segunda-feira, 17 de maio de 2010

Mau Moko: the world of maori tattoo

Vanessa R. Lea
UNICAMP

TE AWEKOTUKU, Ngahuia; WAIMARIE NIKORA, Linda. 2007. Mau Moko: the world of maori tattoo. Nova Zelândia: Penguin. 259 pp.

A arte milenar dos grafismos maori – que podem ser aplicados ao corpo ou esculpidos em madeira – é uma das mais conhecidas no mundo, especialmente depois de sua popularização global entre tatuadores e de sua exibição nos corpos de personagens internacionais como Mike Tyson. Ela estava caindo em desuso entre os Maori, junto com sua língua, mas a partir das últimas décadas do século XX houve um reflorescimento da cultura e da língua maori que continua até os dias de hoje, com ímpeto cada vez maior. A publicação de Mau Moko: the world of maori tattoo serve como mais um estímulo nessa direção.

O livro poderia facilmente escapar à atenção dos antropólogos pelo fato de seus autores não serem dessa disciplina: surgiu de um projeto de pesquisa sobre tatuagem maori, realizado por acadêmicos das áreas de estudos maori e de psicologia na Aotearoa (Nova Zelândia). Os estudos maori não fazem parte dos departamentos de antropologia; têm seus próprios docentes e cursos ministrados na língua maori. Mau Moko parece destinado principalmente aos próprios Maori, tanto pelo estilo da redação quanto pelo uso abundante de termos na língua nativa. Porém, em função do baixo poder aquisitivo da maioria dos Maori e do fascínio dos turistas com a tatuagem, é mais provável que o livro seja comprado predominantemente por turistas estrangeiros. Aos antropólogos promete também algumas reflexões interessantes.

O texto é muito agradável de se ler – sensível e inteligente, sem ser pretensioso. Exige, no entanto, certo empenho do leitor, já que o glossário não cobre efetivamente todos os termos maori que aparecem ao longo do livro. O esforço de inúmeras consultas ao glossário é compensado pelos relatos perspicazes tanto dos Maori que realizam as tatuagens quanto daqueles que as exibem em seus corpos. O teor dos casos, relatados com grande riqueza de detalhes, é bastante antropológico, estabelecendo diálogos, indiretamente, com diversas discussões de nossa disciplina.

Em primeiro plano, está a questão da identidade étnica. A resenha da editora menciona "orgulho racial", algo que repercute também no Brasil. Ostentar uma tatuagem maori é afirmar publicamente uma identidade étnica. Tradicionalmente, as mulheres usam tatuagens nos lábios e no queixo. A tatuagem masculina pode cobrir o rosto inteiro e parte do corpo, especialmente da cintura para baixo, até a altura dos joelhos. Não fica claro se as tatuagens hoje exibidas em braços, pernas, costas e mãos são uma inovação ou se sempre ocorreram, juntamente com as tatuagens distintivas de homens e mulheres. Recentemente, surgiram discussões entre os Maori sobre quem teria direito de usar tatuagens – pois isso implica um determinado status e mana – sobre as partes do corpo a serem tatuadas e por quem. As mulheres maori contemporâneas tiveram dificuldade em serem aceitas como tatuadoras e existe resistência em aceitar que a tatuagem das coxas seja feita por pessoas do sexo feminino.

Tal como ocorre entre diversas outras etnias pelo mundo, discute-se entre os Maori o que é tradicional e a dificuldade de separar a visão de mundo pré-colonial daquilo que foi incorporado a partir da influência judaico-cristã. Uma questão interessante que o livro não aprofunda, aliás, é se a preocupação dos Maori com sua identidade pessoal não seria fortemente influenciada pela noção moderna de indivíduo, pois fica evidente que a opção pelo uso da tatuagem e pela forma assumida é uma decisão individual e particular.

