REIS, Carlos Eduardo dos. Dimensões contextuais da educação brasileira: a
educação nas mensagens presidenciais de Getúlio Vargas e Juscelino
Kubitschek (1951-1960). Florianópolis: NUPED, 2011 (118p.)
Jéferson Dantas*
*
Mestre em Educação e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação no Centro de Ciências da
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na linha de investigação Trabalho e Educação. Eamil:
clioinsone@gmail.com.
O historiador Carlos Eduardo dos Reis (1960-) que há muito anos se dedica a discutir
as interfaces entre o conhecimento histórico e a História da Educação, traz à baila em seu
mais recente livro – numa série de seis volumes – os projetos de educação para o Brasil a
partir das mensagens presidenciais. Neste primeiro volume, Reis delimita temporalmente o
seu debate nas mensagens proferidas por Getúlio Dornelles Vargas (1883-1954) e Juscelino
Kubitschek (1902-1976) entre os anos de 1951 e 1960. Logo no início de seu exame
analítico, o historiador abaliza que o ‘processo civilizatório’ em nosso país foi forjado à custa
da violência do trabalho escravo e pela exploração incessante da força de trabalho das
camadas sociais populares (tanto no meio rural como no meio urbano). A educação seria,
pois, a condição essencial para a imposição da ‘ordem’ e do ‘progresso’ a um contingente
populacional banido dos processos de escolarização até as primeiras décadas do regime
republicano.
Reis afirma ainda que o projeto de nação das elites dominantes para o Brasil não
compreendia a educação e a instrução pública como elementos constituintes. Tais elites,
educadas nas universidades europeias ou nos bancos das universidades de Direito do Brasil,
fizeram da “educação a grande abstração histórica que daria conta de construir o país com um
futuro brilhante, desde que fosse branco, civilizado e morigerado” (p. 9). As elites reiteravam
a importância da educação, mas sempre postergando os desafios da mesma para as futuras gerações. A ‘cultura bacharelesca’ foi a tônica da formação em nível superior em nosso país
durante muitas décadas, enquanto a educação básica sofria de intenso processo de indigência
e inanição devido à ausência de investimentos ou recursos públicos.
O fio condutor da narrativa do autor, contudo, não se baseia tão somente nas
mensagens presidenciais, mas num importante debate político que se fazia no Brasil naquele
período, ou seja, a tramitação no Congresso Nacional da primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), que seria aprovada no início da década de 1960 e ficaria conhecida como
Lei 4.024/1961. As discussões relativas à LDB iniciaram-se logo após a segunda guerra
mundial, em 1946, e somente 15 anos depois foi finalmente aprovada. A questão educacional
em tal contexto estava alicerçada na polêmica ‘centralização’ versus ‘descentralização’, ou
em outras palavras, o confronto político explícito entre ‘liberais’ e ‘autoritários’, onde então
se conjugavam as defesas relativas à escola pública ou à escola privada. O udenista Carlos
Lacerda, inimigo político declarado de Vargas, era o principal defensor da perspectiva
privatista no campo educacional.
Getúlio Vargas, em suas primeiras mensagens presidenciais ao assumir o governo em
1951, deixava claro que as suas apostas residiriam no desenvolvimento científico e
tecnológico, cujo momento fulcral foi a criação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior), responsável pelo fomento da pesquisa acadêmica até os dias
atuais, notadamente na Pós-Graduação. Ainda durante a década de 1950, Getúlio Vargas
assinalava a importância da campanha nacional do Livro Didático, além de sua recorrente
preocupação com o estado lamentável do ensino primário, que apresentava, praticamente,
regime de terminalidade após quatro anos de estudos básicos para grande parcela da
população que se escolarizava. Poucos eram os que conseguiam continuar seus estudos em
nível secundário ou quiçá ingressar no ensino superior.
Juscelino Kubitschek, por seu turno, indicava no início do seu mandato em 1956 que
“propunha-se a assistir a todos os tipos de escolas necessárias à formação do homem e
indicava os dois princípios que iriam nortear a ação transformadora de seu governo: a
descentralização administrativa e a flexibilização dos currículos” (p. 59). Todavia, imerso que
estava o país na ‘cultura bacharelesca’, o que se assistiu de fato foi a saturação do ensino
superior e o crescimento desordenado das carreiras profissionais liberais em detrimento das
profissões técnicas. Kubitschek lamentava que a escolarização básica e a sua terminalidade
precoce depois de quatro anos representava um ‘hiato nocivo’, tendo em vista que eram
necessários dois anos para que os/as estudantes se preparassem para ingressar no ensino
secundário. Evidentemente, muitos destes estudantes não prosseguiam os seus estudos, dirigindo-se precocemente ao mundo do trabalho. Em 1958 havia no Brasil mais de 50% de
analfabetos absolutos.
Nesta direção, o ensino primário e o combate ao analfabetismo eram considerados
como ‘a prioridade das prioridades’ do governo JK, pois segundo o presidente os recursos
públicos disponíveis seriam “mais bem aplicados naquele nível de ensino, dando resultados
imediatos na formação de pessoal qualificado para a sua proposta de desenvolvimento” (p.
83). Logo, propunha-se para este setor (ensino primário) experiências em áreas limitadas do
país. De fato, houve uma experiência piloto numa cidade do interior de Minas Gerais (estado
natal do presidente), mas sem maiores consequências para os enormes desafios educacionais
que o Brasil arrostava. Além disso, o ensino secundário continuava sendo o grande gargalo no
processo educacional brasileiro, já que poucos estudantes conseguiam ascender a este nível de
escolarização.
O historiador conclui por meio da análise das mensagens presidenciais que havia, por
certo, um projeto educacional para o Brasil, todavia, longe de merecer a atenção requerida
para uma nação em franco desenvolvimento industrial. A lógica assistencialista e meramente
reativa às demandas de novas escolas e formação adequada de professores constituiu-se numa
cultura perversa e permanente de se encarar a problemática educacional em nosso país. Somase
a isso a concupiscente relação do público com o privado, que permitiu até os dias de hoje o
enriquecimento de grandes grupos privados educacionais, responsáveis por mais de 30% das
publicações didáticas (livros, manuais, apostilas, sistemas de ensino, etc.), denotando uma
nefanda instrumentalidade pedagógica e a desqualificação dos saberes dos/as professores/as.
Se, por um lado, a perspectiva analítica de Reis pode parecer até certa altura pouco
densa, devido à sua opção em escrever um livro dirigido, especialmente, à formação inicial de
professores e professoras, por outro lado, o autor nos revela o ineditismo de compreender um
projeto de educação nacional a partir das mensagens presidenciais. As fontes de pesquisa
analisadas ganham, assim, caráter relevante. Há determinadas lacunas analíticas ou históricas
que poderiam ser mais bem problematizadas, mas nada que desautorize o debate tão atual de
nosso inventário histórico, político e pedagógico. É uma obra que merece ser lida e discutida
nos bancos acadêmicos.
Revista Percursos