Rafael Henrique Teixeira
Mestre em Antropologia Social, PPGAS-USP
VEYNE, Paul. 2008. Foucault, sa pensée, sa personne. Paris: Albin Michel. 215pp.
Paul Veyne, amigo e aluno de Michel Foucault – com o qual aprendeu a cultivar sua atração pela antiguidade greco-romana e a olhar para os fatos humanos de modo a dispensar os universais antropológicos habituais à historiografia – traz em Foucault: sa pensée, sa personne o retrato de um Foucault cuja postura era algo rara na França de meados do século XX: o retrato de uma vida e obra fundadas em uma atitude cética.
Veyne descreve um Foucault inquieto diante da história e da filosofia de seus tempos de juventude, quando seu encontro com Nietzsche fez surgir um positivista inesperado, dedicado a libertar a história de suas sujeições transcendentais: "[...] se fez órfão de todo pai filosófico para permanecer fiel ao seu amor pelas singularidades" (:161).
Foucault dissipou grandes ilusões em relação aos fatos que preencheram a história da humanidade. Não encontrou adequação da verdade ao seu objeto, tampouco temas trans-históricos que, diante do arbitrário cultural, se prestariam a diferentes interpretações. Encontrou apenas múltiplas objetivações correlativas a práticas heterogêneas. Não encontrou fundamento racional algum, mas uma história precária, "[...] caos de singularidades arbitrárias, resultante de uma concatenação caótica precedente" (:79). Não encontrou nenhuma vocação metaempírica da humanidade em sua relação com a verdade, fez da história um caleidoscópio de verdades pontuais e imbricadas numa relação incontornável com o tempo.
Cético, Foucault jamais acreditou nas ideias gerais, somente nas verdades dos fatos históricos que preencheram as páginas de seus livros. Dirigindo-se ao fundo dos fenômenos, constatou, além da singularidade de cada um, a arbitrariedade de todos; fez "passar a história no fio de um pensamento que recusa os universais" (:19). Ontologicamente falando, existem apenas singularidades, heuristicamente falando, partiu dos detalhes das práticas – do que se fez e do que se disse – para explicitar o discurso que lhes foi imanente.
O discurso aparece em Foucault como a mais precisa descrição de uma formação histórica, a colocação em dia de sua singularidade irredutível. É o a priori histórico do foucauldianismo, o aquário onde estamos encerrados. "Os discursos são os óculos através dos quais, a cada época, os homens perceberam todas as coisas, pensaram e agiram [...]" (:46).
No entanto, o discurso não é uma entidade que paira sobre os fatos e os objetos do mundo, aguardando o momento de sobre eles repousar e fornecer-lhes o sentido. Tampouco se resume a frases e a proposições linguísticas. Ele é estratégico, parte constituinte de práticas concretas.
Os discursos, como tudo aquilo que descreve a filosofia cética de Foucault, pertencem a esse mundo: são nele constituídos, e nele inscrevem seus efeitos, inserindo-se na realidade por meio de um dispositivo poder-saber que lhes é imanente. Atualizando-se por intermédio desse dispositivo, os discursos operam as divisões entre o verdadeiro e o falso, produzem objetos de conhecimento, domínios de saber sobre esses objetos, e as subjetividades que lhe são contemporâneas. O dispositivo encarna o discurso na sociedade, e o discurso fornece a singularidade e a coloração local do dispositivo.
No interior do dispositivo, relações de poder dão lugar a um saber verdadeiro, e esse saber reconduz e reforça os efeitos de poder. O discurso, por intermédio do dispositivo, inscreve no real aquilo que não existe, submetendo-o à partilha do verdadeiro e do falso. "Foucault não fazia uma teoria lógica ou filosófica da verdade, mas uma crítica empírica e quase sociológica do 'dizer verdadeiro', quer dizer, das 'regras' de veridicção [...]" (:140).
Veyne encontra no ceticismo de Foucault dois sentidos para a palavra verdade: as verdades gerais não são verdadeiras; e se as verdades das diferentes épocas não são absolutamente verdadeiras, isto não implica afirmar sua inexistência, pois não apenas existiram demasiadamente, como também foram produzidas por múltiplos constrangimentos. As verdades dos discursos "[...] são efeitos próprios aos discursos verdadeiros, pois elas são imanentes a dispositivos institucionais, costumeiros, didáticos, legais etc." (:136).
