COMERFORD, John Cunha. 1999. Fazendo a Luta: Sociabilidade, Falas e Rituais na Construção de Organizações Camponesas. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Núcleo de Antropologia da Política (Coleção Antropologia da Política, 5). 154 pp.
Sérgio Pereira Leite
Professor do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, UFRRJ
O leitor acostumado aos trabalhos voltados para a análise do meio agrário brasileiro, especialmente aqueles centrados na organização social e política dos trabalhadores rurais, certamente notará a originalidade e o esforço bem-sucedido da iniciativa de John Comerford neste seu novo livro. Quinto número da série Coleção Antropologia da Política, a obra constitui-se de cinco capítulos versando sobre diferentes questões relativas a sociabilidade, organização, rituais, processos sociais, lutas políticas comuns a um determinado conjunto de trabalhadores rurais, quer na condição de assentados ou de pequenos agricultores familiares, em distintas regiões do país. Na realidade, como indica o autor na Introdução, neste estudo são resgatados, em primeiro plano, aspectos geralmente percebidos como "irrelevantes", "banais" ou "caricatos" que conformam o processo de organização social de comunidades camponesas.
Longe de prender-se às explicações centradas nos esquemas formais sobre as regras do jogo político e social no ambiente rural, e sem negligenciar a importância de estudos dessa natureza, o autor envereda por um caminho diferente, buscando em situações aparentemente sem importância, como a brincadeira, por exemplo, uma compreensão das formas de "sociação" propriamente dita desses sujeitos tratados no livro, permitindo que as considerações resultantes dessa observação contribuam, também, para a reflexão em torno das possibilidades de atuação de movimentos sociais e organizações políticas no quadro nacional recente. Vale destacar que, apesar de tratar do lúdico como perspectiva de abordagem, a tarefa da qual se incumbe Comerford é extremamente desafiadora e complexa, tratando de retirar o "sério" do "lúdico" e o "lúdico" do "sério", como coloca Moacir Palmeira na apresentação do livro.
Dessa forma Fazendo a Luta embute uma amálgama thompsoniana, no sentido de refletir a "construção" de diferentes processos sociais, posicionamentos políticos e definição de identidades, recolhidos a partir de uma abordagem fina e perspicaz, mesmo quando os objetivos do autor não incluíam necessariamente uma visão voltada à "eficiência" das instituições ou ao comportamento dos "atores políticos". Na realidade, a obra desfia uma série de gerúndios da questão agrária: fazendo a luta; lutando; reunindo; brincando; discursando e ocupando, palavras que intitulam o livro e os respectivos capítulos e que permitem ao leitor vislumbrar o texto como um caleidoscópio: quando se olha a partir de determinada perspectiva tem-se a impressão de que o trabalho é composto por cinco capítulos autônomos (e, em certas passagens, suficientemente abstratos com relação ao material etnográfico pesquisado); mudando o foco e tornando a ver o conjunto, observa-se coerência entre as diferentes partes do livro, costuradas pela preocupação do autor em tratar em profundidade (e, em certos casos, de maneira bastante detalhista e elucidativa) essas situações não convencionais, mas bastante reveladoras da sociabilidade camponesa.
No primeiro capítulo, que trata dos múltiplos significados do termo luta no cotidiano dos trabalhadores rurais, fundamentalmente pequenos agricultores do oeste baiano, "falar que se está (ou se esteve) lutando, e lutando apesar da impossibilidade de 'vencer' ('lutando até morrer', 'a gente luta, luta e fica tudo do mesmo jeito'), é sempre uma afirmação de seu valor, de sua dignidade e respeitabilidade, um testemunho do seu sofrimento, uma forma de negar que nessa situação haja motivo de vergonha" (:29). Igualmente, ao se referirem à luta, os informantes destacam o pertencimento a determinadas organizações e/ou situações sociais, que, como coloca Comerford, dão sentido à existência de uma comunidade. Nesse garimpo no campo simbólico, a luta também refletirá um projeto político, uma estratégia de atuação que extrapola o conflito localizado ou o sofrimento da população pobre do campo. Assim, da moral à religião, da comunidade às organizações sociais, da situação de pobreza à definição de categorias atuantes no universo rural (assalariados, mulheres, pequenos produtores, latifundiários etc.), emergem representações e oposições em que nem sempre é preciso existir o conflito efetivo para se estar "lutando", ou ainda, para retornarmos a Thompson, é justamente na luta que se configuram situações de classe.
