Amílcar Baiardi
BEINHOCKER, Eric D. The origin o f wealth. Boston: Harvard Business School Press, 2007, 527 pgs.
Poucos livros receberam tantos elogios quando do lançamento como A origem da Riqueza, de Eric Beinhocker , considerado pelo autor como uma radical reconstrução da economia e do seu significado para a sociedade. Para o Washington Post, é "uma brilhante peça da história intelectual" e, para o Financial Time, "um brilhante pensamento provocador e raro livro em termos de abrangência". Indo à sua gênese, que se poderia esperar de uma reunião na qual estivessem presentes renomados físicos, matemáticos, outros cientistas das chamadas "áreas duras" e biólogos, unidos todos pelo propósito de estudar sistemas complexos, explicar o que é a vida e propor mudanças no approach epistemológico, o qual deixaria de ser top down para ser botton-up e com um viés holístico? Aparentemente, nada que tivesse relação direta com a economia e com a sociedade, correto? Não. Errado. Não se restringiram as reflexões e conclusões obtidas aos campos temáticos do grupo original.
Ademais, os exercícios intelectuais dessa comunidade científica _ conduzidos em Los Alamos, no Santa Fé Institute, nas proximidades de onde nasceu a Big Science que deu origem ao Projeto Manhattan _ chamaram a atenção de um grupo de pesquisadores, dessa vez economistas descontentes com as análises da economia tradicional sobre os fenômenos contemporâneos da acumulação capitalista. Então, esse grupo de economistas se insinuou para participar das discussões e atraiu para elas historiadores, sociólogos, antropólogos, psicólogos, etc. Essa nova composição interdisciplinar fez com que os avanços _ no terreno da biologia, do funcionamento do cérebro, dos ecossistemas e da internet _ se estendessem também ao terreno das ciências sociais, alcançando-se, assim, uma primeira proposta, qual seja a de que a sociedade humana, por si só, é um macro-sistema complexo, formado por sub-sistemas que são também bastante complexos.
Os passos que se seguiram em temos de reflexões, no que tange às ciências humanas, foram no sentido de mostrar que toda a complexidade tem suas raízes em uma combinação entre as chamadas tecnologias físicas, TFs, e as tecnologias sociais, TSs, as quais, para Beinhocker, são o acúmulo de conhecimento sobre como produzir, apropriado pela sociedade, e não o que se convenciona denominar, no Brasil, como técnicas toscas, desprovidas de complexidade e passíveis de serem utilizadas por agentes produtivos privados de conhecimento avançado e de capital. Pois bem, a combinação das TFs com as TSs, em um processo de história biológica cheia de colapsos e extinções, seguidas de recriações, segundo o autor, funda e re-funda instituições como mercado, a ciência e a organização política.
Até esse ponto, o livro de Beinhocker não sinaliza para os grandes riscos planetários, o que começa a ser feito quando ele associa os conceitos de riqueza e de progresso com a curva de adoção de tecnologias produtivas, a partir de 1750, com o início da Revolução Industrial. O apocalíptico enfoque que o livro passa a expor tem sua inspiração maior em um diálogo do autor com um chefe tribal Massai, no Kenya. Desse diálogo, Beinhocker intui que os complexos sistemas natureza e sociedade poderiam continuar em harmonia se o conceito de riqueza e as tecnologias sociais fossem equivalentes aos adotados pelos Massai, os quais possibilitam que as aberturas do sistema produtivo não cheguem a desorganizar a natureza como sistema fechado, mantendo as atividades produtivas em um nível de baixa entropia.
Entretanto, não é isso o que se observa, uma vez que, desde a instauração da escravidão, foram implantados padrões de relações de produção com formação de excedentes e surgimento da riqueza. Mais tarde, quando, pela via do Iluminismo, surge o conceito de progresso, muito discutível segundo o autor, dá-se a potencialização do uso das TSs, cujo ritmo não pára de crescer desde o século XVIII, fazendo com que a humanidade, em apenas 0,01 do seu tempo de existência, já tenha gerado entropia de magnitude ameaçadora para os demais sistemas complexos, o que a obriga, em determinados casos, a reagir com adaptações que retro-alimentam os desequilíbrios de todos tipos.
