Graça Druck
ANTUNES, Ricardo (Org). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, 528p. Coleção Mundo do Trabalho.
Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, organizado por Ricardo Antunes, é uma obra que responde para "onde foi o mundo do trabalho no Brasil", pois apresenta um diagnóstico da reestruturação produtiva do trabalho no país em suas diferentes modalidades e segmentos, na área da indústria e serviços. Um conjunto de pesquisas empíricas, resultantes de monografias, dissertações e teses, permite desnudar a realidade do capitalismo brasileiro, subordinado, na visão dos autores, a uma mundialização sob a hegemonia do capital financeiro e das políticas neoliberais, que impõem as regras do livre mercado como uma fatalidade econômica.
Os artigos reunidos na primeira parte do livro – A explosão do desemprego e as distintas modalidades de precarização do trabalho – analisam as principais tendências da reestruturação do capital sob a égide da mundialização, apontando a centralidade do desemprego "global", da flexibilização e da precarização do trabalho como fenômenos dominantes e como estratégias de dominação nessa nova fase do capital. Nos textos, fica claro que a desregulamentação, sob a roupagem da flexibilidade, tem franqueado ao capital a total liberdade para demitir, redefinir horários e jornadas de trabalho, implementar salários flexíveis e variáveis, substituir empregados efetivos por temporários e terceirizar todas as suas atividades. Essas são práticas permitidas e incentivadas pelas mudanças na legislação trabalhista, tanto em países europeus, a exemplo da Inglaterra, Itália e França, como no Brasil. Essa tendência – só vem aprofundar a "hifenização" da classe-que-vive-do-trabalho, conforme é denominada por Antunes. No caso brasileiro, Pochmann, um dos autores da coletânea, afirma que o país atravessa a maior crise de desemprego de sua história e que a maior parte das vagas abertas no mercado de trabalho é de ocupações precárias (por conta própria, autônomos, trabalho de cooperativas, dentre outros). Ele analisa a dinâmica da desigualdade entre os desempregados com base nas estatísticas oficiais, desmistificando o discurso sobre a falta de qualificação como responsável pelo desemprego, já que as taxas de desemprego cresceram mais entre os que têm maior rendimento e maior escolaridade.
Na segunda parte – As formas diferenciadas da reestruturação produtiva do capital e a nova morfologia do trabalho –, estão reunidos os estudos empíricos que comprovam o quadro mais geral da flexibilização e precarização, constatado na reestruturação das empresas da indústria automotiva, calçadista e têxtil, que se difunde para o trabalho nos serviços, especialmente no setor bancário – público e privado – e nos mais recentes processos de violenta taylorização associados à revolução tecnológica de base microeletrônica, através da informatização, cujo exemplo maior está nos trabalhadores de telecomunicações e de telemarketing. Esse último setor é constituído, em sua maioria, por mulheres, obrigadas a se submeter a uma rigorosa e permanente vigilância dos supervisores, que trabalham sob uma constante pressão do cliente e das metas de produtividade, submersas num alucinante tempo quase ininterrupto de trabalho, o que resulta num crescente adoecimento físico e mental dessas trabalhadoras.
Outro conjunto de pesquisas apresentado, nessa segunda parte, trata do "trabalho do artista", analisado não como arte no sentido de livre criação, mas nas formas de assalariamento, como no caso estudado de prestigiadas e reconhecidas orquestras públicas (no Brasil e na França), cuja situação atual, referente a seus "funcionários", não escapa a uma condição insegura e instável de trabalho, mesmo que regulado por contratos. Ou o caso do espetáculo lírico, também contaminado por novas estratégias de investimento e de gestão, em que os cantores, na condição de autônomos e prestadores de serviços, também se inserem numa relação precária de trabalho.
Ainda como conseqüência da flexibilização, analisa-se, na obra, a reconfiguração da informalidade no Brasil, com o aumento das formas tradicionais e a diversidade das modalidades contemporâneas, a exemplo dos trabalhadores terceirizados, temporários, por conta própria e cooperativados, apresentando-se uma crítica às formulações que tratam os pequenos negócios, o trabalho autônomo e as cooperativas como formas alternativas de organização do trabalho, numa clara ilusão sobre a possibilidade de um "socialismo com mercado".