A seção seguinte, que tem como base a dissertação do autor sobre um assentamento rural na região norte do Estado do Rio de Janeiro, volta-se para as reuniões no contexto da associação de produtores residentes nesse projeto. Em vez de tratar da forma da organização social em si, ou seja, a própria Associação (ou o Sindicato em outras circunstâncias), o autor busca nas reuniões um momento privilegiado para tratar de questões relativas à participação política, à sociabilidade entre as famílias e moradores da comunidade, aos limites e alcance das resoluções obtidas em assembléias, aos rituais praticados e eventos promovidos durante a realização das reuniões. Como atento observador, Comerford descreve competentemente o "decálogo" de uma reunião (em suas diferentes etapas, da abertura ao encerramento), analisando situações referentes à pauta, à coordenação, à discussão em si, ao público participante (aliás, outro bom momento dessa "análise ilustrada" promovida pelo autor pode ser encontrado na sua "crônica de uma ocupação", no último capítulo). Destacaríamos aqui uma passagem que nos pareceu central: "as dificuldades para promover a participação nas discussões, por exemplo, são vistas recorrentemente como um problema. É relativamente comum ver essas dificuldades atribuídas a alguma espécie de 'carência' do público que comparece a esses eventos (apatia, falta de consciência, falta de informações) ou à falta de técnicas ou métodos adequados para encorajar a fala dos participantes menos acostumados com discussões. Mas o que procuro mostrar aqui é que o que aparece como dificuldade de participação pode ser encarado, de outro ponto de vista, como algo congruente com a dinâmica que as reuniões [...] podem acabar assumindo, e congruente também com uma série de concepções através das quais os participantes percebem as reuniões: concepções de autoridade, de ordem pública, do caráter de eventos coletivos, da forma adequada de 'participar' desses eventos, da natureza do grupo que é celebrado e do caráter da união que é simbolizada" (:72).
É justamente essa capacidade de subverter o viés da análise que permite a Comerford sistematizar oposições que emergem das reuniões (a "equipe de frente", cunhada pelo autor a partir de Goffman, e o público assistente), bem como a busca e a necessidade de consensos que preservem o grau de unidade e representação da organização. Esse movimento, nada linear, é extraído pelo autor das falas e intervenções realizadas dentro e fora das reuniões.
O terceiro capítulo trata da construção social da amizade por meio das brincadeiras estabelecidas entre trabalhadores rurais, em boa parte observadas a partir do assentamento acima mencionado. Tratando dos diferentes tipos de brincadeiras — na realidade provocações que não redundam em ofensas dada a cumplicidade dos participantes desse "jogo" —, o autor traduz sua capacidade de fortalecer laços de amizade e a constituição de um todo indissociável, análogo à mesma capacidade demonstrada pela magia. Não se trata necessariamente de uma relação diádica, mas do estabelecimento de situação prazerosa, mesmo quando o assunto é sério: "A brincadeira, encenação da falta de respeito que simboliza o respeito real entre os que brincam, assume seu lugar no discurso da Associação: ali todos são amigos e, portanto, todos se respeitam e respeitam o conjunto, por isso mesmo todos brincam" (:87), o que inclui uma certa dissimulação entre situações de trabalho e entretenimento. Há aqui um sentido adicional, ressaltado pelo autor, que reporta ao "uso" da brincadeira em situações com maior grau de formalização. Nesses casos, mantida a distância entre os participantes e a preservação de seus respectivos espaços, a brincadeira torna-se um veículo para o controle de situações importantes (do ponto de vista social, político, econômico, moral etc.) e seu domínio constitui-se em um trunfo para a canalização e a geração de energia social.