Às questões em torno da relação entre os saberes verdadeiros e o poder, Foucault acrescentou a problemática da constituição do sujeito. "Da mesma forma que, sem um discurso, não haveria para nós objeto conhecido, não existiria sujeito humano sem subjetivação. Engendrado pelo dispositivo de sua época, o sujeito não é soberano, mas filho de seu tempo; não podemos desenvolver não importa qual sujeito não importa quando" (:154). Trata-se de uma concepção de homem que leva o ceticismo ao seu limite: supondo a finitude humana no tempo, dos homens de outrora não sabemos quase nada, mas sabemos que, como nós, foram prisioneiros de um discurso e de um dispositivo.
Encerrado em sua época, o sujeito pensa nas fronteiras do discurso do momento. Tudo o que cremos saber é limitado, ainda que não vejamos esse limite e ignoremos que ele exista. Ao passo que nada humano é adequado, racional ou universal na história, pensamos as coisas através de ideias gerais que cremos adequadas.
Diante desse imperativo, como colocar em dia os diferentes discursos revelando sua arbitrariedade? Foi em Nietzsche que Foucault encontrou a fórmula. "É necessário um trabalho histórico que Foucault chama arqueologia ou genealogia [...] um balanço desmistificador" (:23). A tarefa da arqueologia é problematizar um objeto e se perguntar como um ser foi pensado em uma época dada, cabendo à genealogia analisar e descrever as diversas práticas sociais (científicas, éticas, punitivas, médicas etc.) que tiveram por correlato que o ser fosse pensado de tal ou qual modo.
Uma objeção poderia ser feita ao cético que Veyne nos apresenta. Ele traria uma contradição intrínseca no momento em que dissesse que a verdade é que não há "Verdade". Mas constatar que os elementos de um balanço histórico das verdades são criticáveis não arruína o balanço realizado. Nada resiste à escala de uma genealogia das realidades de certa época; salvo os fatos singulares e empíricos, dos quais nenhum cético jamais duvida, e salvo a própria genealogia, esse balanço de discursos e dispositivos que repousam sobre a vida. O foucauldianismo não se empoleira no alto de uma rocha e projeta uma totalidade qualquer, na medida em que não constitui seu objeto a priori. Sua constituição será o próprio meio de projetá-lo na atividade de colocação em dia dos discursos.
Segundo Veyne, a problemática desenvolvida por Foucault trazia com ela uma concepção de filosofia que não consistiu numa exegese do passado, mas "[...] em revelar a atualidade, [...] ao diagnosticar o presente, dizer o que é o presente, dizer no que nosso presente é diferente e absolutamente diferente daquilo que não o é" (:175).
Essa empresa de diferenciação é mais que história, ela merece o nome de filosofia: é negativamente uma reflexão sobre nós mesmos. A história genealógica fratura nosso eu e nossas evidências, rivalizando-as. Enquanto ontologia diferencial capacita-nos a pensar nossa própria situação, libertando o pensamento daquilo que se pensa silenciosamente no interior de um discurso. Foucault fez do pensamento um combate: recuo seguido de desfamiliarização. Colocou assim as condições de uma "antropologia do presente" (:70) que nos mostra como as coisas vieram a ser o que são, bem como a arbitrariedade implicada na sua constituição.
Veyne afirma que Foucault era o discípulo que Nietzsche sonhava nas notas de seus trabalhos. Sua intempestividade fez eco em Foucault, que fez da experiência cética de detalhamento as bases de um novo questionamento filosófico da história. Seus quadros retrataram um homem errante, do qual não há nada a saber mais do que sua história, essa "[...] negatividade sem totalidade" (:177) que faz de nosso passado um "[...] vasto cemitério de grandes verdades mortas" (:25).
