Verlaine Freitas
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais
Rodrigo Duarte. Teoria crítica da indústria cultural.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.218p.
Abrangente e minucioso: duas características, em geral mutuamente excludentes, que podem ser atribuídas ao livro de Rodrigo Duarte, que fala sobre a abordagem dos filósofos da Escola de Frankfurt em relação ao fenômeno da indústria cultural. O percurso do autor é extenso: desde elementos históricos da fundação da Teoria Crítica, até os desdobramentos econômico-políticos atuais do fenômeno da globalização no âmbito da cultura de massa, passando pelas formulações iniciais de Marcuse, Benjamin e Adorno, e concentrando-se nos escritos deste último sobre o tema, seja na Dialética do esclarecimento, ou nos textos sociológicos e propriamente estéticos.
O contexto de surgimento da Escola de Frankfurt já indica uma das peculiaridades de suas produções teóricas. Max Horkheimer e seus companheiros formaram um grupo de intelectuais que se recusava a assumir a diretriz dos então atuantes partidos comunistas ou social-democratas. Sua tarefa era a de resgatar a dimensão crítica da filosofia e das ciências sociais por meio de estudos interdisciplinares que congregavam diversas formas de conhecimento, tal como a sociologia, a psicanálise, a pesquisa empírica, teorias artísticas e, obviamente, a própria filosofia. Em vez de um pensamento teórico pretensamente desinteressado de seu objeto de estudo, tal como a teoria tradicional, esse grupo trouxe para a própria teoria a dimensão transformadora da realidade que foi reclamada por Marx. Por outro lado, foi necessário evitar também a alternativa de aplicação da teoria na realidade social como foi tentado nos países do leste europeu. Esse posicionamento da Escola de Frankfurt fica evidente em todo o livro de Rodrigo Duarte, na medida em que a análise da cultura de massa não se rende a uma simples patrulha ideológica, nem tampouco a uma investigação formal de seus constituintes ou mesmo de suas estratégias, pois sempre estará em jogo o quanto este fenômeno é expressão de relações de poder estabelecidas na dinâmica do capitalismo tardio.
Um aspecto relevante do aparato crítico usado por aqueles filósofos é o de que, substancialmente favoráveis às análises de Marx sobre a sociedade capitalista, acolheram a idéia de uma grande importância da economia como mola propulsora da realidade social, sem, no entanto, negligenciar a especificidade e principalmente a cada vez mais expressiva força própria da superestrutura. A indústria cultural é, nesse aspecto, um exemplo eloqüente do quanto é tensa a relação entre o âmbito econômico e as produções culturais por assim dizer espiritualizadas. Em vez de ela se destacar como um produto ideológico para além dos conflitos na esfera econômica, imiscui-se na mentalidade pequeno-burguesa, característica de um público que tendencialmente se distancia das classes tal como pensadas no marxismo inicial. No livro de Rodrigo Duarte vemos como a Teoria Critica concebeu este entrelaçamento entre a relativa autonomia do fenômeno da cultura de massa, a esfera econômica e a vida cotidiana de seus consumidores.
Embora fale sobre artigos de Walter Benjamin, Marcuse e um texto escrito apenas por Horkheimer, Rodrigo Duarte usará a grande obra feita em conjunto por aquele último e Adorno, Dialética do esclarecimento, como referência principal ao delinear o aparato crítico da Escola de Frankfurt sobre a cultura de massa. Além de esse livro apresentar os conceitos em sua maior densidade filosófica, será retomado em outros textos de Adorno e o próprio Duarte procurará mostrar, na parte final de seu livro, em que medida tais reflexões dos anos quarenta ainda são úteis para explicar o fenômeno da globalização nessa esfera cultural.
O título do capítulo da obra conjunta de Horkheimer e Adorno, "Indústria cultural — o esclarecimento como mistificação das massas", já mostra a posição teórica que será conferida ao assunto: seu enraizamento no processo de racionalização do Ocidente. Tal como se recusavam a dizer do fenômeno do fascismo como algo próprio apenas do século XX, procurando suas origens numa forma de racionalidade que se estende a uma história bastante pregressa, iniciada já com o pensamento mítico, aqueles filósofos procuraram mostrar o quanto a indústria cultural é resultado da expansão da racionalidade instrumental sobre uma área antes razoavelmente isenta dessa influência: o prazer estético. A essência do saber esclarecido, racionalizado, não é a da contemplação da verdade, mas sim a do procedimento eficaz, da técnica, que subjuga tanto os produtos quanto a própria força subjetiva ao desejo de produzir mais a fim de extrair maior quantidade de valores, principalmente financeiros. Trata-se de uma hipóstase dos meios em detrimento dos fins humanos, que deixam de ser concebidos por uma razão que se resume a um cálculo otimizado. Nesse processo, a natureza externa e interna é subjugada por um aparato tecnológico cada vez mais sofisticado, cujo ápice, ironicamente, pôde ser percebido na Guerra Fria, por exemplo, com as absurdas cifras do potencial bélico dos EUA e da URSS, capazes de destruir o planeta dezenas de vezes. Esse paradoxo de uma racionalidade cujo apogeu coincide com a anulação do ser humano também é visível na indústria cultural, que engana seus adeptos exatamente ao lhes proporcionar o sentimento de satisfação que, como veremos, é substancialmente ilusório.
