiris, mas também das projeções, dos desejos de grande parte do(a) pesquisador(a) em campo.

Tanto Leiris quanto a leitura que nos oferece Fernando Giobellina Brumana não omitem os paradoxos inerentes ao projeto, nem as relações de poder e prestígio em jogo em sua execução, desnudando a Missão que inaugurou a etnografia francesa. Retomemos Leiris:

Tous les gens de cette époque étaient évolucionistes. Il y avait des anti-colonialistes – Félicien Challaye par exemple –, mais la plupart des gens progressistes se contentaient de dénoncer les abus, et ce que l'on appelle aujourd'hui les bavures de la colonisation, mais ne la dénonçaient pas em tant que telle [...]. L'ethnologue s'est développée dans le cadre du colonialisme, afin d'arriver à une colonisation plus rationnelle (apud Dupuis, 1999, p. 521).

As biografias e as narrativas diferem, porém os dramas de Leiris analisados em Soñando con los Dogon surgem em parte da busca de todo(a) pesquisador(a) que vive a experiência da imersão por períodos prolongados. Encontrar um lugar para os próprios demônios, para as contradições que se originam do contexto histórico, político, racial e de gênero que conferem identidades ao pesquisador e ao mundo aonde chega. Brumana reúne generosamente para seu leitor o pesquisador, o viajante, o poeta, o intelectual que indaga seu lugar em seu tempo, o homem e seus medos, suas fantasias e, sobretudo, sua forma de negociar a diferença e de aceitar a dor da distância do Outro que é, também, objeto de desejo. Evidencia as duplicidades da prática etnográfica. "Nada hay sólido, ni en el que viaja para observar, ni en el que se resigna a ser observado. Fantasma uno, fantasma el otro" (p. 119). Os Dogon de Leiris estão mais em Gondar que entre os primeiros; mais nos cultos de possessão do que nas máscaras ou no "sigi so" – língua secreta dogon. Sua maneira pessoal de lidar com conflitos elaborados por meio da arte encontraria na teatralização do culto do zar em Gondar (Etiópia) uma linguagem que lhe permitiria viver uma experiência existencial sem se confundir nos jogos de alteridades. Ele sairia da África marcado por essa experiência (iniciática? poética?) que restaria inscrita tanto em sua produção literária como etnológica.

Marcel Griaule – o Nazareno ou o europeu como é reiteradamente evocado em Soñando con los Dogon – é diverso, um outro radical de Leiris. Considerava o trabalho de campo como continuação de uma tradição de aventura e exploração. Seu primeiro campo foi na Etiópia, onde havia passado um ano (1928-1929). Acreditava que a ausência de interesses etnológicos na exploração da terra teria favorecido a incompreensão mútua entre os povos (Griaule, 1948, p. 119). Ele deixou uma produção bibliográfica expressiva: 175 títulos entre artigos e livros. De sua produção literária, consta Les flambeurs d'hommes que recebeu o Prêmio Grigoire e foi reeditado mais de 40 vezes. Griaule parece ter sido um homem enérgico e de grande vitalidade, imbuído de um projeto pessoal de conquista e poder que, freqüentemente, referia a si mesmo na terceira pessoa. Enfatiza Giobellina Brumana (p. 112-13) que essa forma discursiva é expressão da autocomplacência e integra seu projeto heróico.

Os estudos etnográficos mais intensivos de Marcel Griaule foram dedicados à região dogon com enfoque em fenômenos rituais, mitológicos e nos jogos infantis. Em 1938 publicou Jeux dogons e defendeu o doutorado com seu famoso Masques dogons (1938, 1963, 1983 e 1994). Até os estudos produzidos pela Missão, as informações disponíveis na Europa haviam sido relatadas por oficiais franceses e por viajantes e exploradores. Krause, médico alemão, parece ter sido o primeiro europeu a conhecer Bandiagara em 1886. Louis Desplagnes, em 1907, Robert Arnaud, em 1921, e Leo Frobenius, em 1911 e 1921, foram os primeiros a publicarem material de pesquisa. Os escritores Paul Morand e William Seabrook publicaram seus relatos de viagem na região, respectivamente, em 1928 e 1931.

O hipotético isolamento atribuído à população das montanhas refratária à islamização – então chamada de Habbé2 – iria intensificar o efeito e o fascínio que têm exercido desde a década de 1930 sobre os viajantes, administradores e, posteriormente, sobre os pesquisadores, a mídia, os turistas e os aventureiros de nossos dias. Desde então, inúmeros trabalhos têm sido realizados na região em domínios disciplinares diversos: arqueologia, história, sociologia, antropologia e medicina. É importante ressaltar que a publicação, em 1948, de Dieu d'eau: entretiens avec Ogotemeli por Marcel Griaule foi decisiva. Destinado não apenas aos especialistas, o livro conheceu um grande sucesso, tendo sido traduzido para diversas línguas.

Entretanto, o livro Dieu d'eau foi considerado uma montagem romanceada, produzida com base em um único interlocutor. A morte de Marcel Griaule em 1956 deixaria inconclusas suas pesquisas posteriores. Germaine Dieterlen encarregou-se de dar continuidade e publicou Renard Pâle (Griaule & Dieterlen, 1965), texto em que os autores realizam uma síntese da cosmologia dogon compreendida como sistema de pensamento. Essa obra intrigante e erudita tem sido igualmente criticada, sobretudo por não permitir comprovação empírica dos dados. Somam-se a esta, fortes objeções à insistência dos pesquisadores em apreender a sociedade por meio de suas narrativas míticas, à preocupação centrada no simbólico e na busca de sentidos subjacentes e secretos aos fenômenos estudados. Os trabalhos de Griaule exerceram grande influência nos estudos sobre religião na França.

Os vieses das pesquisas etnológicas e o pensamento do período colonial (com seus métodos e apriorismos) não foram ainda suficientemente debatidos e superados no sentido de conduzir revisões profundas do conhecimento que produziram sobre sociedades como a dogon. Mas a produção sobre os Dogon não permaneceu presa à ilha de Circe.

Muitas críticas surgiram imediatamente após o retorno a Paris, com a primeira publicação de Afrique fantôme de Leiris em 1934 (mas, foi proibido...). Seria preciso esperar a década de 1960 para que o debate iniciado por Leiris tivesse continuidade com as publicações de Balandier (1960), Lettens (1971), Lebeuf (1975), Clifford (1983), Van Beek (1991), De Heusch (1991), Bouju (1995), Piault (2000) e Ciarcia (1998; 2001) entre outros.

O nome Dogon parece ter adquirido uma conotação negativa nesse percurso de paixões, gerando uma herança incômoda e um mal-estar em algumas instâncias do meio antropológico, sobretudo francês. O exotismo dos anos 1930 transformou-se ao longo das últimas décadas e acompanhou as vicissitudes da percepção da alteridade e dos interesses político-econômicos. Ele foi criticado, mas não desapareceu: foi assumindo contornos sutis e dissimulados no meio intelectual, mas se ampliando extraordinariamente na população. O interesse sobre sociedades singulares de todo o planeta viu-se realimentado pelo crescimento, nas últimas décadas, do turismo (cultural, de aventura, étnico, ético etc.) e por uma significativa produção de documentários televisivos.

Soñando con los Dogon tem, portanto, mais esse mérito: o de recolocar em cena (e o faz de forma contundente) uma discussão inacabada e insuficiente, coberta de polarizações, enrijecimentos, estereotipias e, por vezes, descoberta de contextualizações históricas. No texto de Fernando Giobellina Brumana, o(a) leitor(a) irá certamente encontrar outros (muitos) temas (bem documentados) para refletir, repensar e sonhar a antropologia e os campos da pesquisa.



Notas

1 Realiza pesquisas desde 1993 na região Dogon e é autora de Itinerários da loucura em territórios Dogon (Rio de Janeiro, Fiocruz/Casa das Áfricas, 2004). Endereço: Rua Cipotânea, 51, Cidade Universitária, São Paulo. Contato: centroto@usp.br

2 Habbé significa pagão na língua fulfulde, foi usado pelos Peul para designar a população que vivia no planalto e nas escarpas da falésia de Bandiagara. Na literatura, o nome Dogon foi utilizado pela primeira vez em 1907 por Desplagnes.



Bibliografia

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Revista de Antropologia - USP

Etno-historias del Isoso


Federico Bossert
Centro Argentino de Etnología Americana – Universidade de Buenos Aires/CONICET


Combès, I. Etno-historias del Isoso. Chané y chiriguanos en el Chaco boliviano (siglos XVI a XX). La Paz, IFEA/PIEB, 2005, 395 pp.

