terça-feira, 3 de novembro de 2009

Brasil: formação do Estado e da Nação


José Ribeiro Júnior1


JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, Unijuí, Fapesp, 2003 (Estudos Históricos, 50), 703p.

Fatos históricos estruturais, como o desmanche da infeliz experiência soviética e a formação do mundo global, levaram os estudiosos das ciências humanas das mais diferentes partes do planeta a repensar em sua história sob novos referenciais de ordem política e cultural, para além dos econômicos. Nas últimas décadas surgiram autores consagrados e respeitáveis, revendo os enfoques de Estado e Nação e conceitos implícitos ou decorrentes, como nacionalismo, identidade, linguagem, etnia, e suas diversas interpretações e significados sob múltiplas conjunturas. Ernest Gellner, Benedict Anderson e o excelente Eric Hobsbawm em seu Nações e nacionalismos desde 1780, publicado no Brasil em 1990, estão entre os inspiradores de novas pesquisas em busca de novas explicações históricas. O aprofundamento dessa problemática tem inclusive proporcionado entre os pesquisadores brasileiros o resgate de grandes obras de historiadores mais distantes no tempo, como o valioso "Honra e Pátria", de Lucien Fèbvre, recuperado de seus manuscritos, publicado na França em 1996 e traduzido no Brasil em 1998. No caso, a motivação do autor fora a Segunda Guerra Mundial.

O livro ora em resenha inscreve-se no esforço de reinterpretação, especialmente da História do Brasil, reunindo historiadores, geógrafos e cientistas sociais em seminário internacional realizado na Universidade de São Paulo. O organizador do livro e coordenador do seminário é docente do curso de História da USP e autor de respeitadas publicações. Dirige um grupo temático, com o aval da Fapesp, composto por equipe bastante articulada em torno da problemática sugerida pela Formação do Estado e da Nação no Brasil. Vários pesquisadores do grupo apresentam artigos no livro, somando-se aos participantes convidados de diversas universidades brasileiras e do exterior.

O livro é dividido em quatro partes. Alguns artigos e ensaios são, em certos casos, apresentados fora de seqüência lógica e cronológica, o que é compreensível pela diversidade das comunicações. Nos limites de uma resenha, destacaremos o essencial dos 25 artigos e ensaios apresentados. Os pressupostos básicos do seminário são apontados por István Jancsó na Introdução (Este Livro). É realçado o grande equívoco de se reduzir a formação de Estado brasileiro à ruptura com Portugal em 1822. O processo de Independência é muito mais complexo e demanda estudos das muitas e diferentes sociabilidades políticas nas várias regiões e províncias, antes e depois da data tradicionalmente festejada. Questiona, igualmente, o Estado brasileiro como demiurgo da nação. Nessa linha de preocupações retomam-se, no livro, conceitos básicos para uma análise atualizada da História, privilegiando-se nesse seminário a formação do Estado no Brasil e a questão nacional. A redução simplista, agora revista, "(...) teve longa permanência no Brasil, a ponto de até hoje, a coesão do Estado brasileiro estar muito longe de expressar simultânea coesão social fundada em critérios de vigência universal"(p.28). De fato, não é questão simples responder sobre a consistência do Estado e da nação do Brasil do nosso tempo.

Em IDÉIAS E CONCEITOS, primeira parte do livro, estudam-se com rigor os conceitos fundantes da temática: imaginários de pátria, nação, identidades, sociabilidades, etnias, soberanias, entre outros, sempre no contexto de situações históricas concretas.

O artigo de abertura, de François-Xavier Guerra, mostra os diferentes matizes assumidos desde o século XVI pelos vocábulos assinalados, até chegar à invenção do paradigma de nação da época moderna. Na Espanha, "a nação é uma comunidade soberana formada pela associação voluntária de indivíduos iguais" (p.54). A nação concebida pela França revolucionária comporta não só a nação-reino como a nação-Estado, soberana e absoluta. E ainda a nação-povo, no sentido político e no sentido de comunidade cultural, "com passado e memória comuns, com imaginário compartilhado e projeto de futuro" (p.55). Esta comunicação fundamentada em exaustivas fontes escritas e obras raras, como enciclopédias e dicionários, além de autores que abordaram o assunto através dos tempos, chega a discordar parcialmente de B. Anderson. O todo acrescenta novos raciocínios que enriquecem a análise sobre a América espanhola. O estudo, importante em si, oferece condições para analogias e discrepâncias com a América portuguesa.

José Carlos Chiaramonte, da Universidade de Buenos Aires, destaca a etnicidade (entendida não apenas como raça, mas associada "aos atributos culturais" e sociais de um grupo humano), (p.65), como um dos indicadores para conceber o processo de formação das nações, no século XVIII e primeira metade do XIX. Observa que no século XVIII há um uso duplo do termo nação: um étnico e um político. O autor aprofunda o estudo etimológico e assinala uma mutação substancial na Revolução Francesa. Retoma alguns autores consagrados e estudos bem recentes da questão. Sua ênfase recai na etnicidade e nacionalismo do século XIX.

