quinta-feira, 1 de abril de 2010

The Archaeology of Ethnicity. Constructing identities in the past and present


Siân Jones, The Archaeology of Ethnicity. Constructing identities in the past and present. Londres, Routledge, 1997, 180p.

Pedro Paulo A. Funari
Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP


A Antropologia e as Ciências Humanas, em geral, têm discutido, nas últimas três décadas, ao menos, as noções de identidade étnica e etnicidade e o livro de Siân Jones procura demonstrar as implicações dessas reflexões para os estudiosos da cultura material.

A autora começa seu livro com uma introdução sobre como o conceito de cultura arqueológica, desenvolvido no último século, baseado em uma associação direta entre cultura material (a evidência arqueológica), grupo étnico ou raça e língua, continua a predominar, apesar dos estudos antropológicos recentes. Assim, "o mesmo paradigma básico que era usado na Alemanha nazista também formou o quadro rudimentar básico da pesquisa arqueológica mundial" (:5). No capítulo segundo, "a identificação arqueológica de povos e culturas" (:15-39), Jones descreve, em detalhe, o desenvolvimento do modelo histórico-cultural, fundado no pressuposto de que as culturas eram definidas com base nos traços materiais associados com sítios, em determinada região e tempo, aceitando-se que a continuidade cultural indicava uma continuidade étnica.

Este modelo histórico-cultural, iniciado por Gustav Kossinna em seu Die Herkunft der Germanen (A origem dos germanos), publicado em 1911, foi modificado e difundido, em escala mundial, pelo patrono da moderna Arqueologia, Gordon Childe, a justo título o mais influente arqueológo, cujas obras tornaram-se clássicas para ciências como a Antropologia ou a História. Para Childe, os arqueólogos deveriam buscar descobrir "culturas homogêneas", culturas essencialmente conservadoras. Os povos pré-históricos migrariam constantemente, o que justificaria as interpretações difusionistas e migracionistas. A autora demonstra como esses pressupostos continuaram a ser considerados válidos, de uma forma ou de outra, com o desenvolvimento da Arqueologia processual (anos 1960 e 1970) e usa como exemplo o caso da Bretanha Romana para exemplificar como a chamada técnica de seriação constrói as próprias evidências. Semelhanças são consideradas sinais de proximidade social e espacial, dissemelhanças são índices de distância, de modo que os pressupostos da existência de cultura e identidade como algo monolítico e delimitado são confirmados pelo próprio método de investigação. Freqüentemente, conceitos como "grupo étnico" e "cultura" são vistos como categorias naturais.

O capítulo terceiro, sobre "As taxonomias da diferença: a classificação dos povos nas Ciências Humanas" (:40-55), procura mostrar a origem histórica da identificação entre raça, língua e cultura, no século XIX, quando predominava uma preocupação, derivada do nacionalismo, com a homogeneidade, a ordem e os limites dos grupamentos humanos. Os conceitos de "sítio tipo" e de "cultura arqueológica" seguiam esses pressupostos que, no entanto, no período entre 1920 e 1960, foram questionados por trabalhos de campo antropológicos que demonstram não haver coincidência necessária entre as fronteiras culturais, lingüísticas e sociais (pace Leach). Em seguida, Jones trata do "domínio conceitual e teórico da etnicidade" (:56-83), a começar pela crítica ao ideal de objetividade, efetuada nas Ciências Humanas nos últimos quarenta anos. De modo que, em estudos empíricos, observou-se, por exemplo, que identificar objetivamente o povo Lue, da Tailândia, por descontinuidades na língua, cultura, estrutura política ou territorial, não era possível. Barth aprofundou essa linha de pensamento e propôs que não se pode assumir uma relação direta entre unidade étnicas e semelhanças e diferenças culturais (:60). Duas grandes hipóteses sobre a identificação étnica foram desenvolvidas, uma delas enfatizando "imperativos primordiais", inefáveis laços que explicariam a existência de unidades étnicas. Os primordialistas foram criticados por não explicarem, justamente, como alcançar algo definido como inefável. Outros preferiram o caminho oposto, propondo a existência de "etnicidades instrumentais", identidades criadas por interesses sócio-econômicos. Neste caso, a crítica centrou-se no fato de que o comportamento humano não se resume à maximização de resultados econômicos, de modo que apenas a instrumentalização não explicaria a identidade étnica.