Hace casi 15 años, Isabelle Combès fue coautora de una obra que iba a convertirse en una referencia ineludible para los estudios sobre chiriguanos y chané: Alter Ego. Naissance de l'identité chiriguano. Si aquella obra se ocupaba de los chiriguano o ava – frente a quienes los chané parecían un socio pasivo – y se centraba en el momento de su etnogénesis original – el período anterior e inmediatamente posterior a la conquista –, Etno-historias del Isoso muestra un vuelco radical en la perspectiva: se centra de lleno en los chané del Isoso – aquellos que habitan las orillas del río Parapetí, en el Chaco boliviano –, y se ocupa mayormente del período para el cual existen fuentes históricas –a partir de mediados del siglo XIX. Doble transición, entonces: desde el nebuloso y mestizo ensemble mestizo chiriguano-chané hasta los chané identificados, aislados y acotados por Combès de un modo casi obsesivo; desde los hipotéticos –tiempos de los orígenes hasta los – tal vez menos atractivos para la imaginación histórica, pero mucho mejor documentados – tiempos recientes.

El Isoso fue siempre una región relativamente aislada, y durante el período colonial despertó un interés más bien secundario; en consecuencia, las referencias a esta zona y sus habitantes son escasas: las primeras menciones a los chanés de los aventureros llegados desde el Paraguay en busca de oro, las escasas notas dejadas por los misioneros jesuitas y franciscanos sobre esta zona que nunca aceptó una misión, alguna participación de los isoseños en revueltas y rebeliones. Como sea, la historia del Isoso en los siglos XVI, XVII y XVIII apenas ocupa 15 páginas. Pero con el nacimiento de la República boliviana (1825) desaparece ese relativo aislamiento de la región isoseña. Por un lado, el territorio empieza a ser "conquistado" por las haciendas ganaderas, comenzando el duradero y conocido conflicto maíz-vaca. Por el otro, las autoridades republicanas muestran hacia el Isoso un interés mucho mayor que las coloniales; en parte debido a esa mayor presencia karai (blanca) en la región; y en parte debido a la ubicación estratégica del Isoso, ya que a lo largo del siglo XIX se suceden las expediciones a través de la zona con el objeto de abrir un camino que ofrezca a la asfixiada Bolivia una salida hacia el río Paraguay. En consecuencia, las fuentes documentales se multiplican; y a partir de mediados del siglo XIX la crónica de Combès sigue la historia del Isoso con una minuciosidad asombrosa, remedando las lagunas y las imprecisiones, y consignando los acontecimientos de la vida política de la región casi año tras año. Dos hechos contribuyen a esa multiplicación de las fuentes y permiten esta paciente reconstrucción: por un lado, las autoridades nacionales o departamentales buscan intervenir en la política indígena, designando o "autorizando" capitanes isoseños y creando sobre la región una jurisdicción sometida a un corregidor; por el otro, los mismos capitanes empiezan a "hablar" en los documentos cuando comienzan a utilizar sistemáticamente las "armas blancas" para defender el territorio o conseguir ventajas: presentando quejas, iniciando juicios, firmando contratos. Sin embargo, la historia del Isoso que Combès se esfuerza por mostrar no es solamente la historia de sus relaciones con el blanco, sino fundamentalmente la historia política interna; de hecho, esta obra nos enseña que muchas de las acciones y actitudes de los isoseños hacia los blancos tuvieron su verdadero origen en aquella dinámica política.

No vamos a intentar resumir aquí esa larga y detallada crónica que comienza en 1844 y termina en nuestros días. Diremos solamente que el libro ofrece una historia del Isoso que aspira – con grandes chances – a ser definitiva y agotar las fuentes documentales conocidas. En este sentido, ofrece a la etnohistoria chaqueña (mucho menos frecuentada que la andina o la amazónica) una obra paradigmática. Pero, al mismo tiempo, Etno-historias del Isoso es mucho más que un estudio histórico; si bien Evans-Pritchard no figura en su bibliografía – quizás debido a ese hábito americanista de evitar menciones africanistas –, podríamos decir que este libro realiza cabalmente sus más ambiciosos reclamos por una antropología histórica, al mismo tiempo que confirma sus principales nociones de antropología política. En efecto, no se contenta con relatar la intrincada historia de las capitanías isoseñas, sino que además busca en ella líneas de continuidad, relaciones permanentes, estructuras estables. Para empezar, puede decirse que su principal propósito es analizar una única noción nativa: iyambae. La palabra se compone de iya, que puede traducirse como "dueño" o "amo", y el sufijo – mbae, que denota la negación o ausencia de una cosa; es decir: "sin dueño", "sin amo". La noción de iyambae resume lo que la autora denomina la principal utopía de los chiriguanos y chané, el primer valor de su vida política, y puede percibirse en las relaciones entre ambos grupos, en la larga resistencia de los primeros contra el blanco, y en los movimientos de emancipación de los segundos – uno de los cuales dio nacimiento a la población isoseña. Branislava Susnik había propuesto la existencia de un "ethos étnico" chiriguano basado en la noción de iya, "amo"; en una formación social como la que se consolidó en el pedemonte boliviano antes del siglo XVI existían sólo dos opciones: ser iya o ser tapii ; y la única opción para los grupos chané sometidos era huir de esa jerarquía social, establecerse en un territorio alejado de la sujeción. Y esto es, muy probablemente, lo que hicieron los isoseños. Sin embargo, en el Isoso la significación del término sufre un nuevo giro: Iyambae es, desde hace por lo menos 150 años, el apellido de la dinastía que mantiene el poder político en la región, a la cual han pertenecido – o pretendido pertenecer – todos los "capitanes grandes" (mburuvicha guasu); es, por lo tanto, el nombre de una nueva jerarquía, no ya entre chiriguanos y tapii , sino al interior de estos últimos.

Una segunda constante identificada en la obra es, entonces, un modo de organización política que responde al tipo de las "Casas reales" europeas (concepto propuesto por Lévi-Strauss en La Voie des Masques). Así como entre chiriguanos y chané existía una desigualdad basada en la pertenencia étnica (y por lo tanto en la herencia), entre los chané emancipados del Isoso también existe una desigualdad política basada en el parentesco: si bien no se accede a los altos cargos políticos por herencia directa, un "capitán grande" sólo tendrá legitimidad si pertenece – o al menos logra dar esa impresión – a la tradicional familia de los líderes, los Iyambae. El libro busca explicar, entonces, la compleja superposición entre la ideología o la utopía que este concepto traduce, y el estado de cosas aparentemente contradictorio que la palabra denota en el Isoso, donde "sin dueño" no resulta una utopía refractaria o siquiera contraria al principio de aristocracia o jerarquía ni significa la afirmación de algún principio "democrático" sino, puntualmente, la autonomía frente a grupos externos – en un principio los ava, luego los gobiernos coloniales y el Estado boliviano. Que el orden de los capítulos de este libro pueda estructurarse – más allá de algunos vaivenes – al modo de las historias de los reinos europeos, siguiendo estrictamente la sucesión de grandes líderes, constituye una sólida prueba de la existencia de una "Casa real" isoseña – si se quiere, otra prueba es ofrecida por las posibilidades literarias que este tipo de organización parece permitir: la historia de las capitanías isoseñas repite hasta el cansancio las intrigas y cons piraciones ante las cuales los grandes capitanes, como personajes de Shakespeare, debieron sobrevivir o perecer.

Combès identifica todavía otro principio que configura la organización social de estos grupos; el mismo consiste, por un lado, en una división del conjunto social en dos mitades ordenadas jerárquicamente y, por el otro, en una representación de esa jerarquía en términos espaciales o topográficos. En efecto, el territorio isoseño se halla dividido políticamente en dos "capitanías grandes": el "alto" y el "bajo" Isoso – la primera abarca las comunidades ubicadas bajando el río Parapetí hasta cierto punto, y la segunda las comunidades ubicadas a partir de ese punto. Pero estas capitanías no están nunca en un equilibrio de fuerzas: uno de esos dos "capitanes grandes" lo es también de todo el Isoso. Este modo de división y organización, según la historia oficial, fue "creado" por autoridades bolivianas en 1923. Pues bien, a lo largo de los capítulos la autora acumula evidencias para demostrar que, en realidad, lo que se hizo en aquella ocasión fue sólo institucionalizar una división política preexistente, cuya antigüedad parece ir mucho más allá de su primera mención en 1871. Considerando esta forma de organización una estructura stricto sensu, Combès la identifica también en relatos sobre las ubicaciones topográficas de chané y chiriguanos: si en un principio los primeros vivían en los cerros y los segundos llegaron de la montaña, según cierta tradición oral la situación de mestizaje-esclavitud dio lugar a una inversión de estas posiciones en el espacio. En el caso particular del Isoso, entonces, las posiciones jerárquicas no se expresan en términos de la oposición "cerro-llano", sino más bien mediante la ubicación en el curso del río Parapetí – el único eje estructurante del espacio en la región. Existiría así, a ojos de la autora, una "estructura que opone altura y llano, alto y bajo, a lo largo de la historia chiriguana en general, y del Isoso en particular" (p. 62). En este punto, la organización política del Isoso es considerada como una variación de la misma estructura – mucho más abstracta y general – que fundó la sociedad chiriguana: la asimetría "dumontiana" (Homo Hierarchicus) según la cual el elemento "superior" de la pareja es aquel que representa al todo, al conjunto. Aquí también, entonces, la organización interna del Isoso es equiparada con la antigua organización interétnica entre chiriguanos y chané.