O artigo seguinte, de Antonio Manuel Hespanha, da Universidade Nova de Lisboa, enfoca problemas de organização política entre o antigo regime e o liberalismo. "Com a revolução liberal, nação passa a evocar a realidade política revolucionária, com a sua assembléia nacional, tudo isto carregado de evocações de conteúdo pactício e contratual mais forte" (p.99). Discute também o advento de Pátria e Nação, mecanismos institucionais e cidadania. Valendo-se de fontes semelhantes ao artigo anterior e ao que vem a seguir, cada um dos autores acrescenta e aprofunda conceitos fundamentais sobre o tema central e amplia a bibliografia de ponta já existente.

Tamar Herzog (Universidade de Chicago) estuda as identidades coletivas, analisando particularmente o caso espanhol; demonstra haver um sentimento identitário entre o local e o nacional, havendo no período moderno categorizações implícitas entre Castela e a América espanhola. Este estudo também é sugestivo para estudos comparativos na relação luso-americana.

O vocabulário político e a conjuntura na política hispano-americana e no império português (1810-1817) merecem de João Paulo G. Pimenta, da USP, cuidadosa análise, apoiando-se em farta documentação manuscrita e impressa. Usa jornais da época, especialmente o Correio Braziliense e manuscritos inéditos de arquivos. Demonstra o significado dos conceitos (conforme usados pelos personagens e em situações diversas) de revoluções, guerras civis, sublevações e seus termos associados, como anarquia, comoção, insubordinação, insurgência e outros. Os resultados expostos pelo autor, mostrando-os na tessitura dos acontecimentos, enriquecem as sinuosas dinâmicas do período de transição do antigo sistema colonial, com enfoque original no contexto da pré-Independência.

Em ESFERA DO ESTADO, segunda parte do livro, a pesquisa inicial, temática nova em termos de sistematização e reflexão, é enfrentada por Wilma Perez Costa, da Unicamp. Trata-se da fiscalidade na formação do Estado Moderno. Revela um encadeamento de cobrança de tributos, que realmente acrescenta elementos para a compreensão do Estado português e sua afirmação no que tange ao fiscalismo colonial da América portuguesa. "O sentido do fisco, na colônia, é ser instrumento da exploração colonial: ele se expressa por meio dos monopólios régios, em uma série de impostos diretos sobre a produção e o comércio colonial, sobre o tráfico negreiro, enfim sobre todas as atividades capazes de gerar excedentes, para além dos gastos com a defesa e manutenção da colônia" (p.151). A vinda da Família Real para o Brasil e seus desdobramentos provocaram nova moldagem por força das necessidades de um Estado nacional em construção. Merece leitura atenta esta pesquisa que apresenta "as dimensões contraditórias do esforço de fundação de um império no horizonte liberal reiterando ao mesmo tempo a ordem escravista e a natureza patrimonial da fiscalidade" (p.193). Densa bibliografia e pesquisa documental em arquivos nacionais e estrangeiros aportam novas contribuições para o estudo da essência do Estado que se afirma e se transforma.

O artigo de José Reinaldo de Lima Lopes (USP) analisa o iluminismo e o jusnaturalismo no ideário dos juristas da primeira metade do século XIX. São estudadas ambigüidades no comportamento de D.Pedro, após a Constituinte de 1823, marco de "toda a formação do direito nacional no curso da primeira metade do século XIX, integrando o novo e o velho numa cultura e em instituições freqüentemente paradoxais" (p.195). O autor oferece-nos o complexo quadro da formação, no Brasil, de um liberalismo autoritário que "floresceu ou pelo menos deixou-se perceber no Brasil imperial"(p.217).

Denis Antonio de Mendonça Bernardes, da Universidade Federal de Pernambuco, elabora uma das pesquisas de caráter regional apresentadas no seminário. Em todas há a preocupação em demonstrar a fragilidade de se pensar em uma Independência vista somente sob a óptica do Rio de Janeiro predominante nas explicações tradicionais. Bernardes faz aprofundada discussão sobre Pernambuco e o Império (1822-1824). A "pátria" pernambucana é estudada na pré e pós-Independência formal do Brasil. A peculiaridade da região, bem anterior ao período em foco, é marcada pelo movimento de 1817, vincando a partir daí "uma identidade política espacialmente referenciada" (p.232). Patriotas de 17 defendem suas propostas revolucionárias próprias, após a Revolução do Porto, e na Junta Governativa. Nesse momento e na Confederação do Equador foi mantido um liberalismo radical. Mostra os meandros e contradições que resultaram na vitória do centralismo e da unidade "sobre os alicerces dos privilégios, da escravidão, da exclusão social e da dependência externa" (p.249). A pesquisa apresentada por Denis é colaboração de fôlego, assentada em documentação e em bibliografia bastante atualizada.

Rafael de Bivar Marquese, da USP, faz a síntese de longo período que vai de 1820 a 1860, tendo como objeto a sobrevivência da herança colonial escravista, nada obstante a ilustração e o liberalismo, no Brasil e na América do Norte. A elite construtora dos Estados nacionais encontrou suas fórmulas. A legislação sobre escravos era quanto possível omissa, e quando explícita, reforçava a escravidão. Tudo era justificado pela economia política. E não faltaram mascaramentos, aconselhando sempre o bom tratamento dos escravos, por razões humanitárias e religiosas. Seu enfoque inovador, traçando paralelos, pela documentação e novas preocupações representa acrescentamento importante à historiografia da escravidão.

