segunda-feira, 24 de maio de 2010

How Enemies Become Friends


Resenha de “How Enemies Become Friends”, de Charles A. Kupchan
por Antônio Lassance

Charles Kupchan é professor de relações internacionais na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. Também é associado ao Conselho de Relações Exteriores. Foi diretor do Departamento de Assuntos para a Europa, órgão do Conselho Nacional de Segurança, durante o governo Clinton. Portanto, um especialista renomado e influente.
Tem estudado sistematicamente o que os americanos já chamaram de “nova ordem mundial”. Kupchan, de forma mais contundente, considera o momento como “O fim da Era Americana” (“The End of the America Era: U.S. Foreign Policy and the Geopolitics of the Twenty-first Century”, publicado em 2002) e um período de transição, não para uma nova, mas para uma outra ordem mundial (“Power in Transition: The Peaceful Change of International Order”, 2001).

Em seu mais novo livro (“How Enemies Become Friends”, Princeton, março de 2010), Kupchan diz que o mundo não está fadado a sofrer ciclos infindáveis de conflito e guerra, desde que nações rivais se tornem parceiras. Tarefa difícil, principalmente quando tais nações satanizam-se mutuamente.

O livro fornece uma ampla análise histórica sobre como nações saíram do círculo vicioso de competição geopolítica e substituíram-na por relações amistosas e mesmo alianças duradouras. Os casos clássicos incluem as relações entre Estados Unidos e Inglaterra, que, um século após terem protagonizado uma guerra, aliaram-se nas duas grandes guerras mundiais, no período de Guerra Fria e na ofensiva do Afeganistão e Iraque – ou seja, trocaram de inimigos. Também podem ser citadas as célebres hostilidades entre Inglaterra e França e entre França e Alemanha. No período mais recente, Estados Unidos e China, adversários naturais, tornaram-se aliados improváveis sob o comando de dois políticos realistas, Nixon e Mao Tse-Tung, e graças à diplomacia de Kissinger e Chu Enlai. Outro processo, cujos desdobramentos ainda estão por vir, são os que podem unir Estados Unidos e Rússia, cuja agenda de contenção a organizações políticas muçulmanas radicais tem alinhavado uma agenda em comum, sob a bandeira do antiterrorismo.

Conforme Kupchan, as relações diplomáticas são essenciais para aproximar adversários. Parece óbvio, mas contrasta com perspectivas que costumam separar rigidamente Ocidente e Oriente (de forma clara, em Huntington, “The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order”, de 1993). Também é útil a desconfiar das abordagens que acreditam cegamente que as tendências da economia são as grandes forças capazes de garantir relações de cooperação entre diferentes países. O autor insiste que a diplomacia, mais do que a economia, é o caminho para estabelecer relações de paz.

O preço a se pagar é o de concessões mútuas e a persistência em uma estratégia de acomodação, no longo prazo, e não de confronto; requisitos necessários a promover a confiança mútua requerida para construir uma “sociedade mundial”.

A crítica a ser feita é a de que muitas das “amizades” entre países, principalmente no caso das grandes potências, se faz em torno de novas e maiores inimizades. Ou seja, velhos adversários se unem contra novos adversários, o que modifica o quadro internacional, mas não o torna mais pacífico.

A contribuição mais notável de Kupchan é a de afirmar que a natureza dos regimes deveria ser levada menos em conta do que normalmente se faz. Trata-se de uma voz influente, mas ainda isolada, a defender a tese de que a política externa americana não deveria orientar-se por abrir um fosso entre nações democráticas, segundo o critério Ocidental. Neste sentido, o autor vai contra a corrente que tornou-se dominante na política externa americana e estabeleceu um consenso que une Democratas e Republicanos.

A seu ver, esse fosso isola a diplomacia americana, amplifica os conflitos, dificulta a busca por soluções e acaba por criar uma barreira à expansão da democracia, pois retira ingredientes que poderiam facilitar uma trajetória democrática de muitos países.

Em entrevistas, tem elogiado o papel das potências emergentes. Aposta que elas continuarão a pressionar por mais espaço na diplomacia mundial, de maneira positiva. Destacou o papel de Brasil e Turquia na negociação com o Irã. O presidente Lula, recentemente, ao dizer que entendia a ação diplomática como a busca por fazer um número cada vez maior de amigos, se encaixa no espírito da obra de Kupchan, embora se possa dizer, mais exatamente, que a concepção de Lula transporta, para o campo da política internacional, a ideia do brasileiro como homem cordial, consagrada por Sérgio Buarque de Hollanda (“Raízes do Brasil”, 1936) e que é mais instigante para inspirar um possível “leit motif” do papel do Brasil no cenário internacional. Kupchan ressalta mais o fato de que novos interlocutores fortalecem possibilidades de entendimento, ampliando as chances de sucesso em negociações de paz.

Renomado especialista, Kupchan tem seu livro recomendado por expoentes como Kissinger e Katzenstein. Sua voz ecoa pelo Congresso e pelo Departamento de Estado. O que parece ainda faltar é que lhe dêem mais ouvidos.


KUPCHAN, Charles A. How Enemies Become Friends. Princeton: Princeton University, march 2010, ISBN 978-1-4008-3441-9.

Antonio Lassance é Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB e Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (lassance@unb.br).

Meridiano 47

Um comentário:

História e Debate disse...

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