Ahora bien, Combès acumula evidencias para demostrar que, en realidad, la estructura asimétrica, el principio de jerarquía y la organización en "Casas reales" deben ser considerados un aporte arawak a la organización social de los chiriguanos y chané. Aquí embiste contra dos ideas estrechamente vinculadas que formaban parte de la imagen aceptada sobre estos grupos – ideas reproducidas, propagadas y fortalecidas por los propios líderes indígenas, las organizaciones que actúan en la zona y no pocos antropólogos. En primer lugar, la imagen del proceso de constitución de estos conjuntos culturales como algo casi unidireccional, descripto como una "guaranización" de los chané-arawak por parte de sus conquistadores tupí-guaraní. La segunda idea que ataca es, justamente, uno de los rasgos culturales que esa visión "guaranizada" ha llevado a enfatizar en estos grupos: la idea de que su organización política reproduce en rasgos generales la de los tupí-guaraní, y por lo tanto consiste esencialmente en "asambleas" que aseguran la participación de todos los comunarios en las decisiones y de ese modo impiden el surgimiento de un poder político alienado. En efecto, a partir de los escritos pioneros de Thierry Saignes, la tendencia en la literatura etnográfica ha sido subrayar los matices "democráticos" de la organización social chiriguana, retomando la noción clastreana de "sociedad contra el Estado". Esta obra marca una brutal ruptura con ese modo de ver las cosas.

En este afán por identificar las procedencias étnicas de los rasgos culturales, Combès crea verdaderos tipos ideales de los sistemas políticos guaraní y arawak: los primeros basados en principios igualitarios, en "asambleas" abiertas y en la elección de los líderes de acuerdo con sus méritos; los segundos basados en el principio jerárquico, en "Casas reales" restringidas a una estirpe, y en la herencia de las jefaturas. El sistema político de los chiriguanos y chané sería, pues, una combinación de ambos; e incluso podría percibirse un predominio del modelo guaraní entre los chiriguano y del arawak entre los chané, coherente con sus procedencias étnicas originales.

Uno de los mayores méritos de la obra es, entonces, el modo en que aborda a la vez problemas históricos y etnográficos. Entre estos últimos se destaca el planteado por la aparición, en 1987, de la Asamblea del Pueblo Guaraní, organización que no sólo abarca a chiriguanos y chané sino que además impulsa el uso del etnónimo "guaraní" para designar a – ambos grupos. Combès no oculta la consternación que le causa el uso actual de ese nombre; en parte porque se trata de una estrategia política que soslaya una verdad histórica – ambos grupos han sido tradicionalmente enemigos, y hasta hace algunas décadas los isoseños se presentaban abiertamente como "chané" –, en parte porque este uso minimiza o niega el aporte arawak. Ahora bien, al crearse en estas confederaciones nuevas categorías cada vez más abarcadoras – como "guaraní" o aun "indígena" –, ha sido preciso buscar símbolos, diacríticos e incluso memorias que sirvieran de base a esa frágil unidad. Así se ha inventado, por ejemplo, una imagen de la batalla de Kuruyuki (1892) que la presenta como una gesta de la "nación guaraní" contra el blanco, cuando en realidad los documentos históricos muestran que los chiriguanos no formaron un frente unido en esa rebelión y que los isoseños directamente lucharon contra los rebeldes junto al blanco. Combès encuentra, sin embargo, que las tradiciones y el pasado no pueden manipularse tan fácilmente, y se pregunta qué base real tienen expresiones como "unión indígena" o "nación guaraní", qué posibilidades hay de que – por ejemplo – los isoseños sientan como "iguales" o "hermanos" a pueblos que han siempre considerado inferiores y en los límites de la humanidad, como – los ayoreode o los mismos ava. En efecto, a la luz de la historia narrada en esta obra no puede sorprendernos que existan enormes conflictos en el interior de esa confederación – los cual nos recuerda que si a menudo los antropólogos se esmeran por no mostrarse "esencialistas", en cambio los indígenas no muestran los mismos reparos.

Tenemos aquí, pues, un análisis minucioso y concreto de esos fenómenos tan fatigados por la literatura antropológica: la etnicidad, la etnogénesis. Esta obra provee un excelente material para la reflexión teórica. En primer lugar, ofrece una visión crítica de, por un lado, los efectos que las interpretaciones de historiadores y antropólogos han generado en el plano de las definiciones étnicas indígenas y, por el otro, la distancia que existe entre el nivel de las grandes organizaciones políticas, los discursos ideales proclamados por los líderes indígenas, y la realidad de la vida política isoseña. En segundo lugar, nos enseña que es perfectamente posible abordar este tipo de problemas a partir de conceptos clásicos y diáfanos, sin perderse – como suelen hacer los estudios sobre estos fenómenos – en laberintos de citas a la moda.

En resumen, Etno-historias del Isoso es un libro múltiple. Antes que nada es una historia comprensiva del Isoso y los isoseños, la primera que se publica, y ofrece un sólido cimiento para la tan descuidada etnohistoria chaqueña. Pero, al margen de su valor histórico o documental, las muchas y fértiles ideas de esta obra – que proponen sugestivos puentes entre Chaco y Amazonía – sin duda serán objeto de un largo debate entre los antropólogos americanistas.

Revista de Antropologia - USP

Arqueologia da sociedade moderna na América do Sul. Cultura material, discursos e práticas


Francisco Silva Noelli
Professor do Departamento de Fundamentos da Educação – UEM/PR



Zarankin, A. & Senatore, M. X. (orgs.). Arqueologia da sociedade moderna na América do Sul. Cultura material, discursos e práticas. Buenos Aires, Ediciones del Tridente, Colección Científica, 2002, 127 pp.

A arqueologia histórica, especialmente na literatura mais recente, vem sendo definida como o estudo da formação do mundo moderno a partir da expansão européia, coincidindo com a consolidação do sistema capitalista e de uma nova ordem social. Essa abordagem experimentou grande avanço nas duas últimas décadas, com um vertiginoso crescimento qualitativo e quantitativo em termos teóricos, metodológicos e de pesquisas em todo o mundo. Pode-se dizer com tranqüilidade que é uma das atuais subdisciplinas arqueológicas que mais se desenvolve, debate-se e se aperfeiçoa, estando presente no epicentro das discussões mais polêmicas da atualidade, na ponta dos avanços mais relevantes da arqueologia internacional. Também encontramos seus membros entre os mais fervorosos defensores da preservação do Patrimônio Arqueológico, da consolidação da Arqueologia Pública e do diálogo com outras disciplinas, como a antropologia e a história.

Na América do Sul, ainda que de forma mais lenta, a arqueologia histórica também experimenta um significativo crescimento, mais em qualidade que em quantidade, ainda com um percentual reduzido de adeptos em relação às demais especialidades da arqueologia. Contudo, grande parte de seus praticantes estão no mesmo nível da vanguarda internacional, incluindo alguns que se alinham entre os pioneiros da subdisciplina. É provável que nos próximos anos a magnitude de suas pesquisas atraia novos talentos e contribua decisivamente para o incremento da arqueologia histórica no continente, que possui um potencial excepcional para essa abordagem.

Arqueologia da sociedade moderna na América do Sul representa o que há de melhor em termos teóricos e práticos na mais atual arqueologia histórica. A coletânea de trabalhos apresenta as principais linhas teóricas, servindo como um guia didático para especialistas e iniciantes, bem como demonstra a aplicação prática de alguns métodos de análise e interpretação dos contextos arqueológicos, da cultura material e da ordem social e ideológica.

A introdução, "Leituras da sociedade moderna. Cultura material, discursos e práticas", da lavra dos organizadores do livro, Andrés Zarankin e María Ximena Senatore, é uma excelente referência sobre o funcionamento das engrenagens teóricas da arqueologia histórica. Ali está ordenado o escopo que sustenta a disciplina, podendo ser considerado como o seu programa de trabalho e a agenda de debates fundamentais, um consistente ponto de partida para aqueles que iniciam e para aqueles que precisam de reciclagem.

Na mesma linha, como demonstrativos do escopo e da agenda em construção, estão os artigos de Pedro Paulo Funari, "A arqueologia histórica em uma perspectiva mundial", e de Tânia Andrade Lima, "O papel da arqueologia histórica no mundo globalizado". Trata-se de duas breves, mas refinadas, apresentações do que se está pensando e fazendo na ponta que levam objetivamente ao cerne da matriz teórica e política da arqueologia histórica.

Os artigos de Camila Agostini, "Entre senzalas e quilombos: 'comunidades do mato' em Vassouras do oitocentos", de Luís Cláudio P. Symanski, "Louças e auto-expressão em regiões centrais, adjacentes e periféricas do Brasil", de Marco André T. Souza, "Entre práticas e discursos: a construção social do espaço no contexto de Goiás do século XVIII", de María Ximena Senatore, "Discursos iluministas e ordem social: representações materiais na colônia espanhola de Floridablanca em San Julián (Patagônia, século XVIII)", além de relevantes demonstrações e detalhamentos do escopo, produziram uma amostra do que há de mais atual em termos de metodologia de pesquisa e da adequada relação entre fontes arqueológicas e históricas, analisadas com sofisticação e intenso uso de idéias e fatos econômicos, sociológicos, antropológicos e de outras disciplinas científicas.