A parte sobre indústria cultural da Dialética do esclarecimento é especialmente fragmentária, mas os autores a dividiram em sete sessões sem título, cuja temática é analisada por Rodrigo Duarte de acordo com a sugestão de Heinz Steinert: 1- a indústria, a produção de mercadorias culturais; 2- o "hobbysta" nas garras do estilo da indústria cultural; 3- as origens históricas no liberalismo, cultura como adestramento, diversão como disciplina; 4- a atualidade da confiscação (Vereinnahmung) — (sobre)viver como jogo de azar, a promessa de obediência; 5- provimento autoritário e a liquidação do trágico; 6- o indivíduo confiscado, propaganda; 7- cultura como reclame.
1- É evidente que no capitalismo tardio a unidade cultural fornecida pela religião declinou, mas em vez de um caos, o que se tem é uma unidade fornecida por todo o aparato da cultura de massa. O que mais à frente Rodrigo Duarte irá comentar, a globalização, já pôde ser detectada em termos estéticos por Adorno e Horkheimer nos anos quarenta, ao apontarem para a homogeneidade em manifestações ao redor do mundo. Há também o vínculo entre a dimensão produtiva e consumidora, na medida em que os produtos são fabricados ao se captarem necessidades sociais genéricas no público, ao qual se apresentam então estereótipos embelezados tecnicamente. Desse modo, manipulam-se retroativamente as necessidades, que ficam cada vez mais restringidas aos produtos que são apresentados como feitos para satisfazê-las, enquanto na verdade elas são tomadas apenas como campos em uma visão estatística geral.
2- 0 "hobbysta" (Freizeitler) é aquele que usufrui dos produtos da cultura de massa pensando que age espontaneamente, como se seu prazer fosse fruto de sua liberdade. Ledo engano. Todo o suposto jogo livre das formas, sons e figuras está determinado por um esquema geral de percepção, de tal modo que cada pormenor se conjuga com a totalidade a partir de chaves de compreensão estereotipadas, clichês que permitem a identificação imediata do sentido precário do conjunto. Aquilo que Kant falava como chave da transição do particular para o universal, o esquematismo, teria sido apropriado pela indústria cultural por meio desse procedimento homogeneizante da percepção, que iguala, além disso, todo o âmbito do filme à realidade fora do cinema, mediante uma naturalização forçada das imagens e do idioma estético.
3- 0 capitalismo concorrencial, presente nos inícios da era burguesa, transformou-se cada vez mais em monopolista. Entretanto, devido ao fato de que a indústria cultural necessita o tempo todo prestar atenção às necessidades genéricas de seus consumidores por meio de um olhar estatístico aguçado, o espírito inicial do liberalismo ainda sobrevive em alguma medida nesse âmbito, pois necessita sempre de talentos capazes de sintonizar as mercadorias com as tendências de recepção. Nesse processo, toda a máquina gira sem sair do lugar, pois os produtos são resultado de fórmulas para se oferecer o mesmo como se fosse novidade. Tal não significa, porém, que o divertimento, a pura associação livre seja ruim em si. O grande problema é que a indústria cultural exerce uma espiritualização forçada do lúdico, que pode ser visto em uma forma não corrompida na arte leve ou cultura popular. Por outro lado, todo o esforço da grande arte em elaborar radicalmente seus materiais é transferido para uma técnica exaustiva que pretende extrair de cada detalhe das obras de cultura de massa o que o espírito capitalista aproveita e deseja fomentar na mente dos consumidores. Assim, a indústria cultural realiza uma síntese perversa entre o jogo da cultura popular e a sobriedade da arte erudita, falsificando ambas. O resultado é um processo de adaptação sistemática do indivíduo na totalidade, que se dá, em termos mais específicos de linguagem estética, no humor sarcástico com as cenas de pancadaria e humilhação dos personagens, tal como as surras que o Pato Donald leva nos cartoons. O espectador ri de sua própria condição de rejeitado pelo sistema. Além disso, todo o brilho dos nomes dos astros nos filmes e das imagens televisivas constitui um enorme cardápio que se oferece no lugar da própria coisa, que, mesmo quando é comprada, como reflexo do estímulo causado pela publicidade, sempre é decepcionante. Esse ritual de excitar o desejo e ao mesmo tempo negar sua realização substancial caracteriza a essência da indústria cultural como ameaça de castração.
