Globalização e competição
Pierre Salama
HÁ NÃO MUITO tempo, a maioria dos economistas considerava que as economias latino-americanas tinham ingressado numa nova fase: mais crescimento do que no passado, menos volatilidade, uma diminuição das desigualdades, um aumento na potência das bolsas de valores caracterizadas como emergentes e, por fim, menos vulnerabilidade aos choques externos. Quando a crise financeira surgiu com a brutalidade conhecida nos países desenvolvidos, esses mesmos economistas pensaram que essas economias seriam pouco afetadas, que suas conjunturas ficariam "desatreladas" daquela dos países industrializados, e para alguns – os mais audaciosos em termos de otimismo cego –, que elas poderiam facilitar a retomada das economias industrializadas graças ao seu crescimento constante. E então, no último trimestre de 2008 e durante todos os três primeiros meses de 2009, foi preciso abaixar o tom. A queda dos mercados financeiros emergentes foi severa em 2008, o crescimento em geral despencou e o crescimento industrial tornou-se francamente negativo e as moedas sofreram depreciações expressivas em relação ao dólar.
Esses mesmos economistas declararam que ninguém havia previsto essa crise (?) e explicaram a seu respeito que, uma vez em andamento, era lógica, inevitável, provocada pelos laços mais próximos destas economias com as outras em decorrência do processo rápido de globalização financeira e comercial, seguindo nisso as últimas publicações – aliás, muito instrutivas – do Fundo Monetário Internacional (FMI) (cf. Crisis and recovery, 2009). Logo em seguida, alguns desses economistas, ah quão temerários, e alguns políticos decididamente otimistas além do razoável, entreveem o fim do túnel no qual se engolfaram essas economias com a recuperação das bolsas, a retomada dos fluxos das matérias-primas, a valorização das moedas em relação ao dólar e o desempenho positivo dos saldos das balanças comerciais tanto no Brasil como na Argentina, declarando que "o mais difícil" já havia passado, e que o futuro anunciava-se róseo novamente.
É verdade que a situação havia melhorado desde o início dos anos 2000 nos três principais países latino-americanos: Brasil, México e Argentina. Em certa medida, essas economias não funcionam mais tanto como "economia cassino" como durante os anos 1990, e portanto conseguem reduzir a dependência do fechamento de suas contas externas da manipulação de suas taxas de juros, graças a uma melhora, às vezes sensível, exceto no México, de suas posições externas. Mas essa melhora é superficial e não atinge o essencial. Na realidade, com a abertura acentuada à economia mundial as fraquezas dessas economias apareceram com mais nitidez e seus efeitos se fazem sentir mais duramente com o contágio financeiro internacional. Essas economias estão numa situação preocupante neste início de milênio, sobretudo se as compararmos com as dos países asiáticos. Não se trata somente de uma questão de taxas de crescimento, bem mais elevadas na Ásia (com a exceção notável da Argentina) do que na América Latina, mas da qualidade do crescimento. As economias latino-americanas estão defasadas tanto na indústria quanto nos serviços. A História – com um grande H – acontece em outro lugar: na Ásia. As economias latino-americanas são vulneráveis porque não exportam tantos bens sofisticados, e são mais sensíveis à conjuntura internacional porque se abriram mais. Mais precisamente, no conjunto, a América Latina está ficando atrasada em relação a outros países, especialmente os asiáticos. De fato, podemos afirmar que, com a exceção de alguns setores, esses países não souberam se adaptar às transformações experimentadas pela economia mundial nestes últimos 25 anos (grandes inovações tecnológicas na informática e nas telecomunicações, importantes inovações financeiras). Suas vantagens comparativas reveladas mostram-se inferiores a 1, tanto na indústria quanto nos serviços, enquanto na China elas situam-se bem além de 1 para a indústria. É o que explica que as exportações da