Agostini analisa, com base em um estudo de caso, o processo de constituição de comunidades negras em meio à experiência do cativeiro na zona rural sul-fluminense no século XIX, e relê a noção de "comunidades escravas" presente na historiografia norte-americana. A abordagem enfatiza os laços de amizade e vizinhança, as experiências de mobilidade, incluindo a violência, as tensões e os conflitos ocorridos em comunidades desse tipo, revelando a experiência cotidiana do cativeiro afro-brasileiro na formação das comunidades escravas do Vale do Paraíba e na socialização de africanos e afro-brasileiros em uma sociedade escravista. O estudo também dá ênfase à percepção do contexto cotidiano dos trabalhadores rurais e da formação de áreas de culto religioso, visando o reconhecimento dos processos inerentes às diferentes escalas de tempo a partir da análise de variadas fontes de informação.

Symanski verifica como a presença de louças no contexto arqueológico oitocentista de regiões centrais, adjacentes e periféricas, associadas com uma refinada análise da documentação histórica, pode revelar padrões de vida burgueses antes da constituição de uma classe tipicamente burguesa no Brasil. São analisados sítios urbanos e rurais de Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Bahia, sob uma refinada metodologia que tem por objetivo decodificar as complexidades do consumo em locais habitados por pessoas de diferentes condições sociais. O principal resultado foi mostrar que houve usos distintos dos bens de consumo, de acordo com os diferentes grupos que os usaram, ao contrário da generalização que imaginava os bens com as mesmas funções em contextos variados. Isso abre espaço para pensar que os discursos ideológicos também eram assimilados em graus diversos por grupos sociais distintos.

Souza, ao analisar as diferentes escalas da construção de novas relações sociais num dos limiares da geografia colonial portuguesa, teve por objetivo perceber os modos como se articularam as relações entre grupos e indivíduos de vários setores do espaço da capitania de Goiás oitocentista. O principal resultado foi mostrar que no âmbito de um território fundado de forma deliberada e consciente, sob uma assimetria social que reunia diferentes interesses e motivações, criou-se uma estratégia que permitiu a afirmação de grupos socialmente desprestigiados que reformularam seus referenciais culturais de origem, "criando novas maneiras de lidar com o mundo".

Zenatore estuda a formação de uma comunidade colonial em torno de uma fortificação na inóspita Patagônia meridional, mesclando a análise dos dicursos de época cristalizados no papel com as evidências do contexto arqueológico. Dessa forma, apresenta com sofisticação um estudo de caso sobre o processo de formação do plano urbanístico de um núcleo colonial, mostrando como novas hierquias predeterminadas das relações sociais aparecem representadas na divisão e no uso dos espaços públicos e privados em San Julián.

A obra em questão é de grande relevância para os estudos das sociedades modernas na América do Sul, ensinando e exemplificando com precisão as abordagens e os métodos mais contemporâneos da arqueologia histórica.

Revista de Antropologia - USP

Todos os santos são bem-vindos


Hortênsia Caro
Doctoranda - Universidad de Cádiz y Universidade de São Paulo


Augras, Monique R. A. Todos os santos são bem-vindos, Rio de Janeiro, Pallas, 2005, 197 pp.

Todos os santos são bem-vindos es un atractivo objeto antes de leerlo desde la primera vista. En la cubierta ya está esa intención de encanto que transmite la cinta azul um modo de Fita de Bomfim como separador, de imagens de santos abigarradas, unas al lado de otras ... En la portada, São Elesbão, santo negro, tiene una aureola de rosas que siete, siendo blancas y no Rojas, me llevaron a la Antítesis de una a una ofrenda pombagira - Espíritu de femenino umbanda -; Dibujado un ángel en la parte superior exaltaba la devoción um cristiana la Sacralidad. Es la imagen de los santos venerados por católicos en Brasil la que Monique Augras nos invita a dar un paseo: desde los primeros mártires santos europeos y hasta la BEATIFICACIÓN de brasileños. Este texto habla del poder de la iconografía católica y también de una realidad histórico-cultural, la colonización de la fe católica europea en Brasil.

Su intención, conseguida de la primera a la última página, queda expuesta en la presentación al lector:

Quero levá-lo um compartilhar essa jornada encantada Pelos Caminhos do imaginário popular. Na verdade, quanto mais penso assunto não, estou cada vez mais desconfiada de que "imaginário" é uma palabra contemporânea que, no fundo, servem para que aquilo Designar, outrora, se chamava "o sagrado".

Oralidad La, enraizada en tiempos Legendarios que se antojan, oscuros fantásticos, y aún sigue manifestándose en situaciones de nuestra sin cotidianeidad preguntarnos tradiciones qué han hecho su poso ni de dónde vienen esas acciones. El imaginario popular católico, cargado de leyendas Heroínas de héroes y, que se acercaron a la perfección por la renuncia um placeres Terrenales, sobrevuela Barrocas las imágenes de los santos católicos brasileños. La percepción visual de las imágenes de los santos, las hagiografías revistadas por el ojo de Monique Augras y su equipo de colaboradores convierten la lectura en una atractiva "prece" de abnegaciones ejemplares que se proyectan en los anhelos Salvadores de los fieles. Não sabemos hasta donde llegan las narraciones populares ni dónde comienza la eclesiástica oficialidad um crear los ejemplos de la educación en la fe católica. Si, como dice Augras, lo sagrado se identifica con el imaginario, los santos, como modelo de perfeição, enlace con el Dios cristiano, logran la transmisión de cuentos leyendas y convirtiéndose en Arquetipos. La Iglesia supo adoptarlos desde temprano para convertirlos en elementos doctrinantes.

La mirada de Augras es científica y cariñosa, es archivística milagrera, y es un guiño cargado de libros sépia antiguos y las Abuelas de cromos: su libro acompaña tanto el recuerdo de la primera comunión cuanto las oraciones de una bahiana fumando en pipa que escondia hierbas Amuletos y bajo una Higuera; la devoción um esos santos también me lleva a mi propia abuela rezándole um San cucufato para encontrar un dedal en su cuarto. Estas imágenes se insinuaban en mi mente leia mientras el libro. El catolicismo ibérico recreado en Brasil es la herencia religiosa que sigue las mismas prácticas en este lado del Atlántico, tan sólo cambia el nombre de unos santos por otros.

Augras nos cuenta historias de la Oralidad católica que fluctúan entre la y eclesiástica oficialidad la Veneración popular, siendo que esta última, de tan asentada por los siglos de los siglos, la primera fuerza. Es decir, la santificación y su Reglamento de grados Basan su poder en la Vox Populi. El canon de la santa perfección, dice la autora, tiene sus grados: desde el "siervo de Dios", pasando por el "venerável" y "mártir", beato "el" y, finalmente, el santo ", además de aquellas personas que no fueron canonizadas pero que hicieron de su vida "testimonio de la presencia de Dios" en la "comunión de los santos".

La autora aprovecha las antiguas hagiografías para convidarnos um epicurismo la historia y política cultural de Occidente (la época romana de Octavio Augusto, el reinado de Constantino, vertebrador de la división de la Iglesia Cristiana de Oriente y de Occidente, el Papa Gregorio ... ). Escavações los volúmenes entre relatos de vidas de santos perdidos en París o en la biblioteca de la PUC, como la "Lenda Aurea" de Varazze (s. XIII) o en la "História das ruas do Rio de Janeiro" de Gerson, llegando a la conclusión de que es en los autores antiguos donde el testimonio de santidad es más patente, puesto que la cercanía temporal más los hacía reais, vivos más, más cercanos a la existencia de los creyentes. Por supuesto, no faltan referencias al trabajo de Antropólogos como Carlos R. Brandão o Luiz Mott, que han dedicado gran parte de su obra a la religiosidad popular, como tampoco podían faltar las leyendas recogidas por Câmara Cascudo.

El libro de parte dos proyectos: Existências lendárias: hagiografia e subjetividade y Socorro urgente: das almas benditas aos santos da crise, En el que han colaborado un grupo de alumnos "Movidos pelo puro prazer de descobrir aspectos fascinantes da religiosidade brasileira". El texto saborea un trabajo de campo entre los fieles de las Iglesias de Rio de Janeiro, becarios Realizado por y colaboradores con nombres y apellidos, entusiasmados en su tarea de equipo. Monique Augras RA es profesora titular de psicología en la Pontifícia Universidade Católica con sede en Rio de Janeiro. Para presentarla como psicóloga transcribo mejor sus palabras de una comunicación pessoal: "Não posso ser Considerada como amostra representantiva das professoras de Psicologia, sou mais para transgressora ou marginais". Esta auto-descripción es un respiro entre los cánones académicos. Su postura desenfadada y así es vital la transmite en finas Communities extraídas de las líneas de relatos, textos romances y su mirada ... Ante las voces populares cuentan cuál es el hilo que teje el rico imaginario popular.