4- 0 sistema capitalista, desde seu nascimento, baseou-se na idéia de que todos são livres para fazer o que quiserem, sem os entraves da sociedade tradicional. Em um mundo totalmente administrado, como diz Adorno, é preciso fazer crer que a rede de monopólios, trustes e cartéis ainda mantém espaço para o acaso, em que a liberdade individual pode ser exercida. A indústria cultural se incumbiu de fornecer essa ilusão de contingência. Vários de seus produtos incluem a idéia de que qualquer um poderia fazer parte do universo de riqueza mostrado por eles. A todo instante é notório o apelo por novos talentos, novas formas de realizar algum tipo de trabalho, e toda a enorme rede de loterias, sorteios e premiações que mostram a possibilidade de qualquer um tirar a sorte grande. Como a quantidade de premiados é desprezível em relação aos que permanecem toda a sua existência sem ganhar nada de significativo, o que ocorre é que a própria imagem da possibilidade de ganho por qualquer um já é usufruída pelos indivíduos como o próprio prêmio, como uma realização fantasística do desejo.
Esse poder da cultura de massa de se misturar no real, de tornar iguais a imagem e a realidade, faz com que seu teor ideológico se diferencie substancialmente do que era classicamente considerado como tal. No tempo de Marx, ideológico era o que se colocava para além das contradições da infra-estrutura, como uma hipóstase de idéias e concepções avessas à dinâmica histórica e social. Na cultura de massa, seu caráter ideológico consiste na colocação da existência do mundo como seu sentido. Em termos gerais, o prazer que os consumidores experimentam nessas obras é o de saberem que o mundo é tal como eles pensam que é.
5- 0 capitalismo tardio é uma escola de adaptação ao sistema. Somente se percebe como tendo chance de sucesso aquele que se adapta às exigências do mercado e da vida em geral. Em vez de mostrar a dignidade de um ego que se afirma em sua diferença relativa ao todo social e cósmico, tal como podemos perceber na tragédia grega, a indústria cultural tende a enfatizar o quanto a identidade subjetiva se valoriza a partir da integração à totalidade social. Desse modo, ela faz constantes empréstimos à arte mostrando o sofrimento como etapa necessária no processo de luta pela vida e de inserção social. Nessa corrupção do trágico, Adorno e Horkheimer visualizam a própria anulação do indivíduo.
6- Tem-se, a partir desse quadro, uma pseudo-individualidade, na medida em que cada indivíduo apresenta traços dispersos de uma universalidade consumida em cada produto da indústria cultural. Todo ídolo exprime uma realização pessoal que cada um já não mais acredita que possa alcançar, contentando-se com a participação meramente imagética, cujo resultado é a resignação. Essa característica desses produtos mostra o quanto sua essência se esgota na finalidade de gerar lucro. É bem verdade, por outro lado, que as obras de arte sempre foram mercadorias no universo capitalista, mas elas exercem uma negação desse aspecto ao seguirem a lei de sua própria identidade, enquanto as obras de cultura de massa são mercadoria integralmente. Uma vez que não possuem um valor de uso específico, determinado materialmente, sua qualidade depende apenas de seu valor de troca, vinculado ao prestígio social, ao status, conferido a quem as freqüenta.
7- Todas as produções da indústria cultural não são apenas compatíveis com a publicidade: são-lhe totalmente homogêneas. Qualquer programa de televisão tem como sua substância última o mesmo princípio associativo que a publicidade em seus intervalos comerciais: compra-se a felicidade com a participação no universo imagético apresentado. No caso do programa, o consumidor imagina situar-se naquele universo de beleza, felicidade, juventude, potência sexual etc., e ao comprar uma mercadoria anunciada na publicidade, tenta fazer a mesma coisa, só que diretamente com a posse material do objeto, que se toma um mero pretexto para a aquisição imaginária daqueles mesmos valores. Na suposta transparência plena do discurso publicitário, Adorno e Horkheimer identificam um dos principais motivos pelos quais a indústria cultural se mostra como mais uma das faces de regressão do esclarecimento ao mito, na medida em que a suprema racionalização coincide com a manutenção eterna da ordem social vigente.
Uma das caracteristicas positivas do livro de Rodrigo Duarte é a de não limitar sua abordagem apenas ao que é diretamente ligado ao tema da indústria cultural, enfocando conceitos que giram ao seu redor. É o caso de sua análise sobre a história filosófica do anti-semitismo, esboçada em uma das partes da Dialética do esclarecimento. Nesse item, os autores tentam explicar a ascensão vertiginosa do sentimento anti-semita, que constituiu um dos pilares da ideologia nazista. Trata-se de explicar por que pessoas com uma história de vida aparentemente normal puderam colaborar com um genocídio tão brutal. Um dos conceitos empregados é o da falsa projeção, caracterizada pelo fato de que o ego, esvaziado da consciência de suas motivações historicamente determinadas, tende a projetar no outro tudo aquilo que em seu interior é pressentido de forma penosa e com repugnância. Nessa exteriorização de sentimentos hostis, geralmente são escolhidos indivíduos pertencentes a minorias étnicas, religiosas, sexuais e outras, às quais se atribuem características que as tornem alvo justificado para a agressão.