Em sua viagem à história, para demonstrar que a ambição pela riqueza, associada ao imperativo do progresso e à curva de adoção de TSs, são as determinantes das ameaças planetárias do presente, Beinhocker aprofunda-se na teoria econômica para demonstrar que a economia tradicional perde cada vez mais a capacidade de explicar o contemporâneo e faz um didático quadro comparativo para os conceitos de dinâmica, agentes, redes, emergência e evolução, vistos pela economia tradicional e vistos pelo grupo de economistas que aderiu ao paradigma das complexidades, criando a Economia da Complexidade.
Entretanto, o livro de Beinhocker não continua pessimista. Em seu oitavo capítulo, destinado a analisar as diferenças entre Politics e Policy, o início da convergência ideológica em nome da racionalidade, o papel da cultura e, no melhor estilo weberiano, a propensão humana de encontrar soluções pela via da cooperação, Beinhocker faz predições otimistas. Para ele, a humanidade caminha para uma sociedade pensante, uma sociedade de cérebros, que buscará resolver os problemas de desequilíbrios e ineqüidades, entre eles convencer a China e a Índia a não seguirem o caminho do ocidente industrializado em termos de consumo de bens e de energia, como convencer esse último a definir e a adotar novos padrões de bem estar que não comprometam a natureza, entre eles a re-conceituação da riqueza e do progresso. Nesse grande pacto, inspirado pelo paradigma da complexidade, estaria presente também a inclusão econômica e social dos 650 milhões de habitantes da África sub-Saariana. Segundo o autor, nesse grande acordo, as instituições criadas pelo homem adotarão visões de longo prazo, endereçadas às necessidades da sociedade global, a serem alcançadas mediante um amplo e sustentável caminho. Dessa forma, para Beinhocker, estaremos pondo em prática o que disse Edmund Burke, quando definiu a sociedade como uma parceria não somente entre os que estão vivos, mas também com aqueles que já morreram e com os que ainda irão nascer.
Amílcar Baiardi. Professor Titular da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. É professor Permanente dos seguintes programas de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia: Administração, Filosofia e História da Ciência e Pesquisador do CNPq.
Cadernos CRH
BEINHOCKER, Eric D. The origin o f wealth. Boston: Harvard Business School Press, 2007, 527 pgs.
Poucos livros receberam tantos elogios quando do lançamento como A origem da Riqueza, de Eric Beinhocker , considerado pelo autor como uma radical reconstrução da economia e do seu significado para a sociedade. Para o Washington Post, é "uma brilhante peça da história intelectual" e, para o Financial Time, "um brilhante pensamento provocador e raro livro em termos de abrangência". Indo à sua gênese, que se poderia esperar de uma reunião na qual estivessem presentes renomados físicos, matemáticos, outros cientistas das chamadas "áreas duras" e biólogos, unidos todos pelo propósito de estudar sistemas complexos, explicar o que é a vida e propor mudanças no approach epistemológico, o qual deixaria de ser top down para ser botton-up e com um viés holístico? Aparentemente, nada que tivesse relação direta com a economia e com a sociedade, correto? Não. Errado. Não se restringiram as reflexões e conclusões obtidas aos campos temáticos do grupo original.
Ademais, os exercícios intelectuais dessa comunidade científica _ conduzidos em Los Alamos, no Santa Fé Institute, nas proximidades de onde nasceu a Big Science que deu origem ao Projeto Manhattan _ chamaram a atenção de um grupo de pesquisadores, dessa vez economistas descontentes com as análises da economia tradicional sobre os fenômenos contemporâneos da acumulação capitalista. Então, esse grupo de economistas se insinuou para participar das discussões e atraiu para elas historiadores, sociólogos, antropólogos, psicólogos, etc. Essa nova composição interdisciplinar fez com que os avanços _ no terreno da biologia, do funcionamento do cérebro, dos ecossistemas e da internet _ se estendessem também ao terreno das ciências sociais, alcançando-se, assim, uma primeira proposta, qual seja a de que a sociedade humana, por si só, é um macro-sistema complexo, formado por sub-sistemas que são também bastante complexos.