Desde María, Madre de todo el altar católico, madre del propio Dios hecho hombre, hasta la última BEATIFICACIÓN brasileña, Augras sigue un camino fragmentario del catolicismo brasileño a través de la iconografía, Barroca densa, y de los santos católicos venerados en las iglesias de Rio de Janeiro. Madre de todos sin pecado, Maria da Conceição, Inmaculada Concepción es la figura femenina articuladora de altares por su facultad femenina de la reproducción. Ella, la primera, el origen de todo el altar, es también a la que le dedica las primeras todos treinta páginas con los nombres que la mimetizan (das Graças, da Glória, da Aparecida, do Rosário, de Fátima, das Candeias, da Luz ...). Los Padres de la Iglesia borraban en la imagen de María toda la fisiología que caracteriza um la mujer; sucio su cuerpo de mujer se convierte en blancura, se hace madre de la humanidad, y reina de Altares de Dios mismo. Dice Augras ironía con la misma que he leído en otros de sus textos: "Com uma representante dessa magnitude, o que mais poderiamos pedir?".

La devoción por los santos negros, segundo grupo de santos, nos dice la autora, tuvo su origen en las hermandades de negros del siglo XVIII para asegurar una cristiana sepultura a las "personas não", negros esclavos que no tenían derecho a ser Enterrados En Iglesias las. São Benedito, diretor que fue de Convento Franciscano, no dejaba de "juzgarse indigno de tanta hora" por ser Fraile y Negro, Santo Antônio Preto, negro, claro musulmán, y, hecho esclavo; São Baltazar, rey que adoro Divino al blanco, Jesus ... El color de su piel, utilizado por la institución católica para Controlar la conversión de esclavos negros, sirve para legitimar, inclusive, un remoto origen cristiano de los africanos. El comercio de la trata habría producido narraciones fantásticas que se incorporaron uma hagiografia la brasileña. Y entre negros, índios, musulmanes y mujeres anda el juego de la marginalidad santa: Santa Ifigênia, compañera de Santo Elesbão en la devoción carioca, entra en este bloque de "Santos Negros" y no en el de "santas mujeres", como si primase la género etnia al; para la Iglesia primo, por encima de todo, la narración que contaba que era hija de un rey cristiano etíope.

El tercer bloque de Santos, Los Monjes Guerreros y, más Numerosos son los: Santo Antônio de Pádua ( "Quê seria de mim, meu Deus, sem a fé em Antônio?", Canta Maria Bethânia), São Brás, São Dimas, Santo Expedito, São Jerônimo, São João Evangelista, São Jorge, patrón de Brasil ... La lucha contra los herejes de Oriente fue principal cometido de la Iglesia, como también se encontraba, demoníaca Entre e Herética, la atracción del cuerpo de la mujer. Todos los Santos reciben el relevo mítico de acciones Heróicas de Santos anteriores; los relatos se baralhar produciendo diferentes versiones de un mismo hecho.

Como no podía ser de otra manera, el número de santas es menor: "A desproporção provavelmente Reflete como linhas de poder ea estrutura da sociedade cristã da época". Las "santas mujeres" del cuarto bloque sufren los peores Martírios de Reyes padres y como castigo por abrazar la fe católica: Santa Bárbara, Santa Catalina o Santa Inés. Las bellas y nobres doncellas renuncian a la pasión para conservarse castas a Dios o, como Santa Edwiges, que pide al esposo que se abstenga relaciones sexuales de tener. Filho modelos que la Iglesia manipulação para crear el Catecismo de la mujer. Las investigaciones de Augras nos adentran en recovecos míticos que recogen fantásticas especulaciones a lo largo de siglos y geografías distintas. Las leyendas de Santa Ana y sus tres hijas María, donde la que vivian con su sierva gitana Sara Cali, y de María Magdalena, originaria de Magdala, me reenvían um textos del brasileño imaginario popular, construcción de los mitos femeninos se nutren unos a otros para transformarse y sin Fronteras reinventarse que importen de lugar y tiempo.

Por último, en "Brasileños en los altares", la vida de Santa Paulina, primera y única santa brasileña llegó, que a Brasil procedente de Italia a mediados del siglo XIX, y el suceso de los mártires que Murieron um manos de índios convertidos al Calvinismo los, filho nacionales protagonistas.

Quiero volver a la madre de todos los Santos, Maria, en esta suerte de Nana cantada por Maria Bethânia:

O sobrado de mamãe é debaixo d'água
O sobrado de mamãe é debaixo d'água
Debaixo d'água por cima da Areia
tem ouro, tem prata
tem diamante que nos alumeia.

Revista de Antropologia - USP

Missionários Deus na Aldeia: índios e mediação cultural

Eduardo Dullo
Mestrando do Museu Nacional - UFRJ


Montero, Paula (org.). Missionários Deus na Aldeia:, índios e mediação cultural, São Paulo, Globo, 2006, 583 pp.

Engana-se quem se limita, ao ler o título, em pensar nesta coletânea como uma produção somente acerca de Missionários e Índios. O subtítulo é suficientemente completo para indicar uma relevância de sua leitura para um público mais amplo: a Mediação cultural, que é pensada enquanto categoria articuladora desses atores sociais. A leitura dirigida que forneço nesta resenha discute menos os dados de pesquisa Elaboração e mais um que os sustenta. A razão dessa escolha reside nas questões levantadas pelos autores, dignas de uma expansão, tal como se pode inferir das palavras da organizadora: "A atividade missionária foi, por excelência, Como veremos neste trabalho, uma atividade de classificação e comparação das diferenças de um modo localizá-las em quadros universais "e" agentes como os Missionários de São Especialistas voltados para uma produção desse tipo de compatibilização "(pp.10 e 56, respectivamente, grifos meus).

As pesquisas foram desenvolvidas em diferentes âmbitos institucionais, o que acarreta Inovadoras contribuições. Há uma presença dos departamentos de Antropologia das Universidades de São Paulo, de Campinas e da Federal do Rio de Janeiro (Museu Nacional), além da valiosa contribuição do professor de História Moderna da USP e de História das Religiões da Universidade de Udine. O Esforço Agrupado E os diálogos ocorridos com nenhum Cebrap, sob coordenação de Paula Montero. Um Empreendimento Coletivo de tal envergadura, culminando em coletânea com 11 capítulos e autores, além da introdução da organizadora, não se realiza facilmente. Esse é o primeiro sucesso e mérito. Entretanto, a leitura dos capítulos evidencia uma divergência (em alguns casos, mais clara) entre os autores.

Aproveitando-me da apresentação do livro feita pela organizadora, reproduzo-integralmente a:

Esse debate tem, a nosso ver, cinco dimensões principais, ou cinco conjuntos de problemas que nos pueden servir de eixo para uma apresentação deste Empreendimento Coletivo: o modo como procuramos Enfrentar o problema metodológico das relações entre história e antropologia, o uso que fizemos dos Principais conceitos - religião e cultura - utilizados nestes textos; uma questão estratégica da tradução nas relações de mediação, o privilégio que demos à noção de rede na análise das relações simbólicas e sociais; e, finalmente, o modo como procuramos construir uma perspectiva teórica Adequada ao problema da interculturalidade que enfatizasse os sentidos Produzidos nas relações. (pp. 11-2)

Sequencialmente, ela apresenta os cinco eixos, comentando todos os capítulos. Não irei refazer o que já foi (bem-) feito. Cabe ressaltar apenas um dos trabalhos de amplitude, articulando-se os eixos dos Missionários Jesuítas no século XVI aos evangélicos fundamentalistas atuais, de fontes documentais uma pesquisas etnográficas em aldeias, e das práticas e estratégias de conversão às alterações Decorrentes das revisões teológicas.

Minhas questões, no entanto, são direcionadas à teoria da Mediação cultural E, mais propriamente, à formação de "códigos compartilhados". Se, como colocou um organizadora, os Missionários são "especialistas" nesse tipo de "compatibilização", devemos inferir que essa é uma atividade Possível para outros atores sociais, os indígenas entre eles - ENVOLVIDOS NA Mediação - e outros QUAISQUER. Por isso, essas frases com ênfases (e) sempre em mente, o missionário de uma Modernidade nascente - formada, entre eles, no Concílio de Trento e na Decorrente de passagem para uma catequese apostólica (cf. pp. 111 e 502) -, um Atuação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e das missões evangélicas da contemporaneidade não são os únicos objetos possíveis para as questões postas. Embora os trabalhos da coletânea Sejam restritos à Nossa alteridade antropológica radical, não devemos descuidar do olhar que procura compreender uma alteridade pela ótica dos agentes em análise.