China, em relação às exportações mundiais, tenham passado de 1% para quase 8% em 2007, enquanto as do Brasil aumentem muito levemente e situem-se sempre em torno de 1% como em... 1979. Os países asiáticos souberam adaptar-se às inovações tecnológicas e beneficiar-se de vários deslocamentos da produção industrial. Ao efetivar esforços de pesquisa desenvolvimentista e em geral impor encadeamentos para trás (os "backward linkage effects" caros a Hirschman e a Perroux), eles conseguiram integrar suas produções ao mesmo tempo em que se abriam mais ao exterior e também flexibilizar seu aparato industrial na direção de produtos de tecnologia mais avançada e de valor agregado mais alto, com grande elasticidade da demanda em relação ao lucro. Não é o caso dos principais países latino-americanos. O esforço para a pesquisa não esteve à altura dos investimentos assim como suas políticas industriais. Mais que ao aumento de suas receitas de exportação provenientes do maior fluxo de matérias-primas e do crescimento dos volumes desses produtos, o surgimento de saldos positivos da balança comercial se deve a uma maior competitividade dos produtos de média e baixa tecnologias, com a exceção de alguns setores como a aeronáutica para o Brasil. Isso equivale a dizer que, ao contrário dos países asiáticos, especialmente os dragões hoje e a China amanhã, a competitividade assenta-se mais na elasticidade dos preços do que sobre o lucro. Seu potencial fica, portanto, mais limitado do que se fosse direcionado para produtos tecnologicamente sofisticados e muito requisitados no âmbito mundial.
É desses problemas que trata o livro de Bresser-Pereira publicado na França. Ele é composto de seis capítulos. O primeiro trata do Estado-nação na globalização; o segundo, da estratégia nacional de desenvolvimento; o terceiro, do novo desenvolvimentismo versus a ortodoxia convencional; o quarto, da tendência à valorização das moedas nacionais na América Latina ao contrário do que é observado na China; o quinto, da "Dutch Disease"; e, finalmente, o último, da crítica do crescimento com poupança externa. Um leitor familiarizado com os trabalhos de Bresser-Pereira reconhecerá seus temas prediletos, pois cada um desses capítulos está fortemente inspirado em artigos já publicados, o último deles em parceria com Paulo Gala. Mas não se trata de uma compilação de artigos, reunidos tais quais, com as repetições implícitas a esse tipo de exercício. Os artigos foram reelaborados, o que já estava desenvolvido em um foi suprimido no outro, algumas partes foram desenvolvidas, outras reduzidas; enfim, o conjunto foi atualizado à luz da mais recente atualidade. É, portanto, um trabalho original que nos é oferecido por Bresser-Pereira.
Como todos sabem, Bresser-Pereira tem uma tripla experiência: a de um executivo – ele foi um dos diretores de uma grande rede de supermercados –, a de um dirigente político que exerceu funções da maior responsabilidade em momentos particularmente difíceis no Brasil, e, finalmente, a de um teórico da economia. A originalidade de Bresser-Pereira é dupla: ele nunca abandonou o terreno acadêmico e sempre prestou contas de suas atividades de empresário e de político quando procurava compreender e teorizar. É essa múltipla originalidade que se destaca em seu último livro. Bresser-Pereira sabe "do que fala" quando evoca o que faz e o que poderia fazer um empresário: por experiência, ele conhece as dificuldades da tomada de decisão quando o contexto global é pouco favorável e sabe quão decisivas podem ser certas escolhas. Talvez seja graças a ter usado "três chapéus" que Bresser-Pereira não se encerre em modelos matemáticos, em geral distantes da realidade a tal ponto que seus criadores esquecem as hipóteses simplificadoras a partir das quais foram elaborados. É por esse motivo que Bresser-Pereira prefere em seu livro remeter-se aos grandes pensadores da economia e confrontar seus métodos de abordagem mesmo tendo que se valer dos filósofos e dos historiadores. Sem ser iludido por esses modelos, como