12/Dez/98
Wilson Cano
GEOGRAFIA; GLOBALIZAÇÃO
Esse livro resulta de seminário recente (Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro), quando se reuniram 17 especialistas para discutir a "globalização". Contém ensaios e comentários voltados para diversos ângulos do tema, com algumas posturas teóricas e metodológicas diversas, o que torna a obra mais instigante, notadamente entre o último ensaio, regulacionista, e a crítica de seus comentadores.O livro começa bem, citando Galbraith: "Nós, americanos, inventamos este conceito (globalização) para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países. E para tornar respeitáveis os movimentos especulativos de capital, que sempre são causas de graves problemas". Já era hora de voltarmos a criticar o besteirol bastante apregoado durante o regime militar, de que "o que é bom para os EUA é bom para o Brasil". Mas não pára aí o andamento da obra, que atinge em cheio outro mito, o da "inevitabilidade em aceitarmos os ditames neoliberais das instituições internacionais", comandadas pelos EUA. Além de criticar a submissão externa assumida pelo Brasil e pela maioria dos países latino-americanos na atual década, adverte também as elites brasileiras sobre o amargo destino que espera parte delas, aquela que inevitavelmente quebrará à medida que aumentar o ardor da fogueira que representa a crise atual.O primeiro ensaio, de José Luís Fiori, representa o aprofundamento das pesquisas e reflexões do autor sobre o tema geral e a crise internacional. Inicia com síntese crítica sobre as premissas teóricas neoclássicas e institucionalistas que "explicam" a crise "asiática", apresentando suas reais determinações econômicas e políticas. Mostra o crucial papel da desvalorização cambial do dólar a partir dos acordos de Plaza (1985) e do Louvre (1987), nas flutuações das moedas do Japão, da China, dos "tigres" (Coréia do Sul, Hong Kong, Formosa, Cingapura), "gansos" (Malásia, Indonésia, Tailândia, Filipinas), desnudando as verdadeiras raízes da "manifestação asiática" da crise.Lembra a trajetória dos "milagres" japonês e dos Novos Países Industrializados (NIC), a partir de decisões ostensivas dos EUA, diante da competição da ex-URSS, estimulando o desenvolvimento ("a convite") de seus novos aliados diretos -Japão a partir de 1947 e Coréia a partir de 1952- e indiretos, como a China, que, mediante seu "isolacionismo", ajudou objetivamente a conter a URSS. A partir da segunda metade da década de 80, a política norte-americana mudaria, apoiando ainda mais a China, agora para conter o desenvolvimentismo dos NIC asiáticos e a liderança econômica do Japão, pressionando cada vez mais pela abertura dos mercados e suas desregulamentações e desestabilizando financeiramente aquela área.Fiori conclui, fazendo instigante especulação sobre algumas lições e possibilidades futuras: a) composição China-Japão para enfrentar o poder de EUA-Comunidade Econômica Européia; b) instituição de uma "estabilidade da incerteza", a partir de drástica intervenção dos Estados nacionais sobre os sistemas financeiros privados, para tentar evitar o colapso de uma crise geral; c) sucesso da política norte-americana do "movimento em pinça", com a qual provocaria enorme transferência de riqueza dos "tigres" e "gansos", tal como faz com a América Latina; d) um eventual sucesso da política dos EUA sobre o Japão e NIC, permanecendo a China como a última "fronteira do nacionalismo"; e) a de que o imperialismo, sob a égide do capital financeiro, alcance o sucesso total, formando uma "ordem liberal global", paradoxalmente totalitária.Maria da Conceição Tavares e Luiz E. Melin enfatizam a globalização financeira, discutindo sua origem, na década de 70, com a crise do dólar. Mostram: a) seu alastramento espacial, com a dolarização do mercado financeiro internacional e a supremacia do papel dos EUA, tornando as instituições internacionais (o FMI) secundárias; b) a piora na distribuição da renda causada por esse fenômeno e o aumento dos juros, ampliador das dívidas públicas; c) as reais causas imediatas das recentes manifestações da crise, como sendo não os "fundamentos" do "mainstream" e sim a alavancagem financeira que os grupos privados fazem, bem acima de seus patrimônios.Após denunciar os EUA como "o maior beneficiário e fautor da nova desordem internacional", ao agir não só como um clássico imperialismo, mas também com um padrão de verdadeiro "gangsterismo" internacional, indagam sobre qual seria o espaço, diante da globalização, para uma política nacional de desenvolvimento econômico. Terminam afirmando que, de uma certa forma (tímida e talvez apenas