O volume, organizado é que sob a rubrica de uma "antropologia das missões" e que se pretende inovador ao romper com abordagens que às vezes são mutuamente exclusivas como - como que enfocam objetos de análise Cunhados com os termos de antropologia ou história das religiões e etnologia indígena (cf. p. 23) -, traz desses atores para o centro do debate não o estudo de grupos, culturas e, sim, o modo como cada um Torna a diferença comensurável.

Ao longo dos diversos capítulos, descreveu-se o modo como o missionário se comunica com uma diferença nativa - como ele imagina que o nativo é ou pensa e como incorpora Certos modos interpretados como nativos; ao mesmo tempo, procurou-se descrever como o nativo se apropria em parte de algumas dessas representações de si e do missionário. (p. 25)

Os capítulos de Cristina Pompa, Marta Amoroso, Ronaldo de Almeida e Artionka Capiberibe demonstram de maneira mais nítida uma centralidade adquirida pelos indígenas, Capazes de Modalidades articular do "sobrenatural" no procedimento de imaginação "do outro: o xamanismo é, inicialmente, elevado Potencialidade à religiosa pelos Missionários. Assim, o xamã é visto como Capaz de transitar entre mundos e, dessa forma, capable de apreender diferentes pontos de vista. No entanto, ele também é percebido pelos Missionários Negativamente, pois sua relação com o "não" sobrenatural é a cristã. Por fim, os momentos de permissividade missionária - como observado por Amoroso (p. 229) e por Almeida (p. 289) - reduzem suas práticas a Aspectos "terapêuticos" e "técnicos".

Nas missões católicas contemporâneas, um aspecto crucial é estudado por Marcos Rufino: a Teologia da Inculturação. Formulação teológica recente (a partir de meados dos anos 80), ela se propõe uma recusar um Primazia européia e ocidental do cristianismo ea Verificar, nas outras culturas, sinais da Boa-Nova que não estão visíveis na cultura do missionário. Essa abertura ao Outro busca trazer elementos, no caso, indígenas, para o cristianismo. Rufino observa com detalhe o debate eo passagem entre duas Teologias católicas: da Libertação e da Inculturação. Passa-se ao da libertação dos pobres (categoria homogeneizante) à promoção dos índios: "o Empreendimento de cristalização de entidades socioculturais distintas em uma mesma personagem [...] cede lugar seu oposto. Cabe aos Missionários, a partir de então, lançar -se no paciente trabalho de reconstituição das diferenças "(p. 253). Mas o trabalho demonstra Rufino de ainda, como tais propostas, uma Princípio tão díspares e opostas ao olhar antropológico, foram conciliadas pelo CIMI.

A mesma Teologia da Inculturação é contrastada com outra, a da Transculturação, por Almeida (p. 287). Se, como mostrou Rufino, a primeira é uma revisão dos Procedimentos Missionários pela Igreja Católica, a ponto de dizer Almeida (p. 288) que ela "positiva aquelas dimensões da vida indígena que foram demonizadas pelos jesuítas" - o que pode ser observado nos Capítulos 2, 3 e 4 de Gasbarro, Pompa e Agnolin -, a segunda anuncia "o Evangelho" às culturas [...], REMODELANDO o universo de valores, comportamentos e rituais, segundo os parâmetros da religiosidade evangélico-Fundamentalista ".

Os capítulos da coletânea, em íntimo debate, permitem, pela comparação dos Meios e métodos dos Missionários, uma Elaboração antropológica que os organize. Montero, apoiada em Wittgenstein, evita uma noção de "Cultura", redimensiona-a como categoria nativa para visualizar o que chamou de Código. Este só pode ser concebido a partir do "aprendizado do uso de determinadas matrizes ou regras", quando as pessoas estão "dispostas a se comunicar ea" compartilharem experiências comuns "(p. 26). Mas não podemos deixar de lembrar de maneira diversa da autora (cf. p. 55) - que uma pretensão universalista do cristianismo, analisada como o especialista na inclusão da alteridade e na pedagogia das regras, não encontra um equivalente direto nos indígenas com quem se defronta. A Atribuição do interesse de códigos compartilhados a todos os Kikyo me parece excessiva, bem como uma Atribuição de uma mesma lógica na produção desses códigos. Só é Possível conceber que uma alteridade POSSA ser reduzida e aproximações feitas dentro de um pensamento como o dos Missionários cristãos (pretensão compartilhada pelos Antropólogos). Nós (geralmente), como os Missionários, Possibilidade nessa cremos. Mas como afirmar que os indígenas agiam da mesma forma sem uma preocupação minuciosa diante dos dados?

Se, como afirma Montero (p. 56), como Possuem indígenas categorias alcance menor "de generalização", não seria o caso de se preocupar mais com sua "lógica da produção de diferenciações e oposições"? O que me parece é que há o encontro entre duas lógicas bem distintas: uma inclusivista e universalista e outra oposicionista e diferenciante. Então, a questão que coloco é: Ocorre uma produção de códigos compartilhados na ótica dos dois apenas Kikyo ou na dos Missionários?

Se, por um lado, somos bem informados sobre o interesse missionário na "produção desse tipo de compatibilização", o material etnológico não adquire relevo Capaz de nos fornecer a mesma informação dos indígenas por parte. Parece-me que, aqui, reside uma das divergências entre os autores. Alguns são mais inclinados que outros à Possibilidade de alcance da voz indígena em fontes documentais (conforme podemos observar nas páginas 12-15, 124, 227, 304); e os últimos preferem Restringir-se a falar dos Missionários e da forma como estes descrevem os indígenas.

Exemplarmente, ou uma aproximação, nas palavras de Cristina Pompa, uma redutibilidade "do Outro ao Eu - do indígena ao missionário capuchinho (cf. p. 122) - também pode ser lida como uma concepção da alteridade feita pelo missionário com base em sua simbolização privilegiada: as convenções nos termos religiosos (p. 123). Embora uma análise da autora nos Permita observar somente o modo como o capuchinho concebe o indígena, podemos inferir uma atividade similar por parte desse outro ator envolvido. Para além das teorias da ação, prática e / ou agência, o que se reivindica para todos os atores é uma Capacidade de simbolização e de compreensão do Outro de Si partir de. Seria necessário o mesmo trabalho de imersão nos indígenas, tal qual feito para os Missionários, para que possamos compreender a "negociação da realidade" e, principalmente, que um Importância qual esta adquire para ambos.

O trabalho missionário adquire, ainda, outras relevâncias nenhum debate contemporâneo: ao Deslocar as categorias de "religião", "Cultura", "conversão" e "etnicidade" para o plano nativo, elas se Tornam elementos para análise e uso tático Recebem um ( cf. p. 383). Especialmente nos capítulos de José Maurício Arruti e Melvina Araújo, observa-se o trabalho missionário que, baseado na religião, com Conexões Estabelece uma cultura indígena que Envolvem Alterações no entendimento de sua etnicidade (cf. pp. 382, 421, e, para Araújo , pp. 441-2). Esse movimento é observado por Arruti como uma "conversão às avessas [...] de civilizados em indígenas, do catolicismo um uma religião indígena (porém agora genérica)" (p. 421) ao "resgatar os elementos da cultura e da religiosidade indígenas soterrados sob camadas geológicas de catolicismo popular, como forma de favorecer que populações camponesas contemporâneas reinvistam se de uma identidade étnica ancestral "(p. 423).

No caso dos índios macuxi pesquisados por Melvina, uma afirmação étnica promovida pelos Missionários da Consolata está Estreitamente relacionada com uma problemática do Território. É devido ao conflito com posseiros e estabelecidas às fazendas na região que ocorre um "deslocamento contextual Significações das cristãs": Cristo, sua "em Defesa da Terra e da união fraterna" como "chaves da salvação", é lido como uma defesa do Território E DA Organização Política (p. 433).

A multiplicidade de agentes é um excelente caso para se repensar Critérios comparativos, trabalho realizado pelos Missionários ao comparar diferentes Povos com quem interagem, mas também pelos autores, ao colocar lado a lado esses diferentes indígenas, Missionários, conversões e Teologias. É assim que uma proposta deste livro expande-se, como se observa, para além dos Interessados na religião ou na etnologia.

Revista de Antropologia - USP

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Horizonte Regional do Brasil: Integração e Construção da América do Sul


Resenha de “O Horizonte Regional do Brasil: Integração e Construção da América do Sul”, Leandro Freitas Couto, por Taís Sandrim Julião
21/09/2009
Pensar as relações internacionais do Brasil exige ao analista a consideração de elementos políticos, econômicos, sociais, culturais e geográficos que sejam capazes de situar um significado singular à experiência internacional do país. A combinação desses elementos e a análise dela decorrente representam, portanto, condição necessária para compreender de que maneira é formulado e articulado seu projeto de política externa, bem como suas variações ao longo do processo histórico.

Este foi o desafio enfrentado por Leandro Freitas Couto, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e analista de planejamento e orçamento do Ministério do Planejamento. O livro, todavia, traz mais do que sua dissertação, apresentando resultados mais recentes da pesquisa que está em andamento no doutorado.