Na terceira e última parte do livro – Dimensões da crise do sindicalismo: caminhos e descaminhos –, os textos debatem a crise no âmbito nacional e internacional, enfatizando o novo caráter da crise dos sindicatos, sob o impacto dos desdobramentos da acumulação flexível e os movimentos grevistas que, mesmo isolados e localizados, indicam a resistência dos trabalhadores à perda de direitos provocada pela flexibilização. No caso brasileiro, os textos discutem a trajetória do sindicalismo na era neoliberal, a natureza da sua crise, expressa no "viés burocrático-corporativo", que não consegue organizar a classe hifenizada.
E, como parte de uma ação sindical adaptada aos novos tempos liberais, é apresentado um debate sobre a legitimação que as centrais sindicais deram ao projeto de formação e qualificação profissional proposto pelo governo.
Antunes encerra essa última seção analisando a flexibilização da legislação do trabalho como parte da estratégia do capital mundializado, com o objetivo de derrubar todas as formas de regulação sobre o trabalho, ou seja, a desconstrução de direitos sociais duramente conquistados pelos trabalhadores. No Brasil, discute a proposta de reforma sindical e trabalhista apresentada pelo Governo Lula, inscrita nesse mesmo quadro de flexibilização. Destaca alguns pontos da reforma sindical, para demonstrar que ela vem para restringir a liberdade e a autonomia dos sindicatos.
Em síntese, Riqueza e Miséria do Trabalho consegue desnudar o "avesso do trabalho" no Brasil e é uma comprovação da possibilidade efetiva (ainda hoje existente) da realização – e riqueza – de um trabalho coletivo de pesquisa, que reúne diferentes trajetórias, como a de jovens pesquisadores, ao lado de estudiosos mais maduros, numa mesma perspectiva de crítica radical ao atual estado do mundo do trabalho, com o objetivo de transformar esse mundo, construindo uma alternativa teórica e prática ao capital.
Graça Druck. Doutora em C. Sociais pela Unicamp. Professora Adjunta do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e C. Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - FFCH/UFBA Universidade Federal da Bahia, Pesquisadora do Centro de Recursos Humanos/UFBA, Pesquisadora do CNPq. Especialista em estudos na área de Sociologia do Trabalho. Vários trabalhos publicados em livros e em revistas acadêmicas, dentre eles o livro Terceirização: (Des)Fordizando a Fábrica - um estudo do complexo petroquímico da Bahia, Editora Boitempo/Edufba, 1999 e 2001; A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização, Editora Boitempo, 2007. druck@ufba.br
ANTUNES, Ricardo (Org). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, 528p. Coleção Mundo do Trabalho.
Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, organizado por Ricardo Antunes, é uma obra que responde para "onde foi o mundo do trabalho no Brasil", pois apresenta um diagnóstico da reestruturação produtiva do trabalho no país em suas diferentes modalidades e segmentos, na área da indústria e serviços. Um conjunto de pesquisas empíricas, resultantes de monografias, dissertações e teses, permite desnudar a realidade do capitalismo brasileiro, subordinado, na visão dos autores, a uma mundialização sob a hegemonia do capital financeiro e das políticas neoliberais, que impõem as regras do livre mercado como uma fatalidade econômica.
Os artigos reunidos na primeira parte do livro – A explosão do desemprego e as distintas modalidades de precarização do trabalho – analisam as principais tendências da reestruturação do capital sob a égide da mundialização, apontando a centralidade do desemprego "global", da flexibilização e da precarização do trabalho como fenômenos dominantes e como estratégias de dominação nessa nova fase do capital. Nos textos, fica claro que a desregulamentação, sob a roupagem da flexibilidade, tem franqueado ao capital a total liberdade para demitir, redefinir horários e jornadas de trabalho, implementar salários flexíveis e variáveis, substituir empregados efetivos por temporários e terceirizar todas as suas atividades. Essas são práticas permitidas e incentivadas pelas mudanças na legislação trabalhista, tanto em países europeus, a exemplo da Inglaterra, Itália e França, como no Brasil. Essa tendência – só vem aprofundar a "hifenização" da classe-que-vive-do-trabalho, conforme é denominada por Antunes. No caso brasileiro, Pochmann, um dos autores da coletânea, afirma que o país atravessa a maior crise de desemprego de sua história e que a maior parte das vagas abertas no mercado de trabalho é de ocupações precárias (por conta própria, autônomos, trabalho de cooperativas, dentre outros). Ele analisa a dinâmica da desigualdade entre os desempregados com base nas estatísticas oficiais, desmistificando o discurso sobre a falta de qualificação como responsável pelo desemprego, já que as taxas de desemprego cresceram mais entre os que têm maior rendimento e maior escolaridade.
