quinta-feira, 1 de abril de 2010

Teoria social en la Arqueologia Latinoamericana Contemporanea


Zarankin, Andrés e Acuto, Félix A. (Eds). Sed non satiata. Teoria social en la Arqueologia Latinoamericana Contemporanea, Buenos Aires, Ediciones del Tridente, Colección Científica, 1999, 287 pp (mapas, ilustrações).

Francisco Silva Noelli
Professor do Departamento de Fundamentos da Educação - UEM


Este livro reúne pessoas que buscam "o que ainda não foi respondido" e "saciar" a insatisfação intelectual de um grupo de pesquisadores no âmbito da Arqueologia na América Latina. Seu conteúdo é a demonstração cabal de que as idéias e discussões Pós-Processuais, dentro do enfoque da teoria social contemporânea, encontraram adeptos muito bem preparados em um ambiente acadêmico no qual ainda predomina a abordagem histórico-culturalista, o evolucionismo e, em menor proporção, a Arqueologia Processual. Os organizadores do volume, em nome dos autores, dizem que "en definitiva, desde nuestra perspectiva la arqueología es una ciencia social, ya que su objetivo es estudiar la dinâmica de la vida social y la producción cultural de individuos y sociedades. Por lo tanto, y coincidiendo con Shanks y Tilley (1987), creemos que la teoría arqueológica es teoría social" (: 8). Seu inconformismo é tão grande quanto o daqueles jovens e insatisfeitos arqueólogos fundadores da New Archaeology. Se no início dos anos 60 buscava-se uma abordagem mais científica e antropológica, no início dos anos 90 procurava-se abordagens mais politizadas em torno do confronto entre classes sociais, do exercício do poder, das questões de gênero, da etnicidade, da circulação econômica, da sexualidade, da relação com o ambiente e da própria inserção do arqueólogo como ator no meio acadêmico e social. Eles procuram fugir das explicações normativas e monolíticas fora do "consenso ortodoxo" (Giddens, 1984), bem como de eventuais "receitas de bolo", dirigindo-se intrépidos em busca da dinâmica da vida social e da produção cultural, defendendo a posição de que não há mais observações teóricas neutras. Como não poderia deixar de ser, este livro abre um espaço para o debate sobre aspectos esquecidos ou ignorados pelos paradigmas dominantes na Arqueologia latino-americana e manifesta a clara intenção de estabelecer a abertura de um espaço para abordagens alternativas e para eventuais debates.

O livro contém o resultado de pesquisas inovadoras realizadas em lugares distintos da Argentina, Uruguai, Brasil e Ilhas Shetland do Sul, bem como uma análise sobre a caracterização da posição teórica de viés marxista na Arqueologia social latino-americana. O resumo dos artigos revela a diversidade de Sed non satiata.

La Arqueologia social latinoamericana: caracterización de una posición teórica marxista, de Patricia Fournier. Trata-se de uma resenha do desenvolvimento histórico da arqueologia marxista na América Latina, destacando-a como uma das tendências teóricas que em certo momento mudou significativamente a abordagem arqueológica em diversos países, principalmente no Peru, Venezuela, República Dominicana, México e Cuba. De modo analítico e crítico, este trabalho pontua as principais idéias e conceitos empregados na abordagem das teorias marxistas em diversas áreas de interesse arqueológico.

Paisaje y dominación: la constituición del espacio social en el Imperio Inka, de Felix A. Acuto, emprega a noção de que o espaço socialmente construído atua ativamente sobre a constituição dos seres sociais. O trabalho de Acuto postula que a manipulação do espaço e a construção de paisagens particulares foi um importante mecanismo de dominação empregado pelo império Inca, que visava a imposição de sua cosmovisão e a reprodução de algumas práticas e relações sociais a fim de formar atores sociais culturalmente mais identificados com o Tawantinsuyu.

Etnicidad, identidad y cultura material: um estúdio del Cimarrón Palmares, Brasil, siglo XVII, de Pedro Paulo A. Funari, é um estudo de revisão baseado no emprego dos conceitos de etnicidade e identidade no caso específico dos assentamentos de escravos de Palmares, nordeste brasileiro. O autor parte do princípio de que a cultura material é um elemento ativo no processo da construção da sociedade, base de sua análise crítica das abordagens tradicionais, na qual mostra vários indícios de que Palmares foi um conjunto de agrupamentos multiétnicos (negros, indígenas, mestiços e europeus), que mantinha diversos laços econômicos com latifundiários e pessoas comuns de áreas próximas.