Esse conceito de um ego enfraquecido, que precisa desesperadamente se afirmar perante si mesmo e a sociedade, é um dos elementos mais fortes em toda a análise que Adorno fará em seu trabalho solo, e também quando participou da pesquisa empírica da Escola de Frankfurt que resultou no livro A personalidade autoritária. Pode ser visto também como a base da idéia de uma semicultura (ou semiformação), em que o indivíduo, dispensando-se do esforço de adquirir conhecimentos e também de refletir sobre seus pressupostos, apóia-se na satisfação de apenas tomar parte no universo cultural, tendo apenas noções vagas de tudo o que é dito, deixando-se iludir facilmente por meio dos conteúdos veiculados nessas imagens, cuja diretriz é sempre a do conformismo ao sistema como um todo. Essa idéia também está presente no texto "Os astros descem à terra", em que Adorno faz uma análise da coluna de astrologia do Los Angeles Times, escrita na época por Carrol Righter e cuja estratégia discursiva consistia sempre em conselhos de obediência aos hierarquicamente superiores, seja em termos políticos ou profissionais, e também em regras de convivência cujo fim último era a manutenção da ordem social e de suas diferenças de poder.
Nos livros Minima moralia, Filosofia da nova música e a Teoria estética, entre diversos assuntos, Adorno mostra-se especialmente preocupado com o quanto a indústria cultural é índice da recaída da cultura na barbárie, vista por ele como um prolongamento da irracionalidade da natureza no âmbito da cultura. Nesse aspecto, a grande arte, testemunho da única possibilidade radical de uma relação sensível com um mundo isento da falsificação irrefletida do esclarecimento, é relacionada ao empobrecimento causado pelo indústria cultural. No segundo daqueles livros acima, o autor compara o caráter progressista da polifonia da obra de Schönberg e o caráter regressivo da produção de Stravinsky, que acentua o caráter espacial da música em detrimento da profundidade subjetiva do tempo, que, segundo Adorno, é um elemento fundamental na música como uma forma avançada de arte. Na Teoria estética, o conceito de desartificação é usado para caracterizar o quanto as obras de indústria cultural se rendem ao processo de reificação das consciências, tornando-se meros veículos de estados de espírito estereotipados dos consumidores. Contra esse processo de depauperamento, Adorno insiste em uma recusa enfática da arte em satisfazer necessidades geradas pelo sistema capitalista, esforçando-se por ganhar uma identidade a partir de sua própria lei de movimento. Entretanto, dada a supremacia radical da cultura de massa em termos de penetração junto ao público, como a televisão, o rádio, revistas etc., a possibilidade de sobrevivência da arte não está acima de qualquer suspeita, sendo seu futuro bastante incerto.
Vários textos de Adorno retomam as reflexões da Dialética do esclarecimento, aprofundando-se particularmente em relação ao meio televisivo, que nos anos quarenta ainda era incipiente. No artigo "Resumo sobre indústria cultural", o autor diz que não se deve negligenciar a importância da cultura de massa como formadora das mentalidades, mas ao mesmo tempo alerta para não se confundir este aspecto factual com o de direito, ou seja, não se trata de dizer que sua maciça influência justifique a idéia de que ela tenha valor, que contribua para a emancipação dos homens. No texto "Televisão como ideologia", ele mostra que não se deve dizer que as obras de cultura de massa possuem apenas um único sentido, como se não houvesse estratos de significação variados, pois essa multiplicidade significativa é apropriada pelos meios de massa como o modo de se ligar às várias camadas psicológicas de seus consumidores. Trata-se, nesse caso, de uma espécie de saturação da receptividade no público, de modo a fazer com que cada um não suspeite do fato de que os produtos consumidos na verdade não possuem a substância que parecem ter. Ainda nesse texto, o autor faz várias análises de enredos de peças e comédias, em que mais uma vez se ressalta o quanto essas obras primam pela degeneração do senso de individualidade e de autonomia, instigando, sob diversas formas e mediante clichês, o conformismo ao sistema e a renúncia ao esforço de reflexão.
A parte final do livro de Rodrigo Duarte, embora não contenha um aporte filosófico acentuado, é interessante ao tomar como tema o desenvolvimento da globalização a partir dos anos noventa do século passado, visto como uma espécie de confirmação da idéia de Marshall McLuhan de uma aldeia global, em que se ressaltam os movimentos de incorporação de grandes firmas de comunicação de massa por parte de indústrias eletroeletrônicas, principalmente japonesas.
Em que pese as diversas diferenças entre este mundo globalizado e o estágio capitalista dos anos quarenta, Rodrigo Duarte procura mostrar o quanto a crítica de Adorno e Horkheimer ainda permanece válida, na medida em que todo o aperfeiçoamento da tecnologia da indústria cultural caminhou no sentido de enfatizar o tratamento que ela dispensa a seus consumidores, tratados sempre como objetos de investigação estatística, além da invariável tentativa de mantê-los em um estado de manipulação e de menoridade através estereótipos e formas que privilegiam sempre a resignação perante o sistema como um todo.
Diante desse desenvolvimento teórico, que como se nota é bastante abrangente, podemos dizer que o livro de Rodrigo Duarte constitui uma fonte de pesquisa sobre a indústria cultural de inestimável valor, pela multiplicidade de referências bibliográficas dos autores da escola de Frankfurt, principalmente de Theodor Adorno, que de todos foi o que mais se dedicou a esse tema.