O ceticismo de Foucault retratado por Veyne era uma atitude fundada – não niilismo ou alegoria melancólica da leviandade humana – e implicou certa duplicidade. "Enquanto pensa, coloca-se fora do aquário e olha os peixes que giram ao seu redor. Mas como é necessário viver, ele se encontra no aquário, ele próprio peixe [...]" (:11). Ao final de sua vida, Foucault assistia à ruína de um modo de pensamento que compartilhava, e via nessa ruína a própria confirmação da arbitrariedade dos fatos humanos que afirmou em toda uma obra. Qual seria, então, sua posição diante de um futuro em que espíritos como o seu não mais teriam lugar?
Sua duplicidade não fez com que acolhesse com frieza o futuro nascente. O derradeiro Foucault buscou na "estetização" dos estoicos uma iniciativa de "transformação de si por si mesmo" (:156), na qual reconhecia uma iniciativa de liberdade. O sujeito, tomando-se a si mesmo como obra a trabalhar, se daria uma moral que nem Deus, nem a Razão, nem a tradição sustentariam.
Atitude que Veyne reconhece como determinante nos últimos anos de uma vida que, consignada a seus livros, construía a si mesmo construindo-os. Enquanto atividade do espírito que teve como finalidade um trabalho de si sobre si, ela deu lugar a um Eu que não é nem imortal nem eterno, mas atual, e ao mesmo tempo estrangeiro para com o seu tempo. Duplicidade definidora do ceticismo de Foucault que faz Veyne afirmar que seu livro poderia ter um nome alternativo: "[...] O Samurai e o Peixe Vermelho" (:11).
Desse modo, Veyne chega ao fim do retrato de um Foucault até então pouco explorado em trabalhos que trataram de sua vida e obra. Ao invés de capturá-lo em chavões como estruturalista, historicista, relativista etc., Veyne descreve as idiossincrasias de um Foucault cético e de uma lucidez intemporal característica dos intempestivos. Negando os universais da história em prol do reconhecimento de suas singularidades, e nesse percurso revelando toda a arbitrariedade dos fenômenos humanos, ao fim de sua vida, no entanto, Foucault não afirmou que tudo era duvidoso. Pelo contrário, estava pronto para inclusive militar, mas a seu modo: erigindo seu pensamento em combate diante de uma nova aurora.
Revista Mana
Mestre em Antropologia Social, PPGAS-USP
VEYNE, Paul. 2008. Foucault, sa pensée, sa personne. Paris: Albin Michel. 215pp.
Paul Veyne, amigo e aluno de Michel Foucault – com o qual aprendeu a cultivar sua atração pela antiguidade greco-romana e a olhar para os fatos humanos de modo a dispensar os universais antropológicos habituais à historiografia – traz em Foucault: sa pensée, sa personne o retrato de um Foucault cuja postura era algo rara na França de meados do século XX: o retrato de uma vida e obra fundadas em uma atitude cética.
Veyne descreve um Foucault inquieto diante da história e da filosofia de seus tempos de juventude, quando seu encontro com Nietzsche fez surgir um positivista inesperado, dedicado a libertar a história de suas sujeições transcendentais: "[...] se fez órfão de todo pai filosófico para permanecer fiel ao seu amor pelas singularidades" (:161).
Foucault dissipou grandes ilusões em relação aos fatos que preencheram a história da humanidade. Não encontrou adequação da verdade ao seu objeto, tampouco temas trans-históricos que, diante do arbitrário cultural, se prestariam a diferentes interpretações. Encontrou apenas múltiplas objetivações correlativas a práticas heterogêneas. Não encontrou fundamento racional algum, mas uma história precária, "[...] caos de singularidades arbitrárias, resultante de uma concatenação caótica precedente" (:79). Não encontrou nenhuma vocação metaempírica da humanidade em sua relação com a verdade, fez da história um caleidoscópio de verdades pontuais e imbricadas numa relação incontornável com o tempo.
Cético, Foucault jamais acreditou nas ideias gerais, somente nas verdades dos fatos históricos que preencheram as páginas de seus livros. Dirigindo-se ao fundo dos fenômenos, constatou, além da singularidade de cada um, a arbitrariedade de todos; fez "passar a história no fio de um pensamento que recusa os universais" (:19). Ontologicamente falando, existem apenas singularidades, heuristicamente falando, partiu dos detalhes das práticas – do que se fez e do que se disse – para explicitar o discurso que lhes foi imanente.