O livro está inserido em duas grandes linhas de debate sobre a atuação internacional do país. A primeira diz respeito à abordagem de longa duração, concernente a trajetória da política externa brasileira desde a independência. Nesta seara, o interesse recai sobre o espaço e o posicionamento do país frente a sua circunstância sul-americana.

O autor busca demonstrar que a dinâmica político-econômica do Brasil diante de sua realidade geográfica e, nesse sentido, também geopolítica, não apresenta a continuidade que comumente lhe é atribuída. Percebe-se que o país gradativamente foi se aproximando da América do Sul e, apenas recentemente, construindo as bases para que esta se tornasse o eixo principal de orientação da política externa. O Brasil já teria sido americano, latino-americano e, desde 1990, se tornado um país sul-americano.

É a partir deste diagnóstico que a segunda linha de debate pode ser identificada. Isso porque, ao definir-se pela América do Sul, o Brasil acabou por redimensionar o papel da integração regional no âmbito de sua agenda de inserção internacional. Para o autor, a partir do governo Cardoso coube ao país passar da retórica à atitude pragmática direcionada aos seus vizinhos. E, no governo Lula, esta tem permanecido como a diretriz central da atuação do país, não mais circunscrita apenas em termos de uma agenda regional, mas também de um posicionamento da América do Sul enquanto parte estrutural da plataforma global do Brasil e de sua identidade internacional.

Esta análise foi consubstanciada pelo estudo de oito momentos considerados pelo autor como relevantes na trajetória brasileira em direção à América do Sul: a Área de Livre-Comércio da América do Sul (ALCSA), as Reuniões de Presidentes da América do Sul, o nascimento da Comunidade Sul-Americana de Nações, a Declaração de Cochabamba e a União Sul-Americana de Nações (Unasul), a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), o Programa de Substituição Competitiva de Importações (PSCI), o Programa Sul-Americano de Apoio às atividades de Cooperação e em Ciência e Tecnologia (Prosul) e, por fim, os reflexos na agenda de segurança e ainiciativa regional de defesa, o Conselho Sul-Americano de Defesa, concretizada no final de 2008.

Diante deste cenário, o autor destaca o potencial que a região teria de adquirir um perfil não somente econômico, mas também político, social e cultural, marcado pela densidade das relações que estariam induzidas pela contigüidade espacial e identidade geoespacial, capazes de fomentar verdadeiras redes de integração.

Foi realizado amplo levantamento de dados que não se restringem a aspectos econômicos, sendo destacados índices educacionais, de saúde e turismo. O quadro resultante demonstra, entre outros elementos, a heterogeneidade deste espaço geográfico, para o qual se configuram enormes desafios à integração. Para o autor, os dados sobre as interações e conexões entre os países indica um cenário de integração que caminha a passos lentos.

Em síntese, as conclusões do livro apontam para questionamentos diante dos quais o Brasil precisa se posicionar: se a América do Sul é sua circunstância, seria o país responsável por engendrar os instrumentos para que a integração se efetive? Se a América do Sul é seu horizonte regional, a construção desta identidade seria um projeto brasileiro? Pela complexidade das perguntas que o livro provoca, é possível vislumbrar sua qualidade e sua contribuição para a literatura de relações internacionais.

COUTO, Leandro Freitas. O Horizonte Regional do Brasil: Integração e Construção da América do Sul”. Curitiba: Juruá, 2009, 180p. ISBN 978-85-362-2548-7.

Taís Sandrim Julião é Mestranda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB (taisjuliao@unb.br).

Meridiano 47

Russia: a new cold war?


Resenha de “Russia: a new cold war?”, organizado por Michel Korinman & John Laughland, por Alessandra Aparecida Luque
30/09/2009
Estendendo-se da Europa à Ásia, com uma trajetória marcada por dois séculos de história, a Rússia busca na atualidade o reconhecimento do seu status como potência e a redefinição da sua identidade enquanto país reemergente depois da imediata crise do pós-Guerra Fria. De império soviético à nação russa, Estado em reconstrução, à luz de tal dualidade, o país que fora palco de grandes transformações revolucionárias, vivenciou nessas quase duas décadas, uma situação de rápida mudança. Frente a essa reconfiguração, velhos dilemas se misturam aos novos desafios reascendendo o debate sobre qual é o papel da Rússia. Dessa forma, terá a Rússia perspicácia e desenvoltura para enfrentar uma ordem em transformação ou se renderá às suas heranças e bases ideológicas soviéticas? Ou ainda buscará um caminho diferente como sugerem alguns autores?

Para tentar responder a estes questionamento, o livro intitulado Russia: a new Cold War? é produto de uma cooperação entre o Daedalos Institute of Geopolitics em Chiore e o OGENI (Geopolitical Observatory for Nations and the World) da Sorbonne em Paris, sendo organizado por Michel Korinman e John Laughlan. Em seu conjunto, é uma coletânea de artigos, cujos assuntos diversos são divididos em nove blocos, os quais de uma maneira ou de outra, buscam refletir acerca da pergunta título da obra e discorrem sobre as movimentações russas do Ocidente ao Oriente. O livro traz ao leitor questões concernentes aos problemas internos como demografia, território, economia, identidade, bem como as perspectivas e desafios à nação russa.

Quatro artigos inauguram a Parte I intitulado “O urso russo e o lobo americano”, os quais discorrem sobre as complexas relações da Rússia com os EUA. Os autores reconhecem a dinâmica contínua de desconfiança mútua entre ambos os países. As duas primeiras exposições- “The Missile Shield Upsets the Balance Between the US and Russia” por Alexander Grushko e “The Long Road to a Russian-American Anti-Ballistic Missile System” por Alexander Karavayev- explicitam o descontentamento russo com relação ao projeto dos escudos antimísseis norte-americano, visto como contrário aos interesses do país. No mesmo compasso, Fyodor Lukyanov em “Fear and Complacency versus Global Stability” demonstra sua relutância e descrença, não apenas com a criação desse projeto, mas com a escala de tensões e diferenças ideológicas entre Moscou e Washington, defendendo a diplomacia comoúnica solução para as controvérsias mútuas. Paralelamente, Pavel Andreev, no paper “Russia and Britain: Upon Finding Ourselves, We May Find Each Other ”, discorre sobre a relação da Rússia com a Grã-Bretanha, vista como um incentivo ao incremento da parceria Rússia-OTAN e considerada pelo autor como um atual vetor político em depressão.

Na parte II- “Rússia Ressurgente”- os autores trabalham com fatores e problemas à nação, como o declínio demográfico decorrente de indicadores desfavoráveis como a baixa fertilidade, alta mortalidade e relevante migração. Tais situações são debatidas porGérard-Françóis Dumont em “Russian Depopulation and Geopolitics” e Anatoly Vishnevsky em “In the Same Boat as the West”, as quais poderão levar ao encolhimento populacional e escassez de trabalho em todos os níveis num futuro não muito distante. O novo conceito de política demográfica debatido no Kremlin ainda não apresenta mudanças reais.

Irina Palilova em “Public Opinion in Russia”, examina a opinião pública da Federação Russa em assuntos referentes ao nível de satisfação aos padrões de vida correntes e à política no país, constatando, no entanto, uma confiança em demasia ao presidente, em contraste a um baixo envolvimento da população na vida política do Estado. Outro desafio analisado diz respeito às reformas militares, no qual OliverCrone em “Putin’s Army: Between Decline, Reform and Revival ”, analisa a nova doutrina militar do Kremlin, bem como os desafios da reforma e modernização do setor bélico como resposta às ingerências dos EUA e da OTAN na região eurasiana. Paralelamente, as fraquezas dos serviços de inteligência da Rússia são ressaltadas em “The Kremlin’s New Spies” por Antoine Colonna, o qual destaca a relevância do serviço de inteligência para a Rússia, representando a mesma importância como em décadas passadas.

Na seqüência, o terceiro conjunto de artigos, “Administrando o território”, apresenta dois textos que discorrem sobre as relações centro (Rússia) e periferia (novos países da CEI) no tocante às dissonâncias entre as novas fronteiras da Federação e as ex-repúblicas soviéticas. Em “Russia’s Territory in the Twenty-First Century”, Vladimir Kagansky aborda o contraste da preservação das estruturas soviéticas (autoridade de Moscou sobre as ex-repúblicas) e o enfraquecimento dos laços entre o Kremlin e as elites regionais. VladimirKolossov em “Building an ‘Administrative Vertical’: Looking for a Delicate Balance in the Relations Between the Centre and the Regions in Russia”, restabelece aspectos históricos dessas ingerências, encontrando no fracasso da Perestroika, a razão do aumento de tensões étnicas e dos movimentos separatistas e nacionais, abrindo caminho para a ameaça da desintegração.