transitória), o Brasil resiste parcialmente à nova ordem, em seu projeto de consolidar o Mercosul, lutar contra a Alca e o Acordo Multilateral de Investimentos e de manter "alguma" regulamentação sobre o capital estrangeiro.Em "O Pensamento Único e o Marxista Distraído", Ignacio Ramonet (diretor do jornal "Le Monde Diplomatique") analisa o tema pela ótica da "informação global" e "homogeneização cultural", que está descaracterizando as culturas nacionais. Mostra que a enorme concentração, econômica e de poder, de reduzido número de grandes empresas está acelerando a privatização das decisões públicas em áreas sensíveis como educação, saúde, cultura e meio ambiente. Aponta ainda que a massa de informações, que hoje está disponível e sendo "bombardeada" a todo instante pelos mais diversos meios de comunicação, excede largamente nossa capacidade física de percepção.Seus comentaristas são Emir Sader e Paulo Arantes, ambos ampliando a crítica à lógica do pensamento único. O primeiro centra suas observações sobre o poder mistificador do "economicamente correto" e das "explicações" diárias dadas pelo jornalismo econômico. O segundo, tomando a expressão "regime globalitário", de Ramonet, aprofunda as críticas sobre essa nova forma de totalitarismo, mostrando que a globalização, a título de "liberalizar", converte as nações em "sociedades sem oposição", e investe ainda contra o "economicismo fundamentalista" e o marxismo vulgar.O quarto ensaio, de Paul Hirst, mostra que o fenômeno da globalização não apresenta hoje grandes novidades, quando comparado com os períodos 1870-1914 e 1945-1973, em que eram elevados os coeficientes de comércio e de exportação de capitais. Mostra ainda que, da forma como hoje operam, os mercados financeiros são ingovernáveis, e isto não só diminui a autonomia da política econômica quanto, especificamente, praticamente anula a possibilidade da política keynesiana.Luiz G. Belluzzo comenta a insegurança que sentimos (nesta crise), resultante do avanço da "mercantilização e da concorrência, como critérios dominantes da integração e do reconhecimento social", o que representa a tentativa de renascimento do "homo economicus" do século 18. Paulo Nogueira Batista Jr. mostra a ideologia da globalização como algo conveniente aos governos medíocres, para isentar-lhes a responsabilidade, diante da "inevitabilidade" dos fatos. Reinaldo Gonçalves apresenta algumas discordâncias com o autor, referentes ao conceito e determinantes atuais da globalização, bem como com a relação "livre comércio/ fluxos de capital estrangeiro". Embora julgue corretas suas observações, Gonçalves não dá ênfase aos seguintes fatos: a) grande parte do investimento direto de 1983 para cá constitui apenas transferência de propriedade (privada e pública); b) o avanço da unificação européia e a constituição da Nafta, por exemplo, são formas veladas de protecionismo regionalizado.O texto de Robert Castel, tomando a Europa e a França como exemplos, discute as transformações da "Sociedade Salarial" no período entre a segunda metade do século 18 e o atual, mostrando a conquista de direitos que criou a "segurança do trabalho", para aqueles que jamais disporiam da "segurança da propriedade". Vendo a grande precariedade do mercado de trabalho, insiste na necessidade de resistir e lutar pela manutenção da "centralidade social do trabalho". Seus três comentadores -Cibele Rezek, Cláudio Salm e José R. Tauile- aprofundam essas reflexões para o caso brasileiro, mostrando as maiores fragilidades de seu mercado de trabalho.Robert Boyer tenta explicar as crises dos anos 70, 80 e 90 pela teoria da regulação, vendo os processos "fordistas" nacionais e suas crises, bem como a relação do crescimento da produtividade e dos salários (benigna ou maligna) com o consumo de massa. Seus críticos -Carlos Medeiros, Luciano Coutinho e Sulamis Dain- são unânimes, centralizando a discussão nos seguintes pontos: a) a análise regulacionista não considera a retomada da hegemonia dos EUA como o fator fundamental do pós-1979; b) o fim do "fordismo" não pode ser a base da explicação da crise, e os três momentos têm situações muito distintas e relações salariais diferentes e contraditórias com a explicação regulacionista; c) não se pode, a partir de situações e regulações nacionais, buscar uma interpretação global para a crise; d) a regulação "pelo mercado", nos EUA, como afirma Boyer, tem, na verdade, enorme peso do Estado.
Wilson Cano é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas e autor de "Introdução à Economia" (Ed. Unesp).
Folha de São Paulo
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