Kriterion: Revista de Filosofia
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais
Rodrigo Duarte. Teoria crítica da indústria cultural.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.218p.
Abrangente e minucioso: duas características, em geral mutuamente excludentes, que podem ser atribuídas ao livro de Rodrigo Duarte, que fala sobre a abordagem dos filósofos da Escola de Frankfurt em relação ao fenômeno da indústria cultural. O percurso do autor é extenso: desde elementos históricos da fundação da Teoria Crítica, até os desdobramentos econômico-políticos atuais do fenômeno da globalização no âmbito da cultura de massa, passando pelas formulações iniciais de Marcuse, Benjamin e Adorno, e concentrando-se nos escritos deste último sobre o tema, seja na Dialética do esclarecimento, ou nos textos sociológicos e propriamente estéticos.
O contexto de surgimento da Escola de Frankfurt já indica uma das peculiaridades de suas produções teóricas. Max Horkheimer e seus companheiros formaram um grupo de intelectuais que se recusava a assumir a diretriz dos então atuantes partidos comunistas ou social-democratas. Sua tarefa era a de resgatar a dimensão crítica da filosofia e das ciências sociais por meio de estudos interdisciplinares que congregavam diversas formas de conhecimento, tal como a sociologia, a psicanálise, a pesquisa empírica, teorias artísticas e, obviamente, a própria filosofia. Em vez de um pensamento teórico pretensamente desinteressado de seu objeto de estudo, tal como a teoria tradicional, esse grupo trouxe para a própria teoria a dimensão transformadora da realidade que foi reclamada por Marx. Por outro lado, foi necessário evitar também a alternativa de aplicação da teoria na realidade social como foi tentado nos países do leste europeu. Esse posicionamento da Escola de Frankfurt fica evidente em todo o livro de Rodrigo Duarte, na medida em que a análise da cultura de massa não se rende a uma simples patrulha ideológica, nem tampouco a uma investigação formal de seus constituintes ou mesmo de suas estratégias, pois sempre estará em jogo o quanto este fenômeno é expressão de relações de poder estabelecidas na dinâmica do capitalismo tardio.
Um aspecto relevante do aparato crítico usado por aqueles filósofos é o de que, substancialmente favoráveis às análises de Marx sobre a sociedade capitalista, acolheram a idéia de uma grande importância da economia como mola propulsora da realidade social, sem, no entanto, negligenciar a especificidade e principalmente a cada vez mais expressiva força própria da superestrutura. A indústria cultural é, nesse aspecto, um exemplo eloqüente do quanto é tensa a relação entre o âmbito econômico e as produções culturais por assim dizer espiritualizadas. Em vez de ela se destacar como um produto ideológico para além dos conflitos na esfera econômica, imiscui-se na mentalidade pequeno-burguesa, característica de um público que tendencialmente se distancia das classes tal como pensadas no marxismo inicial. No livro de Rodrigo Duarte vemos como a Teoria Critica concebeu este entrelaçamento entre a relativa autonomia do fenômeno da cultura de massa, a esfera econômica e a vida cotidiana de seus consumidores.
Embora fale sobre artigos de Walter Benjamin, Marcuse e um texto escrito apenas por Horkheimer, Rodrigo Duarte usará a grande obra feita em conjunto por aquele último e Adorno, Dialética do esclarecimento, como referência principal ao delinear o aparato crítico da Escola de Frankfurt sobre a cultura de massa. Além de esse livro apresentar os conceitos em sua maior densidade filosófica, será retomado em outros textos de Adorno e o próprio Duarte procurará mostrar, na parte final de seu livro, em que medida tais reflexões dos anos quarenta ainda são úteis para explicar o fenômeno da globalização nessa esfera cultural.
O título do capítulo da obra conjunta de Horkheimer e Adorno, "Indústria cultural — o esclarecimento como mistificação das massas", já mostra a posição teórica que será conferida ao assunto: seu enraizamento no processo de racionalização do Ocidente. Tal como se recusavam a dizer do fenômeno do fascismo como algo próprio apenas do século XX, procurando suas origens numa forma de racionalidade que se estende a uma história bastante pregressa, iniciada já com o pensamento mítico, aqueles filósofos procuraram mostrar o quanto a indústria cultural é resultado da expansão da racionalidade instrumental sobre uma área antes razoavelmente isenta dessa influência: o prazer estético. A essência do saber esclarecido, racionalizado, não é a da contemplação da verdade, mas sim a do procedimento eficaz, da técnica, que subjuga tanto os produtos quanto a própria força subjetiva ao desejo de produzir mais a fim de extrair maior quantidade de valores, principalmente financeiros. Trata-se de uma hipóstase dos meios em detrimento dos fins humanos, que deixam de ser concebidos por uma razão que se resume a um cálculo otimizado. Nesse processo, a natureza externa e interna é subjugada por um aparato tecnológico cada vez mais sofisticado, cujo ápice, ironicamente, pôde ser percebido na Guerra Fria, por exemplo, com as absurdas cifras do potencial bélico dos EUA e da URSS, capazes de destruir o planeta dezenas de vezes. Esse paradoxo de uma racionalidade cujo apogeu coincide com a anulação do ser humano também é visível na indústria cultural, que engana seus adeptos exatamente ao lhes proporcionar o sentimento de satisfação que, como veremos, é substancialmente ilusório.