O bloco seguinte, “Rússia para os russos”, discute conceitos e a busca por uma nova identidade, engendrado na transformação pós-soviética, além de analisar o decorrente crescimento dos movimentos nacionalistas no país. Vale mencionar que esses movimentos ganharam impulso com a agenda nacionalista de Putin (1999/2008), diante de campanhas como a anti-Geórgia e aanti-imigração. Face ao exposto, Alexander Verkhovsky em “Changing Russian Nationalisms in Today’s Russia”, analisa a multi-etnicidade russa vista pelos nacionalistas como obstáculo à concretização do slogan, ‘Russia para os russos’, movimentação entendida pelo autor como inconstrutiva e retrógrada. Vladimir Mukomel em “Russia’s Migration Policy: The Ethnic Context ” aborda a nova política de migração do Kremlin com vistas a atrair mão-de-obra, apontando para novos desafios à Rússia com relação a esse processo de transmigração que culminará com a diversificação de populações e culturas e conseqüentes focos de tensões .

Emil Pain em “Nationalism and the Imperial Idea in Russia: Confrontation and Synthesis” analisa o crescimento de grupos extremistas nacionalistas, resultando em uma queda nos níveis de democracia. Moscou tem tentado reconstruir uma identidade pós-soviética por meio do retorno dos símbolos (como bandeira e hino soviéticos), lugares, datas e reconstrução da própria imagem do país como grande poder. Esses fatores são analisados porJutta Scherrer, em “Russia’s New-Old Places of Memory” como objetivo de clamar por um sentimento nacional, patriótico e imperialista. O artigo “Islam and Politics in Russia” de Alexei Malashenko propõe uma análise sobre o islamismo e sua influencia na Política, uma vez que muitos movimentos e organizações emergiram com apelos a ideais e slogans religiosos.

Em “Geo-Economia e Geopolitica”, quinto bloco to livro, os autores discutem às questões do Gás e os projetos russos de distribuição alternativa. Os dois primeiros artigos, embora com enfoques distintos, são devotados ao relacionamento russo-alemão através do projetoNord Stream, visto como essencial ao abastecimento do continente europeu. Dessa forma, Oliver Crone em “Pipeline of Concern: The Russian-German Gas Pipeline Project in the Baltic Sea seen from a Swedish Perspective”, examina, em especial, a perspectiva e os desafios à Suécia, principalmente sobre os planos russos de aumentar sua presença militar no mar Báltico. Tal exemplo revela as divisões entre os membros da União Européia. RolandGotz, por sua vez, no artigo “Germany and Russia- Strategic Partners ?” faz um retrospecto das relações Berlim-Moscou, caracterizadas por uma mistura de sentimentos contraditórios e laços históricos comuns, que ganham na atualidade novos contornos.

Por sua vez, Viatcheslav Avioutskii em “The Gas War Between Russia and Ukraine: A Geostrategic Opposition” analisa a relação assimétrica entre Rússia e Ucrânia, evidenciando a existência de uma dependência mútua (Ucrânia é dependente do gás russo e, ao mesmo tempo, um país trânsito de exportação de gás russo à Europa Oriental), o que explica uma relação marcada por conflitos. Viatcheslav Avioutskii (em seu segundo texto na coletânea) e Nadia Campaner em seus respectivos artigos “Gazprom’s Southern Strategy: The Caucasus and the Black Sea” e em “The Eastern Vector of Russian Oil and Gas Exports: What Impacto n the EU’s Energy Security?” analisam a nova estratégia de energia do Governo e das companhias russas de energia na região do Mar Negro, cujo intuito é diversificar os mercados e as rotas de fornecimento. Uma dessas alternativas é a região da Ásia Pacifico (APR), onde há grande demanda por energia e não requer uma infra-estrutura custosa. Vale mencionar que a projeção das exportações de hidrocarbonetos para a APR não representará, como lembram os autores, uma proporção significativa se comparados aos níveis de exportação à Europa.

Na seção seguinte- “O modelo Kosovo”- Natalia Narochnitskaya em “Thawing the Status of the “Unrecognized”, or Whether Transnistria Sets a Precedent for Kosovo” discute a política geográfica forçosamente imposta pelo desmembramento da URSS, culminando com a divisão da nação russa e um status territorial incompleto. A autora também aborda o papel dos novos estados independentes e o retorno de Moscou à sua ‘missão geopolítica natural’. Esses aspectos levantados abrem caminhos para as discussões realizadas porPredag Simic em “Russia and the Kosovo- Metohija Problem” e Florence Mardirossian em “The Geopolitics of the Southern Caucasus”, os quais discorrem sobre a presença e interesse da Rússia nos Bálcãs, os desencontros Rússia-OTAN na crise de Kosovo e as divergências de interesses russos e ocidentais no Cáucaso, movimentações que correspondem aos principais litígios da relação Washington-Moscou.

Em “The Geopolitics of Armenia Sixteen Years After the Fall of the Soviet Union- an Interview with Serzh Sargsyan, Prime Minister of Armenia”, Gerard François Dumont e Florence Mardirossian realizam uma entrevista com o Primeiro Ministro da Armênia em junho de 2007, o qual discorre sobre as boas relações econômicas do seu país com o Irã, bem como assuntos políticos e de segurança e a contestação com o projeto simbolizado pelo gasodutoBaku-Tbilisi-Ceyhan que contornará o país armênio, fazendo como que este se aproxime ainda mais de Moscou.

Na sétima parte “A Rússia Asiática”, as relações de Moscou com Japão, China e Índia são colocadas em destaque. Abrindo a discussão, Yukiko Kuroiwa em “Russo-Japanese Relations, Stressed by Territorial Dispute” traz à tona as disputa de pequenas ilhas entre russos e japoneses que remontam ao período de confrontação e desconfianças entre japoneses e russos na II Guerra Mundial. As relações entre China e Rússia parecem, no entanto, enfrentar um melhor momento. Otexto “Sino-Russian Relations- According to China de Yike Zhang”, demonstra a ênfase de Moscou e Beijing na cooperação energética. A parceria é importante para ambos os lados na luta pelo multilateralismo, mas possui forças e possibilidades limitadas para construir uma completa aliança antiamericana.

Sobre a relação com a Índia, “The Indo-Russian Strategic Partnership: Past, Present and Future” de Ronak D. Desai foca-se na histórica e atualidade da parceria estratégica russo-indiana, analisando os interesses mútuos, ameaças similares e poderes ascendentes em busca do seu lugar na arena internacional. O autor deixa claro que a intensidade da cooperação russo-indiana apresenta boas perspectivas, encontrando na área energética (sobretudo nuclear) um dos principais pilares dessa parceria. Paralelamente aos debates supracitados,Fabrissi Vielmini em “Russia and Central Asia ” analisa a importância da Ásia Central aos interesses estratégicos russos, uma vez que a região liga a Rússia à China e ao subcontinente indiano, além de fazer parte dos interesses do Kremlin em se tornar um centro de poder na região eurasiana. Diante do contexto, Moscou terá que lidar não apenas com as infiltrações chinesas e norte-americanas na região, mas com as capacidades autônomas que estão ganhando impulso na região. Essas movimentações podem representar focos de tensões e riscos ao futuro da região eurasiana.

O penúltimo bloco “Psychoanalysis and Geopolitics” é composto por um único artigo “Who can understand Russia with his mind?” no qual Theodore Dalrymple discorre sobre as diferenças da Europa Ocidental e da Rússia, diferenças essas de cunho biológico, geográfico, dentre outros aspectos que podem influir, segundo o autor, diretamente nas respectivas culturas e na historia humana de um país.

A última parte denominada “Resenha de Livro” aborda, como sugere seu título, uma revisão da obra “Démographie politique. Le Lois de la géopolitique des populations” de Gerard-François Dumont por Laurent Chalard. A obra que fora resultado de mais de 20 anos de estudo, oferece uma análise geopolítica das populações baseada numa teoria experimental. O autor não se restringe à Europa ou outros países desenvolvidos, mas discute a historia e a contemporaneidade de todas as regiões do mundo, explicando a ligação entre política e demografia. Assim, Dumont busca amparo na geografia para explicar a desintegração da URSS e o crescimento natural negativo da população atual. Diante de tal cenário, o autor conclui que a Rússia não será capaz de se tornar um grande centro de poder como os EUA.

Esse livro traz consigo grandes contribuições ao estudo da Rússia contemporânea, levantando problemas e desafios reais deste país. Muitos do temas por ele tratados são de pouco conhecimento no Brasil que, dentre as nações emergentes, não surge com relevância no conjunto da obra, demonstrando a ênfase regional das preocupações geopolíticas russas e, em termos globais, no intercâmbio com os EUA.Por se tratar de uma coletânea de artigos, revela uma pluralidade de posicionamentos e questionamentos sobre os mais variados assuntos, diante dos quais a pergunta título da obra parece se perder na imensidão de assuntos explorados . Cabe, assim, ao leitor, construir suas próprias conclusões a partir da descrição dos desafios internos e externos russo em seu processo de recomposição como grande potência.


Russia: a new cold war? de Michel Korinman & John Laughland (Orgs) London: Vallentine Mitchell Academic, 2008, 396p. ISBN 978 0 85303 805 8.

Alessandra Aparecida Luque é Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista – UNESP (campus de Marília) e bolsista de Iniciação Científica FAPESP (alessandra.luque@yahoo.com.br).

Meridiano 47