O discurso aparece em Foucault como a mais precisa descrição de uma formação histórica, a colocação em dia de sua singularidade irredutível. É o a priori histórico do foucauldianismo, o aquário onde estamos encerrados. "Os discursos são os óculos através dos quais, a cada época, os homens perceberam todas as coisas, pensaram e agiram [...]" (:46).
No entanto, o discurso não é uma entidade que paira sobre os fatos e os objetos do mundo, aguardando o momento de sobre eles repousar e fornecer-lhes o sentido. Tampouco se resume a frases e a proposições linguísticas. Ele é estratégico, parte constituinte de práticas concretas.
Os discursos, como tudo aquilo que descreve a filosofia cética de Foucault, pertencem a esse mundo: são nele constituídos, e nele inscrevem seus efeitos, inserindo-se na realidade por meio de um dispositivo poder-saber que lhes é imanente. Atualizando-se por intermédio desse dispositivo, os discursos operam as divisões entre o verdadeiro e o falso, produzem objetos de conhecimento, domínios de saber sobre esses objetos, e as subjetividades que lhe são contemporâneas. O dispositivo encarna o discurso na sociedade, e o discurso fornece a singularidade e a coloração local do dispositivo.
No interior do dispositivo, relações de poder dão lugar a um saber verdadeiro, e esse saber reconduz e reforça os efeitos de poder. O discurso, por intermédio do dispositivo, inscreve no real aquilo que não existe, submetendo-o à partilha do verdadeiro e do falso. "Foucault não fazia uma teoria lógica ou filosófica da verdade, mas uma crítica empírica e quase sociológica do 'dizer verdadeiro', quer dizer, das 'regras' de veridicção [...]" (:140).
Veyne encontra no ceticismo de Foucault dois sentidos para a palavra verdade: as verdades gerais não são verdadeiras; e se as verdades das diferentes épocas não são absolutamente verdadeiras, isto não implica afirmar sua inexistência, pois não apenas existiram demasiadamente, como também foram produzidas por múltiplos constrangimentos. As verdades dos discursos "[...] são efeitos próprios aos discursos verdadeiros, pois elas são imanentes a dispositivos institucionais, costumeiros, didáticos, legais etc." (:136).
Às questões em torno da relação entre os saberes verdadeiros e o poder, Foucault acrescentou a problemática da constituição do sujeito. "Da mesma forma que, sem um discurso, não haveria para nós objeto conhecido, não existiria sujeito humano sem subjetivação. Engendrado pelo dispositivo de sua época, o sujeito não é soberano, mas filho de seu tempo; não podemos desenvolver não importa qual sujeito não importa quando" (:154). Trata-se de uma concepção de homem que leva o ceticismo ao seu limite: supondo a finitude humana no tempo, dos homens de outrora não sabemos quase nada, mas sabemos que, como nós, foram prisioneiros de um discurso e de um dispositivo.
Encerrado em sua época, o sujeito pensa nas fronteiras do discurso do momento. Tudo o que cremos saber é limitado, ainda que não vejamos esse limite e ignoremos que ele exista. Ao passo que nada humano é adequado, racional ou universal na história, pensamos as coisas através de ideias gerais que cremos adequadas.
Diante desse imperativo, como colocar em dia os diferentes discursos revelando sua arbitrariedade? Foi em Nietzsche que Foucault encontrou a fórmula. "É necessário um trabalho histórico que Foucault chama arqueologia ou genealogia [...] um balanço desmistificador" (:23). A tarefa da arqueologia é problematizar um objeto e se perguntar como um ser foi pensado em uma época dada, cabendo à genealogia analisar e descrever as diversas práticas sociais (científicas, éticas, punitivas, médicas etc.) que tiveram por correlato que o ser fosse pensado de tal ou qual modo.