Os dois últimos capítulos do livro, com fôlego um pouco mais curto do que os anteriores, estão voltados à análise do discurso e ao processo de ocupações (no caso, um prédio público em um município próximo ao assentamento referido anteriormente). Na quarta parte do livro o autor dedica-se à interpretação dos discursos proferidos em clima de eleições sindicais (local/nacional), mas o tema volta a aparecer no quinto capítulo, na análise das intervenções realizadas na ocupação em pauta. No tocante à retórica e à capacidade de moldar a fala e a própria interpretação que deve ser feita coletivamente da mesma, Comerford oferece quatro felizes momentos nos quais questões como a dicotomia nós (trabalhadores, sindicalistas comprometidos etc.) versus eles (governo, proprietários, "pelegos" etc.) aparecem freqüentemente, transfiguradas ainda na intenção do portador da fala de unir-se ao público ao qual se dirige diretamente, anulando o binômio eu/ vocês através da construção sublimada de um nós homogeneizador. Finalmente, no entendimento das ocupações situa um leque de possibilidades, que abrange desde a entrada em propriedades rurais privadas ou públicas que não cumprem com sua função social, até festas comemorativas, passando por romarias, caminhadas, passeatas, acampamentos etc. Na raiz desse processo está a capacidade de visibilidade e o grau de centralidade dessas manifestações, que, bem-sucedidas ou não, contribuem para a construção de uma determinada noção de pertencimento e identidade dos personagens envolvidos, para a problematização do papel dos mediadores e para a interlocução direta com outros segmentos (Estado, proprietário de terras etc.).
Em um rápido balanço da obra em tela é possível admitir a importância da leitura do trabalho de John Comerford, que mescla competência no manejo da literatura antropológica (especialmente da antropologia política) com a experiência com pesquisas no ambiente agrário e suas especificidades. Certamente contribui, justamente por caminhos menos percorridos, para apurar o entendimento dessa realidade complexa e "teimosa" quando se trata de pensar os rumos da chamada "modernização agrícola brasileira". Por outro lado, agrega interpretações oportunas sobre determinados processos sociais, que contrapostas à literatura "convencional", permitem uma problematização desta última, depurando-a e complementando-a.
Revista Mana
Sérgio Pereira Leite
Professor do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, UFRRJ
O leitor acostumado aos trabalhos voltados para a análise do meio agrário brasileiro, especialmente aqueles centrados na organização social e política dos trabalhadores rurais, certamente notará a originalidade e o esforço bem-sucedido da iniciativa de John Comerford neste seu novo livro. Quinto número da série Coleção Antropologia da Política, a obra constitui-se de cinco capítulos versando sobre diferentes questões relativas a sociabilidade, organização, rituais, processos sociais, lutas políticas comuns a um determinado conjunto de trabalhadores rurais, quer na condição de assentados ou de pequenos agricultores familiares, em distintas regiões do país. Na realidade, como indica o autor na Introdução, neste estudo são resgatados, em primeiro plano, aspectos geralmente percebidos como "irrelevantes", "banais" ou "caricatos" que conformam o processo de organização social de comunidades camponesas.
Longe de prender-se às explicações centradas nos esquemas formais sobre as regras do jogo político e social no ambiente rural, e sem negligenciar a importância de estudos dessa natureza, o autor envereda por um caminho diferente, buscando em situações aparentemente sem importância, como a brincadeira, por exemplo, uma compreensão das formas de "sociação" propriamente dita desses sujeitos tratados no livro, permitindo que as considerações resultantes dessa observação contribuam, também, para a reflexão em torno das possibilidades de atuação de movimentos sociais e organizações políticas no quadro nacional recente. Vale destacar que, apesar de tratar do lúdico como perspectiva de abordagem, a tarefa da qual se incumbe Comerford é extremamente desafiadora e complexa, tratando de retirar o "sério" do "lúdico" e o "lúdico" do "sério", como coloca Moacir Palmeira na apresentação do livro.
