Carlos Eduardo Lins Da Silva
A concorrência ao capitalismo acabou. Mas, segundo o economista Lester Thurow, do prestigioso Massachusetts Institute of Technology (MIT), suas fundações estão sendo abaladas como nunca.
Thurow, 57, está com livro novo na praça. Como quase todos os seus trabalhos anteriores (como "A Sociedade de Soma Zero", de 1980) , "The Future of Capitalism" (O Futuro do Capitalismo) também causa celeuma.
Ao longo de 327 páginas, Thurow desenvolve uma analogia em que o capitalismo é comparado à crosta terrestre, de acordo com a teoria geológica das placas tectônicas. Essa teoria afirma que a crosta da Terra é dividida em placas e cada uma dessas placas está em constante movimento, invisível em relação às demais, todas afetando-se reciprocamente.
As "placas econômicas" atuais são cinco, segundo Thurow: a conversão do mundo comunista ao capitalismo, o avanço da indústria tecnológica como a principal da economia, as rápidas alterações da demografia mundial, a globalização do processo econômico e a ausência de uma liderança político-militar dominante no mundo.
O movimento dessas placas exige dramáticas mudanças estruturais porque: um terço da população da Terra está sendo incorporada ao sistema capitalista, o capital físico deixou de ser o ativo estratégico essencial, o número de idosos improdutivos e de migrantes desajustados aumenta de maneira exponencial, governos nacionais e empresas multinacionais estão em constantes atritos e há um vácuo de poder na política internacional.
A situação do capitalismo atual é similar, de acordo com Thurow, à do peixe do provérbio chinês, que está sendo puxado para fora d'água e se sacode freneticamente para encontrar o caminho de volta para a água.
"Nessa condição, o peixe nunca pergunta aonde cada um dos seus movimentos vai levá-lo. Ele só sente que sua posição atual é intolerável e que qualquer coisa precisa ser tentada", diz Thurow.
Duas das publicações mais respeitadas por economistas e empresários nos EUA, o jornal "The New York Times" e a revista semanal "Business Week", publicaram resenhas demolidoras sobre o livro. Em resumo, Thurow está sendo classificado por seus críticos como, entre outros adjetivos, pessimista, populista e estatista.
Em entrevista exclusiva à Folha, Thurow se defende. Diz que não é pessimista, que suas previsões de grandes problemas para o capitalismo dependem da disposição das pessoas para mudanças.
"Aposto como as pessoas vão entender que é fundamental mudar e vão mudar. Só se você achar que as coisas vão continuar como estão é que meu livro pode ser interpretado como pessimista."
Não é o que pensa o jornalista Anthony Gottlieb, da importante revista britânica "The Economist". Para Gottlieb, Thurow já abre o seu livro com o uso alarmista de estatísticas positivas.
"Pode-se dizer que uma taxa de crescimento capaz de dobrar a riqueza mundial em uma geração é impressionante. Mas o sr. Thurow acha um jeito de fazer a atual performance do capitalismo parecer não apenas decepcionante, mas um arauto do desastre", afirma Gottlieb.
Os números que Thurow usa são estes: na década de 1960 a economia mundial cresceu a 5% reais ao ano, na de 70 essa taxa caiu para 3,6%, nos anos 80 para 2,8% e na década atual não vai passar de 2%.
Para Thurow, eles mostram que o capitalismo "perdeu 60% do seu momentum" em duas décadas. Para Gottlieb, indicam que se a economia mundial continuar crescendo 2% ao ano ao longo de 35 anos, ela vai dobrar no período.
Thurow argumenta estar mostrando uma tendência de desaquecimento agravada por circunstâncias políticas e que, como o jogo mudou, se novas regras e novas estratégias não forem adotadas, há graves riscos pela frente.
"O perigo não é que o capitalismo vá implodir, como o comunismo. Sem um competidor viável para o qual as pessoas possam correr ao se sentirem desapontadas pelo modo como o capitalismo as trata, ele não pode se autodestruir", diz Thurow.
Thurow cita exemplos de sistemas econômicos sem competidores que, mesmo assim, desapareceram após terem ficado paralisados por séculos: o faraonismo egípcio, o imperialismo romano, o mandarinismo chinês, o feudalismo europeu. "A estagnação é o perigo, não o colapso."
Ele chama o atual momento econômico de "período de equilíbrio pontuado", equivalente ao que na escala evolucionista marcou o fim do domínio dos dinossauros sobre a Terra e a ascensão dos mamíferos.
"De novo, o pessimismo. Períodos de equilíbrio pontuado são momentos de grande otimismo e pessimismo. O problema é que enquanto eles ocorrem, ninguém sabe quem é o dinossauro e quem é o mamífero", diz Thurow.
Para quem o critica por ser pouco específico em suas recomendações, Thurow diz que este não é o momento de se discutir detalhes. Antes, a maioria das pessoas precisa se convencer da necessidade de mudar atitudes. "O primeiro passo é admitir que estamos indo no caminho errado."
Ele acha imprescindível o domínio ideológico do que chama de "mentalidade do construtor". Isso quer dizer: as pessoas precisam pensar na construção de um mundo que vai sobreviver à morte delas. Gastar menos e poupar mais para construir o futuro é a sua palavra de ordem máxima.
Thurow acha que entre as prioridades máximas para escapar da crise estão: investir em infra-estrutura e em educação, eliminar a cultura do consumismo e da auto-indulgência, revigorar laços de solidariedade.
"Em algum sentido, os valores do capitalismo estão em guerra com o capitalismo", afirma Thurow. "Há 30 anos, qualquer graduado em administração de empresas perguntado qual a chave do sucesso de um negócio responderia que era o trabalho em equipe. Hoje, esse conceito é risível."
As empresas se tornaram esquizofrênicas, segundo Thurow, pois mantêm o discurso da importância de "jogar no mesmo time", mas, ao mesmo tempo, mostram que, na prática, vale mesmo é o "salve-se quem puder".
As demissões em massa em grandes corporações mostram que a noção de equipe desapareceu, de acordo com Thurow.
Ele também rechaça as críticas segundo as quais seu novo livro advoga uma economia dirigida pelo Estado: "As mudanças que eu proponho não devem ocorrer só em nível de governo. Elas também precisam ocorrer nas empresas e nos indivíduos".
Thurow compara a mudança social com a batalha entre água e rocha: "A cada dia, as rochas vencem. As ondas batem contra elas e aparentemente nada acontece. Mas nós sabemos com absoluta certeza que um dia cada uma dessas rochas estará transformada em grãozinhos de areia. Todo dia as ondas perdem. Mas no longo prazo elas vencem".
Ele incita seus leitores a terem o desejo e a persistência de Cristóvão Colombo e sua tripulação: "Como eles, estamos todos a bordo desta nave chamada capitalismo, navegando em direção a um mundo novo e incerto".
Foi a obstinação de Colombo e seus homens que lhes permitiu acertar apesar de estarem errados, diz Thurow. Em vez de terem chegado à Ásia, como imaginavam, descobriram a América e ela estava cheia de ouro. "A moral da história é que é importante ser esperto, é ainda mais importante ter sorte, mas ainda mais importante é ser obstinado", afirma Thurow.
Um comentário:
Caro Carlos eduardo,
Tenho na minha lista de livros a serem lidos o "sociedade de soma zero". Você acha que vale pena ser lido ou o atual torna a leitura dispensável?
Gostaria de saber de você leu e se tem alguma opinião sobre o livro de Fernando Iglesias: La modernidad Global.
Parabéns por sua resenha.
João Gratuliano
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