No quinto capítulo, Jones propõe um "quadro analítico contextual: a etnicidade multidimensional" que procura incorporar os avanços da Antropologia contextual contemporânea. A autora procura superar a dicotomia entre objetivismo e subjetivismo a partir da teoria da prática de Bourdieu e do uso do conceito de habitus. O habitus é composto de disposições duradouras para certas percepções e práticas que acabam por se tornar parte do sentido de identidade individual, já em tenra idade. Segue, ainda, Bentley, ao propor que a noção de habitus permite diferenciar expressões culturais superficiais daquelas estruturais e profundas, de modo que, enquanto estruturas profundas do habitus fornecem a base para o reconhecimento da identidade, essas estruturas produzem uma grande variedade de expressões culturais de superfície. Neste caso, o contexto torna-se determinante das formas de expressão da etnicidade, variável, justamente, conforme o contexto. Esta abordagem da etnicidade põe em cheque, desta forma, as noções tradicionais e prevalecentes na Arqueologia desde Kossinna e Childe, ao historicizar a própria noção de grupo étnico e mostrar que a idéia de uma cultura homogênea, limitada no espaço, à maneira de um Estado Nacional moderno, com um povo, uma língua e uma cultura únicas, não passa de uma transposição do mito fundacional do Estado moderno para o passado. Se as identidades na França não correspondem a esse mito, tampouco haveria no registro arqueológico provas de identidades homogêneas, monolíticas e normativas, no passado.

As implicações dessas idéias das Ciências Humanas para a Arqueologia, tratadas no capítulo sexto, "Etnicidade e cultura material: rumo a uma base teórica para a interpretação da etnicidade na Arqueologia" (:106-127), são muitas, a começar pelo abandono do modelo normativo de sociedade. A idéia de que a cultura é multivariada, antes que univariada, já tem sido aceita pelos arqueólogos que procuram estar a par da literatura antropológica sobre etnicidade. "Os arqueólogos não podem supor que os graus de semelhança e diferença na cultura material fornecem um índice direto de interação" (:115). Questiona-se, portanto, a própria existência de grupos étnicos como entidades coerentes e monolíticas, nas quais a enculturação poderia explicar uma suposta expansão uniforme da cultura. No capítulo conclusivo, Jones relembra que o modelo histórico cultural foi o bastião das representações nacionalistas e colonialistas do passado, sendo o caso da invenção dos germanos pelos nazistas o exemplo, talvez o mais extremo, mas de modo algum o único. Em seu lugar, Jones propõe que monumentos e conjuntos de cultura material devam ser entendidos no contexto de construções de identidade cultural que são, muitas vezes, heterogêneas e contraditórias.

O livro de Jones é particularmente importante por dois motivos principais. Em primeiro lugar, por demonstrar que a Arqueologia construiu seus quadros analíticos no contexto da formação do Estado Nacional moderno, no século passado e no início deste século, e continou, em grande parte, a aceitar noções de cultura altamente ideológicas e autoritárias. Uma raça, uma língua e uma cultura, lemas dos regimes fascistas, passam por verdades quando aplicados na identificação de arianos (os mesmos dos nazistas) ou de tupis. Em seguida, por demonstrar o imperativo de se conhecer a Antropologia, tanto em seus trabalhos de campo, que mostram a fragilidade das "culturas homogêneas", como em suas elaborações teóricas, que demonstram o caráter construído das noções da própria ciência. A Arqueologia contextual, também chamada de pós-processual, tem ressaltado a indispensabilidade dessas duas posturas: historicização da própria disciplina e conhecimento dos interpretações sociológicas e antropológicas. Para que se possa interpretar o contexto arqueológico empírico não se pode, pois, dispensar, o conhecimento do contexto científico. Esta a significação maior do livro de Siân Jones, ao nos alertar que os contextos arqueológicos incluem, também, os contextos de produção de conhecimento.


Revista de Antropologia

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