A parte sobre indústria cultural da Dialética do esclarecimento é especialmente fragmentária, mas os autores a dividiram em sete sessões sem título, cuja temática é analisada por Rodrigo Duarte de acordo com a sugestão de Heinz Steinert: 1- a indústria, a produção de mercadorias culturais; 2- o "hobbysta" nas garras do estilo da indústria cultural; 3- as origens históricas no liberalismo, cultura como adestramento, diversão como disciplina; 4- a atualidade da confiscação (Vereinnahmung) — (sobre)viver como jogo de azar, a promessa de obediência; 5- provimento autoritário e a liquidação do trágico; 6- o indivíduo confiscado, propaganda; 7- cultura como reclame.
1- É evidente que no capitalismo tardio a unidade cultural fornecida pela religião declinou, mas em vez de um caos, o que se tem é uma unidade fornecida por todo o aparato da cultura de massa. O que mais à frente Rodrigo Duarte irá comentar, a globalização, já pôde ser detectada em termos estéticos por Adorno e Horkheimer nos anos quarenta, ao apontarem para a homogeneidade em manifestações ao redor do mundo. Há também o vínculo entre a dimensão produtiva e consumidora, na medida em que os produtos são fabricados ao se captarem necessidades sociais genéricas no público, ao qual se apresentam então estereótipos embelezados tecnicamente. Desse modo, manipulam-se retroativamente as necessidades, que ficam cada vez mais restringidas aos produtos que são apresentados como feitos para satisfazê-las, enquanto na verdade elas são tomadas apenas como campos em uma visão estatística geral.
2- 0 "hobbysta" (Freizeitler) é aquele que usufrui dos produtos da cultura de massa pensando que age espontaneamente, como se seu prazer fosse fruto de sua liberdade. Ledo engano. Todo o suposto jogo livre das formas, sons e figuras está determinado por um esquema geral de percepção, de tal modo que cada pormenor se conjuga com a totalidade a partir de chaves de compreensão estereotipadas, clichês que permitem a identificação imediata do sentido precário do conjunto. Aquilo que Kant falava como chave da transição do particular para o universal, o esquematismo, teria sido apropriado pela indústria cultural por meio desse procedimento homogeneizante da percepção, que iguala, além disso, todo o âmbito do filme à realidade fora do cinema, mediante uma naturalização forçada das imagens e do idioma estético.
3- 0 capitalismo concorrencial, presente nos inícios da era burguesa, transformou-se cada vez mais em monopolista. Entretanto, devido ao fato de que a indústria cultural necessita o tempo todo prestar atenção às necessidades genéricas de seus consumidores por meio de um olhar estatístico aguçado, o espírito inicial do liberalismo ainda sobrevive em alguma medida nesse âmbito, pois necessita sempre de talentos capazes de sintonizar as mercadorias com as tendências de recepção. Nesse processo, toda a máquina gira sem sair do lugar, pois os produtos são resultado de fórmulas para se oferecer o mesmo como se fosse novidade. Tal não significa, porém, que o divertimento, a pura associação livre seja ruim em si. O grande problema é que a indústria cultural exerce uma espiritualização forçada do lúdico, que pode ser visto em uma forma não corrompida na arte leve ou cultura popular. Por outro lado, todo o esforço da grande arte em elaborar radicalmente seus materiais é transferido para uma técnica exaustiva que pretende extrair de cada detalhe das obras de cultura de massa o que o espírito capitalista aproveita e deseja fomentar na mente dos consumidores. Assim, a indústria cultural realiza uma síntese perversa entre o jogo da cultura popular e a sobriedade da arte erudita, falsificando ambas. O resultado é um processo de adaptação sistemática do indivíduo na totalidade, que se dá, em termos mais específicos de linguagem estética, no humor sarcástico com as cenas de pancadaria e humilhação dos personagens, tal como as surras que o Pato Donald leva nos cartoons. O espectador ri de sua própria condição de rejeitado pelo sistema. Além disso, todo o brilho dos nomes dos astros nos filmes e das imagens televisivas constitui um enorme cardápio que se oferece no lugar da própria coisa, que, mesmo quando é comprada, como reflexo do estímulo causado pela publicidade, sempre é decepcionante. Esse ritual de excitar o desejo e ao mesmo tempo negar sua realização substancial caracteriza a essência da indústria cultural como ameaça de castração.
4- 0 sistema capitalista, desde seu nascimento, baseou-se na idéia de que todos são livres para fazer o que quiserem, sem os entraves da sociedade tradicional. Em um mundo totalmente administrado, como diz Adorno, é preciso fazer crer que a rede de monopólios, trustes e cartéis ainda mantém espaço para o acaso, em que a liberdade individual pode ser exercida. A indústria cultural se incumbiu de fornecer essa ilusão de contingência. Vários de seus produtos incluem a idéia de que qualquer um poderia fazer parte do universo de riqueza mostrado por eles. A todo instante é notório o apelo por novos talentos, novas formas de realizar algum tipo de trabalho, e toda a enorme rede de loterias, sorteios e premiações que mostram a possibilidade de qualquer um tirar a sorte grande. Como a quantidade de premiados é desprezível em relação aos que permanecem toda a sua existência sem ganhar nada de significativo, o que ocorre é que a própria imagem da possibilidade de ganho por qualquer um já é usufruída pelos indivíduos como o próprio prêmio, como uma realização fantasística do desejo.
