Anice L. Araújo1
Annette C. Baier. A Progress of Sentiments: Reflections on Hume's Sentiments. Cambridge: Harvard University Press, 1991, 333 páginas
Alguém pode se perguntar: qual o interesse em se fazer a resenha de um livro que já completou doze anos de sua publicação? A resposta para esta questão é que um livro como A Progress of Sentiments de Annette Baier continua, mesmo doze anos depois, atual.
A Progress of Sentiments, teve sua primeira edição de 1991 e a segunda em 1994. É um livro que condensa uma leitura crítica e não convencional do Treatise of Human Nature de David Hume. Baier nos mostra que no Treatise a leitura dos livros posteriores é sempre melhor à luz dos livros anteriores.
Baier se refere a duas possíveis imagens no texto de Hume. A primeira imagem do Treatise seria a de um livro formado por três livros diferentes, sendo estes coerentes apenas no objetivo, ou seja, um tratado da natureza humana. Mas é possível uma outra imagem, a imagem proposta por Baier; o Treatise seria em sua compreensão um complexo número de idéias que se referem a um ser social analisado por três perspectivas: um sujeito do conhecimento, um sujeito que se relaciona com um outro e, a última, um sujeito que se insere em uma comunidade já constituída de costumes, fortificando assim a sua hipótese referente aos ";eus";2. Este progresso do eu no Treatise é destacado por Baier de modo que podemos perceber a compreensão do sujeito humeano como extremamente social, um sujeito que desenvolverá suas capacidades em um nível social-passional.
A Progress of Sentiments inicia-se com o capítulo intitulado ";Philosophy in this carelles Manner";, que trata da conclusão do livro I do Treatise. A aposta inicial é que esta conclusão fundamentará a leitura dos livros II e III, e por isso, dedica-se a uma minuciosa descrição dos problemas expostos pelo filósofo, como o ceticismo e a questão da identidade pessoal.
O ceticismo será objetado por Baier principalmente contra Robert Fogelin. Este considera Hume como um cético verdadeiro e Baier, ao contrário, opõe a Fogelin uma análise naturalista de Hume. A proposta naturalista na leitura do Treatise mostra que não há um problema da indução, o que levaria a análise cética de Fogelin, mas sim, a experiência salvando o que a razão traiu, ou seja, a indução é na verdade um processo cognitivo de seres humanos, algo que não leva ao ceticismo, já que é uma análise descritiva.
Para Baier, Hume deseja de nove entre suas quinze seções afirmar uma lógica da inferência causal, e isso a leva a pensar em um progresso na busca de normas por parte de Hume. O que quer dizer essa busca de normas? Baier quer nos mostrar que a indicação de um naturalismo de Hume será efetivo no que diz respeito a análise da indução e que será conformado no livro III da moral quando Hume expõe, de acordo com Baier, uma normatização de nossos comportamentos acerca da avaliação moral. Ou seja, o desenvolvimento de normas explica o relato das paixões no livro II e o desenvolvimento do raciocínio causal do livro I. Quando Baier trata de ";Necessity, Nature and Norms";, confessa que uma das dificuldades da parte III do primeiro livro é a origem da nossa idéia de necessidade causal e Hume nos mostrará que a origem de nossa idéia de necessidade causal provém da inferência após a observação de regularidade, e novamente o progresso é descrito quando esta nos diz que o Livro III ";Da Moral"; confirmará a teoria da necessidade causal do livro I. A necessidade causal é uma espécie de norma derivada da experiência e corroborada pela linguagem. Esta linguagem é descrita por Hume no livro III e necessária uma vez que sem esta não seríamos capazes de fazermos generalizações, abstrações ou nem mesmo idéias a priori das relações. Essa confirmação da linguagem, do ser humano social sobre a necessidade é uma das explicações 'progressistas' da visão da Baier. Enfim, reflexões posteriores se desdobram sobre anteriores corroborando-as e estendendo-as.
Este desenvolvimento do naturalismo humeano por parte de Annette Baier será útil para a sua tese de que a crítica a ";Identidade Pessoal"; não é correta. Em ";Persons and the Wheel of their Passions"; Baier nos mostra que o sentimento enquanto paixão informa quando percebemos nós mesmos e não os outros, como por exemplo, os sentimentos de orgulho e humildade. Nossas experiências reforçam o nosso conhecimento de nós mesmos no que se refere à Identidade Pessoal.
A parte quatro do livro I do Treatise e o Appendix têm sido foco de grandes objeções entre os estudiosos de Hume no que diz respeito a Identidade Pessoal.
Baier nos oferece uma nova interpretação deste tema, nos dizendo que Hume não ignora uma negação do eu simples no livro I e, que as pessoas que são objetos de nossa paixões indiretas no livro II são como seres passionais a serem compreendidos como complexos e em mudança. Isto quer dizer que a justificação do eu como simples e que permanece não pode ser compreendida, mas sim, a de um eu que muda e que é complexo em suas paixões enquanto ser social.
Baier conclui que o Treatise é um compêndio que servirá para dizer os limites da razão humana, para dizer que os sentimentos comandam nossas relações e estas seriam como um resultado do avanço humano quando se estabelecem em termos morais.
A Progress of Sentiments, portanto, é um ponto de reflexão entre os estudiosos de Hume, um ensinamento de como devemos ler o Treatise. As análises da autora sobre os Sentimentos confirmam plenamente a interpretação de que seu ";progresso"; implica em uma visão avançada de um filósofo do século dezoito.
1 Estudante do Departamento de Filosofia da UFMG.
2 No livro I temos eu enquanto mente, o livro II trata o eu como primeira pessoa do singular e o livro III o trata como primeira pessoa do plural.
Kriterion: Revista de Filosofia
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