Na segunda parte – As formas diferenciadas da reestruturação produtiva do capital e a nova morfologia do trabalho –, estão reunidos os estudos empíricos que comprovam o quadro mais geral da flexibilização e precarização, constatado na reestruturação das empresas da indústria automotiva, calçadista e têxtil, que se difunde para o trabalho nos serviços, especialmente no setor bancário – público e privado – e nos mais recentes processos de violenta taylorização associados à revolução tecnológica de base microeletrônica, através da informatização, cujo exemplo maior está nos trabalhadores de telecomunicações e de telemarketing. Esse último setor é constituído, em sua maioria, por mulheres, obrigadas a se submeter a uma rigorosa e permanente vigilância dos supervisores, que trabalham sob uma constante pressão do cliente e das metas de produtividade, submersas num alucinante tempo quase ininterrupto de trabalho, o que resulta num crescente adoecimento físico e mental dessas trabalhadoras.
Outro conjunto de pesquisas apresentado, nessa segunda parte, trata do "trabalho do artista", analisado não como arte no sentido de livre criação, mas nas formas de assalariamento, como no caso estudado de prestigiadas e reconhecidas orquestras públicas (no Brasil e na França), cuja situação atual, referente a seus "funcionários", não escapa a uma condição insegura e instável de trabalho, mesmo que regulado por contratos. Ou o caso do espetáculo lírico, também contaminado por novas estratégias de investimento e de gestão, em que os cantores, na condição de autônomos e prestadores de serviços, também se inserem numa relação precária de trabalho.
Ainda como conseqüência da flexibilização, analisa-se, na obra, a reconfiguração da informalidade no Brasil, com o aumento das formas tradicionais e a diversidade das modalidades contemporâneas, a exemplo dos trabalhadores terceirizados, temporários, por conta própria e cooperativados, apresentando-se uma crítica às formulações que tratam os pequenos negócios, o trabalho autônomo e as cooperativas como formas alternativas de organização do trabalho, numa clara ilusão sobre a possibilidade de um "socialismo com mercado".
Na terceira e última parte do livro – Dimensões da crise do sindicalismo: caminhos e descaminhos –, os textos debatem a crise no âmbito nacional e internacional, enfatizando o novo caráter da crise dos sindicatos, sob o impacto dos desdobramentos da acumulação flexível e os movimentos grevistas que, mesmo isolados e localizados, indicam a resistência dos trabalhadores à perda de direitos provocada pela flexibilização. No caso brasileiro, os textos discutem a trajetória do sindicalismo na era neoliberal, a natureza da sua crise, expressa no "viés burocrático-corporativo", que não consegue organizar a classe hifenizada.
E, como parte de uma ação sindical adaptada aos novos tempos liberais, é apresentado um debate sobre a legitimação que as centrais sindicais deram ao projeto de formação e qualificação profissional proposto pelo governo.
Antunes encerra essa última seção analisando a flexibilização da legislação do trabalho como parte da estratégia do capital mundializado, com o objetivo de derrubar todas as formas de regulação sobre o trabalho, ou seja, a desconstrução de direitos sociais duramente conquistados pelos trabalhadores. No Brasil, discute a proposta de reforma sindical e trabalhista apresentada pelo Governo Lula, inscrita nesse mesmo quadro de flexibilização. Destaca alguns pontos da reforma sindical, para demonstrar que ela vem para restringir a liberdade e a autonomia dos sindicatos.
Em síntese, Riqueza e Miséria do Trabalho consegue desnudar o "avesso do trabalho" no Brasil e é uma comprovação da possibilidade efetiva (ainda hoje existente) da realização – e riqueza – de um trabalho coletivo de pesquisa, que reúne diferentes trajetórias, como a de jovens pesquisadores, ao lado de estudiosos mais maduros, numa mesma perspectiva de crítica radical ao atual estado do mundo do trabalho, com o objetivo de transformar esse mundo, construindo uma alternativa teórica e prática ao capital.
Graça Druck. Doutora em C. Sociais pela Unicamp. Professora Adjunta do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e C. Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - FFCH/UFBA Universidade Federal da Bahia, Pesquisadora do Centro de Recursos Humanos/UFBA, Pesquisadora do CNPq. Especialista em estudos na área de Sociologia do Trabalho. Vários trabalhos publicados em livros e em revistas acadêmicas, dentre eles o livro Terceirização: (Des)Fordizando a Fábrica - um estudo do complexo petroquímico da Bahia, Editora Boitempo/Edufba, 1999 e 2001; A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização, Editora Boitempo, 2007. druck@ufba.br
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