Esse poder da cultura de massa de se misturar no real, de tornar iguais a imagem e a realidade, faz com que seu teor ideológico se diferencie substancialmente do que era classicamente considerado como tal. No tempo de Marx, ideológico era o que se colocava para além das contradições da infra-estrutura, como uma hipóstase de idéias e concepções avessas à dinâmica histórica e social. Na cultura de massa, seu caráter ideológico consiste na colocação da existência do mundo como seu sentido. Em termos gerais, o prazer que os consumidores experimentam nessas obras é o de saberem que o mundo é tal como eles pensam que é.
5- 0 capitalismo tardio é uma escola de adaptação ao sistema. Somente se percebe como tendo chance de sucesso aquele que se adapta às exigências do mercado e da vida em geral. Em vez de mostrar a dignidade de um ego que se afirma em sua diferença relativa ao todo social e cósmico, tal como podemos perceber na tragédia grega, a indústria cultural tende a enfatizar o quanto a identidade subjetiva se valoriza a partir da integração à totalidade social. Desse modo, ela faz constantes empréstimos à arte mostrando o sofrimento como etapa necessária no processo de luta pela vida e de inserção social. Nessa corrupção do trágico, Adorno e Horkheimer visualizam a própria anulação do indivíduo.
6- Tem-se, a partir desse quadro, uma pseudo-individualidade, na medida em que cada indivíduo apresenta traços dispersos de uma universalidade consumida em cada produto da indústria cultural. Todo ídolo exprime uma realização pessoal que cada um já não mais acredita que possa alcançar, contentando-se com a participação meramente imagética, cujo resultado é a resignação. Essa característica desses produtos mostra o quanto sua essência se esgota na finalidade de gerar lucro. É bem verdade, por outro lado, que as obras de arte sempre foram mercadorias no universo capitalista, mas elas exercem uma negação desse aspecto ao seguirem a lei de sua própria identidade, enquanto as obras de cultura de massa são mercadoria integralmente. Uma vez que não possuem um valor de uso específico, determinado materialmente, sua qualidade depende apenas de seu valor de troca, vinculado ao prestígio social, ao status, conferido a quem as freqüenta.
7- Todas as produções da indústria cultural não são apenas compatíveis com a publicidade: são-lhe totalmente homogêneas. Qualquer programa de televisão tem como sua substância última o mesmo princípio associativo que a publicidade em seus intervalos comerciais: compra-se a felicidade com a participação no universo imagético apresentado. No caso do programa, o consumidor imagina situar-se naquele universo de beleza, felicidade, juventude, potência sexual etc., e ao comprar uma mercadoria anunciada na publicidade, tenta fazer a mesma coisa, só que diretamente com a posse material do objeto, que se toma um mero pretexto para a aquisição imaginária daqueles mesmos valores. Na suposta transparência plena do discurso publicitário, Adorno e Horkheimer identificam um dos principais motivos pelos quais a indústria cultural se mostra como mais uma das faces de regressão do esclarecimento ao mito, na medida em que a suprema racionalização coincide com a manutenção eterna da ordem social vigente.
Uma das caracteristicas positivas do livro de Rodrigo Duarte é a de não limitar sua abordagem apenas ao que é diretamente ligado ao tema da indústria cultural, enfocando conceitos que giram ao seu redor. É o caso de sua análise sobre a história filosófica do anti-semitismo, esboçada em uma das partes da Dialética do esclarecimento. Nesse item, os autores tentam explicar a ascensão vertiginosa do sentimento anti-semita, que constituiu um dos pilares da ideologia nazista. Trata-se de explicar por que pessoas com uma história de vida aparentemente normal puderam colaborar com um genocídio tão brutal. Um dos conceitos empregados é o da falsa projeção, caracterizada pelo fato de que o ego, esvaziado da consciência de suas motivações historicamente determinadas, tende a projetar no outro tudo aquilo que em seu interior é pressentido de forma penosa e com repugnância. Nessa exteriorização de sentimentos hostis, geralmente são escolhidos indivíduos pertencentes a minorias étnicas, religiosas, sexuais e outras, às quais se atribuem características que as tornem alvo justificado para a agressão.