Dessa forma Fazendo a Luta embute uma amálgama thompsoniana, no sentido de refletir a "construção" de diferentes processos sociais, posicionamentos políticos e definição de identidades, recolhidos a partir de uma abordagem fina e perspicaz, mesmo quando os objetivos do autor não incluíam necessariamente uma visão voltada à "eficiência" das instituições ou ao comportamento dos "atores políticos". Na realidade, a obra desfia uma série de gerúndios da questão agrária: fazendo a luta; lutando; reunindo; brincando; discursando e ocupando, palavras que intitulam o livro e os respectivos capítulos e que permitem ao leitor vislumbrar o texto como um caleidoscópio: quando se olha a partir de determinada perspectiva tem-se a impressão de que o trabalho é composto por cinco capítulos autônomos (e, em certas passagens, suficientemente abstratos com relação ao material etnográfico pesquisado); mudando o foco e tornando a ver o conjunto, observa-se coerência entre as diferentes partes do livro, costuradas pela preocupação do autor em tratar em profundidade (e, em certos casos, de maneira bastante detalhista e elucidativa) essas situações não convencionais, mas bastante reveladoras da sociabilidade camponesa.
No primeiro capítulo, que trata dos múltiplos significados do termo luta no cotidiano dos trabalhadores rurais, fundamentalmente pequenos agricultores do oeste baiano, "falar que se está (ou se esteve) lutando, e lutando apesar da impossibilidade de 'vencer' ('lutando até morrer', 'a gente luta, luta e fica tudo do mesmo jeito'), é sempre uma afirmação de seu valor, de sua dignidade e respeitabilidade, um testemunho do seu sofrimento, uma forma de negar que nessa situação haja motivo de vergonha" (:29). Igualmente, ao se referirem à luta, os informantes destacam o pertencimento a determinadas organizações e/ou situações sociais, que, como coloca Comerford, dão sentido à existência de uma comunidade. Nesse garimpo no campo simbólico, a luta também refletirá um projeto político, uma estratégia de atuação que extrapola o conflito localizado ou o sofrimento da população pobre do campo. Assim, da moral à religião, da comunidade às organizações sociais, da situação de pobreza à definição de categorias atuantes no universo rural (assalariados, mulheres, pequenos produtores, latifundiários etc.), emergem representações e oposições em que nem sempre é preciso existir o conflito efetivo para se estar "lutando", ou ainda, para retornarmos a Thompson, é justamente na luta que se configuram situações de classe.
A seção seguinte, que tem como base a dissertação do autor sobre um assentamento rural na região norte do Estado do Rio de Janeiro, volta-se para as reuniões no contexto da associação de produtores residentes nesse projeto. Em vez de tratar da forma da organização social em si, ou seja, a própria Associação (ou o Sindicato em outras circunstâncias), o autor busca nas reuniões um momento privilegiado para tratar de questões relativas à participação política, à sociabilidade entre as famílias e moradores da comunidade, aos limites e alcance das resoluções obtidas em assembléias, aos rituais praticados e eventos promovidos durante a realização das reuniões. Como atento observador, Comerford descreve competentemente o "decálogo" de uma reunião (em suas diferentes etapas, da abertura ao encerramento), analisando situações referentes à pauta, à coordenação, à discussão em si, ao público participante (aliás, outro bom momento dessa "análise ilustrada" promovida pelo autor pode ser encontrado na sua "crônica de uma ocupação", no último capítulo). Destacaríamos aqui uma passagem que nos pareceu central: "as dificuldades para promover a participação nas discussões, por exemplo, são vistas recorrentemente como um problema. É relativamente comum ver essas dificuldades atribuídas a alguma espécie de 'carência' do público que comparece a esses eventos (apatia, falta de consciência, falta de informações) ou à falta de técnicas ou métodos adequados para encorajar a fala dos participantes menos acostumados com discussões. Mas o que procuro mostrar aqui é que o que aparece como dificuldade de participação pode ser encarado, de outro ponto de vista, como algo congruente com a dinâmica que as reuniões [...] podem acabar assumindo, e congruente também com uma série de concepções através das quais os participantes percebem as reuniões: concepções de autoridade, de ordem pública, do caráter de eventos coletivos, da forma adequada de 'participar' desses eventos, da natureza do grupo que é celebrado e do caráter da união que é simbolizada" (:72).