Os passos que se seguiram em temos de reflexões, no que tange às ciências humanas, foram no sentido de mostrar que toda a complexidade tem suas raízes em uma combinação entre as chamadas tecnologias físicas, TFs, e as tecnologias sociais, TSs, as quais, para Beinhocker, são o acúmulo de conhecimento sobre como produzir, apropriado pela sociedade, e não o que se convenciona denominar, no Brasil, como técnicas toscas, desprovidas de complexidade e passíveis de serem utilizadas por agentes produtivos privados de conhecimento avançado e de capital. Pois bem, a combinação das TFs com as TSs, em um processo de história biológica cheia de colapsos e extinções, seguidas de recriações, segundo o autor, funda e re-funda instituições como mercado, a ciência e a organização política.
Até esse ponto, o livro de Beinhocker não sinaliza para os grandes riscos planetários, o que começa a ser feito quando ele associa os conceitos de riqueza e de progresso com a curva de adoção de tecnologias produtivas, a partir de 1750, com o início da Revolução Industrial. O apocalíptico enfoque que o livro passa a expor tem sua inspiração maior em um diálogo do autor com um chefe tribal Massai, no Kenya. Desse diálogo, Beinhocker intui que os complexos sistemas natureza e sociedade poderiam continuar em harmonia se o conceito de riqueza e as tecnologias sociais fossem equivalentes aos adotados pelos Massai, os quais possibilitam que as aberturas do sistema produtivo não cheguem a desorganizar a natureza como sistema fechado, mantendo as atividades produtivas em um nível de baixa entropia.
Entretanto, não é isso o que se observa, uma vez que, desde a instauração da escravidão, foram implantados padrões de relações de produção com formação de excedentes e surgimento da riqueza. Mais tarde, quando, pela via do Iluminismo, surge o conceito de progresso, muito discutível segundo o autor, dá-se a potencialização do uso das TSs, cujo ritmo não pára de crescer desde o século XVIII, fazendo com que a humanidade, em apenas 0,01 do seu tempo de existência, já tenha gerado entropia de magnitude ameaçadora para os demais sistemas complexos, o que a obriga, em determinados casos, a reagir com adaptações que retro-alimentam os desequilíbrios de todos tipos.
Em sua viagem à história, para demonstrar que a ambição pela riqueza, associada ao imperativo do progresso e à curva de adoção de TSs, são as determinantes das ameaças planetárias do presente, Beinhocker aprofunda-se na teoria econômica para demonstrar que a economia tradicional perde cada vez mais a capacidade de explicar o contemporâneo e faz um didático quadro comparativo para os conceitos de dinâmica, agentes, redes, emergência e evolução, vistos pela economia tradicional e vistos pelo grupo de economistas que aderiu ao paradigma das complexidades, criando a Economia da Complexidade.
Entretanto, o livro de Beinhocker não continua pessimista. Em seu oitavo capítulo, destinado a analisar as diferenças entre Politics e Policy, o início da convergência ideológica em nome da racionalidade, o papel da cultura e, no melhor estilo weberiano, a propensão humana de encontrar soluções pela via da cooperação, Beinhocker faz predições otimistas. Para ele, a humanidade caminha para uma sociedade pensante, uma sociedade de cérebros, que buscará resolver os problemas de desequilíbrios e ineqüidades, entre eles convencer a China e a Índia a não seguirem o caminho do ocidente industrializado em termos de consumo de bens e de energia, como convencer esse último a definir e a adotar novos padrões de bem estar que não comprometam a natureza, entre eles a re-conceituação da riqueza e do progresso. Nesse grande pacto, inspirado pelo paradigma da complexidade, estaria presente também a inclusão econômica e social dos 650 milhões de habitantes da África sub-Saariana. Segundo o autor, nesse grande acordo, as instituições criadas pelo homem adotarão visões de longo prazo, endereçadas às necessidades da sociedade global, a serem alcançadas mediante um amplo e sustentável caminho. Dessa forma, para Beinhocker, estaremos pondo em prática o que disse Edmund Burke, quando definiu a sociedade como uma parceria não somente entre os que estão vivos, mas também com aqueles que já morreram e com os que ainda irão nascer.
Amílcar Baiardi. Professor Titular da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. É professor Permanente dos seguintes programas de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia: Administração, Filosofia e História da Ciência e Pesquisador do CNPq.
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