Análisis del uso del espacio en "San Francisco de Borja del Yí" (Departamento de Florida, Uruguay), de Carmen Curbelo, discute a natureza da formação e da dissolução dos assentamentos com "Guarani-missioneiros" (1833-1862), provenientes das missões jesuíticas da Provínica do Paraguay. O foco do trabalho, a partir de correntes cognitivas da Arqueologia e conceitos da École des Annales, é uma análise da estruturação espacial do assentamento.

Distancia, espacio y negociaciones tensas: el intercambio de objetos en Arqueologia, de Marisa Lazzari, partindo da revisão e discussão do conceito de "intercâmbio" na Arqueologia, estabelece que há a necessidade de repensá-lo diante das idéias derivadas da Teoria Social. Os objetos e o espaço são considerados como recursos que constituem tanto a condição prévia como o meio para a ação social, o que obriga a pensá-los como um campo específico das reações de poder e da estruturação da vida social.

Conquista ritual y dominação política en el Tawantinsuyu. El caso de Los Amarillos (Jujuy, Argentina), de Axel E. Nielsen e William H. Walker, é um artigo que estuda um aspecto pouco abordado academicamente sobre a dominação Inca, denominado pelos autores como "conquista ritual". Ela implica a manipulação dinâmica, usurpação, reorganização e destruição de objetos e práticas das sociedades submetidas pelo Tawantinsuyu. Também é analisado o caso do sítio arqueológico Los Amarillos, onde se estabelece a viabilidade do contraste arqueológico que possui o estudo das relações de poder ligadas com aspectos rituais.

Arqueologia histórica y expansión capitalista. Prácticas cotidianas y grupos operariosen la Península Byers, Isla Livingston, Isla Shetland del Sur, de Maria X. Senatore e Andrés Zarankin. Trata-se do estudo da incorporação da Antártida ao sistema capitalista no início do século XIX e as estratégias desenvolvidas para tanto. Especificamente, busca analisar as práticas cotidianas de grupos operários que atuaram nas Ilhas Shetland, discutindo como, apesar de os trabalhadores serem portadores de práticas disciplinares capitalistas, criaram táticas que de algum modo lhes permitiram resistir ao poder próprio do qual eles mesmos eram representantes.

El huevo e la serpiente: una Arqueología del capitalismo embrionario en el Río de Janeiro del siglo XIX, de Tânia A. Lima, é um estudo integral que caracteriza o surgimento, a consolidação e a cosmovisão da sociedade burgesa do Rio de Janeiro ao longo do século XIX, por meio do estudo das práticas cotidianas e da cultura material a ela associada (funerais, higiene corporal, preparação e consumo de alimentos, entre outros). Essa investigação mostra como práticas aparentemente desconectadas integram um mesmo processo no desenvolvimento do sistema capitalista.

Casa tomada: sistema, poder y vivienda doméstica, de Andrés Zarankin. Trata-se do estudo do desenvolvimento do sistema capitalista e da sua influência na estruturação do espaço nas casas familiares de Buenos Aires em um período de 250 anos. O autor mostra a arquitetura como uma tecnologia do poder, ideologicamente orientada e que influi ativamente na socialização e formação dos atores sociais.

La construcción de un espacio colonial: paisaje y relaciones sociales en el antiguo Valle de Cotahau (Provincia de Catamarca, Argentina), de Laura Quiroga, é a análise das estratégias de ocupação espanhola de uma área marginal do território colonial. O objetivo é dar conta das relações sociais e a sua inter-relação com a construção da paisagem colonial. Ela propõe que, através do rol simbólico e coercitivo da arquitetura e dos assentamentos que conformavam a dita paisagem, se exercia um controle e domínio sobre os âmbitos domésticos e as práticas cotidianas nos quais os sujeitos produzem e reproduzem as bases da sua existência.

Em suma, Sed non satiata inclui-se entre uma já considerável e permanente produção "pós-processualista" na América Latina, revelando o caráter marcadamente cosmopolita e internacional de vários dos seus autores, alguns já plenamente integrados ao World Archaelogical Congress. Este livro está no rol de uma série de publicações que dão uma amostragem da produção renovadora e profundamente crítica que se estabeleceu com muita luta no conservador campo acadêmico latino-americano (Funari; Neves & Podgorny, 1999).

Bibliografia

FUNARI, P. P.; NEVES, E. & PODGORNY, I. 1999 Anais da I Reunião Internacional de Teoria Arqueológica na América do Sul, São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia ¾ USP, Suplemento 3.

GIDDENS, A. 1984 The constitution of society, Cambridge, Polity Press.

Revista de Antropologia

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