Uma objeção poderia ser feita ao cético que Veyne nos apresenta. Ele traria uma contradição intrínseca no momento em que dissesse que a verdade é que não há "Verdade". Mas constatar que os elementos de um balanço histórico das verdades são criticáveis não arruína o balanço realizado. Nada resiste à escala de uma genealogia das realidades de certa época; salvo os fatos singulares e empíricos, dos quais nenhum cético jamais duvida, e salvo a própria genealogia, esse balanço de discursos e dispositivos que repousam sobre a vida. O foucauldianismo não se empoleira no alto de uma rocha e projeta uma totalidade qualquer, na medida em que não constitui seu objeto a priori. Sua constituição será o próprio meio de projetá-lo na atividade de colocação em dia dos discursos.
Segundo Veyne, a problemática desenvolvida por Foucault trazia com ela uma concepção de filosofia que não consistiu numa exegese do passado, mas "[...] em revelar a atualidade, [...] ao diagnosticar o presente, dizer o que é o presente, dizer no que nosso presente é diferente e absolutamente diferente daquilo que não o é" (:175).
Essa empresa de diferenciação é mais que história, ela merece o nome de filosofia: é negativamente uma reflexão sobre nós mesmos. A história genealógica fratura nosso eu e nossas evidências, rivalizando-as. Enquanto ontologia diferencial capacita-nos a pensar nossa própria situação, libertando o pensamento daquilo que se pensa silenciosamente no interior de um discurso. Foucault fez do pensamento um combate: recuo seguido de desfamiliarização. Colocou assim as condições de uma "antropologia do presente" (:70) que nos mostra como as coisas vieram a ser o que são, bem como a arbitrariedade implicada na sua constituição.
Veyne afirma que Foucault era o discípulo que Nietzsche sonhava nas notas de seus trabalhos. Sua intempestividade fez eco em Foucault, que fez da experiência cética de detalhamento as bases de um novo questionamento filosófico da história. Seus quadros retrataram um homem errante, do qual não há nada a saber mais do que sua história, essa "[...] negatividade sem totalidade" (:177) que faz de nosso passado um "[...] vasto cemitério de grandes verdades mortas" (:25).
O ceticismo de Foucault retratado por Veyne era uma atitude fundada – não niilismo ou alegoria melancólica da leviandade humana – e implicou certa duplicidade. "Enquanto pensa, coloca-se fora do aquário e olha os peixes que giram ao seu redor. Mas como é necessário viver, ele se encontra no aquário, ele próprio peixe [...]" (:11). Ao final de sua vida, Foucault assistia à ruína de um modo de pensamento que compartilhava, e via nessa ruína a própria confirmação da arbitrariedade dos fatos humanos que afirmou em toda uma obra. Qual seria, então, sua posição diante de um futuro em que espíritos como o seu não mais teriam lugar?
Sua duplicidade não fez com que acolhesse com frieza o futuro nascente. O derradeiro Foucault buscou na "estetização" dos estoicos uma iniciativa de "transformação de si por si mesmo" (:156), na qual reconhecia uma iniciativa de liberdade. O sujeito, tomando-se a si mesmo como obra a trabalhar, se daria uma moral que nem Deus, nem a Razão, nem a tradição sustentariam.
Atitude que Veyne reconhece como determinante nos últimos anos de uma vida que, consignada a seus livros, construía a si mesmo construindo-os. Enquanto atividade do espírito que teve como finalidade um trabalho de si sobre si, ela deu lugar a um Eu que não é nem imortal nem eterno, mas atual, e ao mesmo tempo estrangeiro para com o seu tempo. Duplicidade definidora do ceticismo de Foucault que faz Veyne afirmar que seu livro poderia ter um nome alternativo: "[...] O Samurai e o Peixe Vermelho" (:11).
Desse modo, Veyne chega ao fim do retrato de um Foucault até então pouco explorado em trabalhos que trataram de sua vida e obra. Ao invés de capturá-lo em chavões como estruturalista, historicista, relativista etc., Veyne descreve as idiossincrasias de um Foucault cético e de uma lucidez intemporal característica dos intempestivos. Negando os universais da história em prol do reconhecimento de suas singularidades, e nesse percurso revelando toda a arbitrariedade dos fenômenos humanos, ao fim de sua vida, no entanto, Foucault não afirmou que tudo era duvidoso. Pelo contrário, estava pronto para inclusive militar, mas a seu modo: erigindo seu pensamento em combate diante de uma nova aurora.
Revista Mana
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