acontece frequentemente com vários economistas, Bresser-Pereira move-se com destreza entre várias disciplinas, permanecendo essencialmente um economista. Ele exerce assim com felicidade a interdisciplinaridade, como se pode constatar no primeiro capítulo de seu livro, com uma exceção, porém: a abordagem sociológica é praticamente ignorada. Talvez seja por essa omissão que o trabalho, as condições de trabalho e o emprego sejam evocados apenas acessoriamente ao longo dos capítulos. Talvez seja uma crítica inapropriada a esse livro, pois, afinal de contas, escrever é escolher, e Bresser-Pereira desejou, sem dúvida, enfatizar nesse livro os temas que lhe parecem os mais importantes para compreender o crescimento débil, como os efeitos perniciosos do Consenso de Washington, os efeitos perversos da alta da taxa de juros, da valorização da taxa de câmbio, a maldição proveniente da exploração das matérias-primas – a famosa "Dutch Disease" – , o sonho tornando-se pesadelo da poupança externa. Mas, seja como for, não podemos deixar de lamentar a ausência de um capítulo em torno das relações entre as finanças, a distribuição de renda, as fracas taxas de investimento produtivo e, em consequência, o crescimento medíocre.
As relações finanças-distribuição de renda são úteis de analisar por três motivos: o primeiro é que a partir delas podemos compreender por que os salários reais se desconectaram da evolução da produtividade do trabalho. Dessa desconexão decorrem duas consequências interligadas: os investimentos dirigidos ao mercado interno não são bastante atraentes em razão das desigualdades de rendimentos muito altos e dos rendimentos muito baixos de mais da metade da população e a aposta de substituir a dinâmica do mercado externo enfraquecido pela do mercado interno, com a ajuda de crédito facilitado às categorias de rendimentos mais baixos, para lutar contra a crise, é difícil de ganhar sem reformas mais amplas no plano fiscal. O segundo é que, com a "financeirização", é mais rentável investir nesse setor do que no produtivo, por um lado; e por outro, no balanço das sociedades, a parcela consumida pela remuneração dos passivos financeiros é constituída em detrimento daquela destinada ao investimento. O terceiro motivo, finalmente, é que é raro encontrar economistas que estejam procurando estabelecer esse tipo de relação: os financistas se ocupam das finanças; os economistas, do trabalho, do emprego e dos salários. Poucos são aqueles que buscam demonstrar as relações entre esses dois polos: finanças e distribuição. Era, portanto, uma oportunidade a ser aproveitada.
Feitas essas observações, as análises de Bresser-Pereira ao longo desse livro sempre conduzem a medidas concretas. Exemplifiquemos: a taxa de câmbio estando valorizada, as consequências são baixo valor agregado, dificuldade de produzir bens de alta tecnologia e diminuição de rendimento do capital. Medidas que devem ser tomadas: controle de capitais, financiamento do crescimento pela poupança interna (e sobretudo não pela externa), taxas de juros mais baixas e administração da taxa de câmbio.
Trata-se de um livro importante, podemos não estar de acordo com este ou aquele ponto, mas isso não é o que importa. O mais importante é que ele rompe com o mainstream – a ortodoxia convencional segundo Bresser-Pereira – e propõe um novo desenvolvimentismo que não seja a cópia pálida do antigo, com um objetivo: que a América Latina não acentue o atraso já assumido ontem em relação aos tigres asiáticos; anteontem, aos dragões asiáticos; hoje, à China; e já amanhã, à Índia. Um livro a ser lido.
Tradução de René Lenard.
Pierre Salama é doutor em Economia pela Universidade Paris-Sorbonne, professor da Universidade Paris XIII, membro do Conselho Científico e do Conselho de Relações Internacionais da mesma universidade. É autor de vários livros, entre eles, no Brasil: Pobreza e exploração do trabalho na América Latina (Boitempo, 2002). @ – salama@univ-paris13.fr
Revista Estudos Avançados
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