Esse conceito de um ego enfraquecido, que precisa desesperadamente se afirmar perante si mesmo e a sociedade, é um dos elementos mais fortes em toda a análise que Adorno fará em seu trabalho solo, e também quando participou da pesquisa empírica da Escola de Frankfurt que resultou no livro A personalidade autoritária. Pode ser visto também como a base da idéia de uma semicultura (ou semiformação), em que o indivíduo, dispensando-se do esforço de adquirir conhecimentos e também de refletir sobre seus pressupostos, apóia-se na satisfação de apenas tomar parte no universo cultural, tendo apenas noções vagas de tudo o que é dito, deixando-se iludir facilmente por meio dos conteúdos veiculados nessas imagens, cuja diretriz é sempre a do conformismo ao sistema como um todo. Essa idéia também está presente no texto "Os astros descem à terra", em que Adorno faz uma análise da coluna de astrologia do Los Angeles Times, escrita na época por Carrol Righter e cuja estratégia discursiva consistia sempre em conselhos de obediência aos hierarquicamente superiores, seja em termos políticos ou profissionais, e também em regras de convivência cujo fim último era a manutenção da ordem social e de suas diferenças de poder.
Nos livros Minima moralia, Filosofia da nova música e a Teoria estética, entre diversos assuntos, Adorno mostra-se especialmente preocupado com o quanto a indústria cultural é índice da recaída da cultura na barbárie, vista por ele como um prolongamento da irracionalidade da natureza no âmbito da cultura. Nesse aspecto, a grande arte, testemunho da única possibilidade radical de uma relação sensível com um mundo isento da falsificação irrefletida do esclarecimento, é relacionada ao empobrecimento causado pelo indústria cultural. No segundo daqueles livros acima, o autor compara o caráter progressista da polifonia da obra de Schönberg e o caráter regressivo da produção de Stravinsky, que acentua o caráter espacial da música em detrimento da profundidade subjetiva do tempo, que, segundo Adorno, é um elemento fundamental na música como uma forma avançada de arte. Na Teoria estética, o conceito de desartificação é usado para caracterizar o quanto as obras de indústria cultural se rendem ao processo de reificação das consciências, tornando-se meros veículos de estados de espírito estereotipados dos consumidores. Contra esse processo de depauperamento, Adorno insiste em uma recusa enfática da arte em satisfazer necessidades geradas pelo sistema capitalista, esforçando-se por ganhar uma identidade a partir de sua própria lei de movimento. Entretanto, dada a supremacia radical da cultura de massa em termos de penetração junto ao público, como a televisão, o rádio, revistas etc., a possibilidade de sobrevivência da arte não está acima de qualquer suspeita, sendo seu futuro bastante incerto.
Vários textos de Adorno retomam as reflexões da Dialética do esclarecimento, aprofundando-se particularmente em relação ao meio televisivo, que nos anos quarenta ainda era incipiente. No artigo "Resumo sobre indústria cultural", o autor diz que não se deve negligenciar a importância da cultura de massa como formadora das mentalidades, mas ao mesmo tempo alerta para não se confundir este aspecto factual com o de direito, ou seja, não se trata de dizer que sua maciça influência justifique a idéia de que ela tenha valor, que contribua para a emancipação dos homens. No texto "Televisão como ideologia", ele mostra que não se deve dizer que as obras de cultura de massa possuem apenas um único sentido, como se não houvesse estratos de significação variados, pois essa multiplicidade significativa é apropriada pelos meios de massa como o modo de se ligar às várias camadas psicológicas de seus consumidores. Trata-se, nesse caso, de uma espécie de saturação da receptividade no público, de modo a fazer com que cada um não suspeite do fato de que os produtos consumidos na verdade não possuem a substância que parecem ter. Ainda nesse texto, o autor faz várias análises de enredos de peças e comédias, em que mais uma vez se ressalta o quanto essas obras primam pela degeneração do senso de individualidade e de autonomia, instigando, sob diversas formas e mediante clichês, o conformismo ao sistema e a renúncia ao esforço de reflexão.
A parte final do livro de Rodrigo Duarte, embora não contenha um aporte filosófico acentuado, é interessante ao tomar como tema o desenvolvimento da globalização a partir dos anos noventa do século passado, visto como uma espécie de confirmação da idéia de Marshall McLuhan de uma aldeia global, em que se ressaltam os movimentos de incorporação de grandes firmas de comunicação de massa por parte de indústrias eletroeletrônicas, principalmente japonesas.
Em que pese as diversas diferenças entre este mundo globalizado e o estágio capitalista dos anos quarenta, Rodrigo Duarte procura mostrar o quanto a crítica de Adorno e Horkheimer ainda permanece válida, na medida em que todo o aperfeiçoamento da tecnologia da indústria cultural caminhou no sentido de enfatizar o tratamento que ela dispensa a seus consumidores, tratados sempre como objetos de investigação estatística, além da invariável tentativa de mantê-los em um estado de manipulação e de menoridade através estereótipos e formas que privilegiam sempre a resignação perante o sistema como um todo.
Diante desse desenvolvimento teórico, que como se nota é bastante abrangente, podemos dizer que o livro de Rodrigo Duarte constitui uma fonte de pesquisa sobre a indústria cultural de inestimável valor, pela multiplicidade de referências bibliográficas dos autores da escola de Frankfurt, principalmente de Theodor Adorno, que de todos foi o que mais se dedicou a esse tema.
Kriterion: Revista de Filosofia
Nenhum comentário:
Postar um comentário