É justamente essa capacidade de subverter o viés da análise que permite a Comerford sistematizar oposições que emergem das reuniões (a "equipe de frente", cunhada pelo autor a partir de Goffman, e o público assistente), bem como a busca e a necessidade de consensos que preservem o grau de unidade e representação da organização. Esse movimento, nada linear, é extraído pelo autor das falas e intervenções realizadas dentro e fora das reuniões.
O terceiro capítulo trata da construção social da amizade por meio das brincadeiras estabelecidas entre trabalhadores rurais, em boa parte observadas a partir do assentamento acima mencionado. Tratando dos diferentes tipos de brincadeiras — na realidade provocações que não redundam em ofensas dada a cumplicidade dos participantes desse "jogo" —, o autor traduz sua capacidade de fortalecer laços de amizade e a constituição de um todo indissociável, análogo à mesma capacidade demonstrada pela magia. Não se trata necessariamente de uma relação diádica, mas do estabelecimento de situação prazerosa, mesmo quando o assunto é sério: "A brincadeira, encenação da falta de respeito que simboliza o respeito real entre os que brincam, assume seu lugar no discurso da Associação: ali todos são amigos e, portanto, todos se respeitam e respeitam o conjunto, por isso mesmo todos brincam" (:87), o que inclui uma certa dissimulação entre situações de trabalho e entretenimento. Há aqui um sentido adicional, ressaltado pelo autor, que reporta ao "uso" da brincadeira em situações com maior grau de formalização. Nesses casos, mantida a distância entre os participantes e a preservação de seus respectivos espaços, a brincadeira torna-se um veículo para o controle de situações importantes (do ponto de vista social, político, econômico, moral etc.) e seu domínio constitui-se em um trunfo para a canalização e a geração de energia social.
Os dois últimos capítulos do livro, com fôlego um pouco mais curto do que os anteriores, estão voltados à análise do discurso e ao processo de ocupações (no caso, um prédio público em um município próximo ao assentamento referido anteriormente). Na quarta parte do livro o autor dedica-se à interpretação dos discursos proferidos em clima de eleições sindicais (local/nacional), mas o tema volta a aparecer no quinto capítulo, na análise das intervenções realizadas na ocupação em pauta. No tocante à retórica e à capacidade de moldar a fala e a própria interpretação que deve ser feita coletivamente da mesma, Comerford oferece quatro felizes momentos nos quais questões como a dicotomia nós (trabalhadores, sindicalistas comprometidos etc.) versus eles (governo, proprietários, "pelegos" etc.) aparecem freqüentemente, transfiguradas ainda na intenção do portador da fala de unir-se ao público ao qual se dirige diretamente, anulando o binômio eu/ vocês através da construção sublimada de um nós homogeneizador. Finalmente, no entendimento das ocupações situa um leque de possibilidades, que abrange desde a entrada em propriedades rurais privadas ou públicas que não cumprem com sua função social, até festas comemorativas, passando por romarias, caminhadas, passeatas, acampamentos etc. Na raiz desse processo está a capacidade de visibilidade e o grau de centralidade dessas manifestações, que, bem-sucedidas ou não, contribuem para a construção de uma determinada noção de pertencimento e identidade dos personagens envolvidos, para a problematização do papel dos mediadores e para a interlocução direta com outros segmentos (Estado, proprietário de terras etc.).
Em um rápido balanço da obra em tela é possível admitir a importância da leitura do trabalho de John Comerford, que mescla competência no manejo da literatura antropológica (especialmente da antropologia política) com a experiência com pesquisas no ambiente agrário e suas especificidades. Certamente contribui, justamente por caminhos menos percorridos, para apurar o entendimento dessa realidade complexa e "teimosa" quando se trata de pensar os rumos da chamada "modernização agrícola brasileira". Por outro lado, agrega interpretações oportunas sobre determinados processos sociais, que contrapostas à literatura "convencional", permitem uma problematização desta última, depurando-a e complementando-a.
Revista Mana