O livro trata também do significado diferencial das tatuagens – espiritual ou apenas decorativo – de acordo com seu posicionamento e padrão e com a execução por um Maori ou um Pakeha (não-Maori). A questão da autenticidade é discutida, por exemplo, quando se trata da renovação do leque de grafismos possibilitada pela inspiração em elementos de Samoa e do restante da Polinésia, bem como na arte celta, que os Maori conheceram por meio dos colonizadores. A autenticidade é abordada ainda no tocante à apropriação, de modo mais amplo, de grafismos maori pelos ditos "primitivos modernos" e pelos adeptos da "Nova Era". Por outro lado, as fotografias contidas no livro (feitas por Becky Nunes) sugerem que os Maori contemporâneos recorrem ao uso de piercings e de argolas faciais, revelando que a apropriação funciona nas duas direções.

Uma outra questão antropológica que perpassa a publicação refere-se à propriedade intelectual. Ela vem à tona nos trechos que relatam de que maneira o ramo da alta costura se apropria de grafismos de inspiração maori, alegando tratar-se de um tributo à cultura maori – em vez de apropriação não retribuída visando ao lucro. Vale lembrar que os índios brasileiros são igualmente alvo desse tipo de fenômeno.

Como no caso dos índios brasileiros, os grafismos aplicados ao corpo pelos Maori são os mesmos usados na tecelagem com palha. Assim, o livro é de grande relevância para quem se interessa por pintura corporal indígena ou pelos grafismos empregados pelos índios brasileiros na cerâmica e na tecelagem. Enquanto vários povos indígenas brasileiros, tais como os Mebengokre, usam linhas retas e geométricas em sua pintura, os grafismos maori recorrem sempre a curvas. Alguns padrões usados nos Marae (edifícios de madeira onde se realizam reuniões, ornados com esculturas de madeira e pinturas elaboradas) evocam as malocas do noroeste da Amazônia. É curioso notar outra analogia: diversos povos indígenas sul-americanos associam a pintura corporal à escrita dos não-índios; sabe-se de chefes maori que, no século XIX, usaram elementos de sua própria tatuagem para assinar o Tratado de Waitangi com os colonizadores britânicos.

Mau Moko apresenta ainda técnicas de tatuagem (e a dor envolvida nelas), passando pela adoção do uso de máquinas pelos tatuadores e pela retomada recente da técnica de cinzel – embora o predominante hoje seja a aplicação com agulhas. Não se discute, porém, se o tatuador concebe os grafismos apenas em sua mente (tais como as pintoras e tecelãs indígenas brasileiras), ou se também faz um esboço em papel. Às vezes, são os clientes que requisitam um determinado padrão; em outros casos, delegam tal escolha ao tatuador. Como ocorre com a pintura corporal e a cerâmica, é necessário adaptar o desenho, tal como aparece numa superfície plana, aos contornos do corpo, para manter suas proporções. Em alguns casos, o tatuador executa um esboço da composição no corpo com carvão ou outra substância.

Algo que intriga o leitor mais atento é o fato de que, embora a tatuagem maori seja associada à identidade pessoal, as composições de padrões mais elaboradas, usadas pelos homens nas nádegas, são reveladas apenas quando se despem. Ao dançar e ao executar haka, a saudação guerreira, vestidos com saias de palha que balançam ao vento, os homens deixam entrever as coxas pelas frestas, mas somente algo como uma tanga permitiria apreciar a transformação do corpo masculino maori em obra de arte por meio da tatuagem. O próprio livro apresenta, proporcionalmente, pouquíssimas imagens de homens nus, vistos de costas, como se a força imagética das tatuagens e a atitude desafiadora de seu usuário se curvassem diante do código de vestuário hegemônico no mundo contemporâneo, ocultando áreas mais extensas de elaboração artística embaixo de calças jeans ou shorts. É curioso que, presumivelmente, quem veja o homem maori despido já esteja a par de sua identidade e seu status, assim como ele próprio. Portanto, algo misterioso permanece nessa arte identitária, hoje parcialmente velada, embora destinada a revelar. Eis alguns dos motivos pelos quais a leitura de Mau Moko pode ser instrutiva e prazerosa para os antropólogos brasileiros.

Revista Mana

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