Geraldo Mártires Coelho (U.F.Pará) é outro participante que enfoca o problema regional, com ensaio que faz o contraponto do Grão-Pará e Maranhão e o sistema do Rio de Janeiro. Acentua ser o povo um corpo estranho, sendo elaboradas as concepções de Estado e nação no Brasil pelas "camadas mais profundas da imaginação social das elites brasileiras, figurando como artefatos elaborados pelos grandes homens do país" (p.283). A nosso ver, a história dessa vasta região tem muitas facetas, ainda abertas à pesquisa.

A corporificação do território brasileiro pós-1822 traz contributivo estudo de Demétrio Magnoli, da USP. Com base nos tratados do século XVIII entre as coroas ibéricas, as delimitações teriam importante valoração no meio século seguinte. Especialista de confiança do marquês de Pombal, Ponte Ribeiro, cartógrafo e negociador, produziu mapas fundamentais demarcando limites, a partir dos quais o Estado imperial concluiria sua unidade territorial. A minuciosa releitura dos mapas originais, guardados em arquivos, é contribuição valiosa do autor.

Ana Cristina da Silva, da Universidade Nova de Lisboa, remarca a tradição na organização político-administrativa do espaço na metrópole portuguesa, realizada nos finais do século XVIII. Trata-se de contribuição de peso, mostrando a busca da racionalidade do espaço no crepúsculo do antigo regime em Portugal, ganhando maior viabilidade com a Revolução Liberal, conhecidamente marcante para várias definições luso-brasileiras.

A terceira parte do livro, A ESFERA DA NAÇÃO, inicia-se com profícua pesquisa em arquivos e bibliotecas, de Iris Kantor, da USP, sobre a emergência e o significado da Academia brasílica dos renascidos. Enviado de Pombal para orientar a implementação do Diretório dos Índios, o conselheiro ultramarino José Mascarenhas Pacheco Pereira de Melo foi o fundador dessa Academia de História, reunindo as elites locais baianas. A intenção, conforme a autora, era a de formar quadros dirigentes e compensar traumas causados pelo fechamento de entidades culturais jesuíticas. A formação de uma elite cultural na colônia era parte das "contradições que atingiam a vida intelectual nessa parte do império português" (p.342).

Márcia Berbel (USP) escreve sobre as fundamentais identidades regionais para o entendimento da formação da nacionalidade brasileira. Abrange o período de 1770 a 1850, fazendo um aprofundado estudo de vocabulário, precisando os conceitos de forma densa e clara, com base em documentação manuscrita e fontes impressas. Aprofunda elementos de análise aos estudos existentes. Focaliza, em especial, a pátria e os patriotas pernambucanos de 1817 e as relações, permeadas por seu imaginário, com o governo central do Rio de Janeiro da transição. Na complexa e atenta análise do regionalismo, demonstra como "uma imaginação coletiva da soberania confundia-se, a partir de 1820, com a defesa da soberania da nação portuguesa" (p.361). A leitura do texto é enriquecedora pelo renovador enfoque.

No ensaio seguinte, do antropólogo e historiador português Robert Rowland, são estudados, em longa duração (1808 a 1900), Patriotismo, povo e ódio aos portugueses; notas sobre a construção da identidade nacional no Brasil independente (p.365 e segs.). Repassa vários explicadores da formação nacional brasileira, focalizando a perspectiva dos havidos antagonismos entre portugueses e brasileiros. São assinlados em relevo, na longa duração do século XIX, os paradoxos de elites liberais excluindo a maior parte da população.

Cecília Helena de Salles Oliveira (USP) apresenta um artigo com material empírico extraído de periódicos e anais legislativos que lhe permitem reflexões de alta qualidade, denominado Tramas políticas, redes de negócios. Desvela, verticalizando a discussão, problemas bastante contraditórios como liberalismo e manutenção da escravidão, a presença dos diferentes segmentos mercantis, entendendo "a nação e o Estado nacional no Brasil da primeira metade do século XIX como configurações singulares do processo de engendramento histórico da sociedade ocidental" (p.406).

Marco Morel, da UERJ, demonstra não ter havido restauração política no Brasil logo após 1822 e nas regências, permanecendo inalterável o caráter da nação. Seu fundamento reside no estudo da documentação referente ao Partido Caramuru, entre 1831 e 1840. Vocábulos, trajetórias e usos históricos revelam o partido estudado - essencialmente monárquico e restaurador - e sua participação nos intrincados acontecimentos. Os caramurus são digeridos e assimilados. O Brasil permaneceu uma nação regenerada, "uma nação Caramuru" (p.430).

Miriam Dolhnikoff (USP) discute as elites regionais e a construção do Estado Nacional, elaborando novas e consistentes análises, discordando de boa parte da historiografia sobre o tema. Mostra a unidade e a construção do Estado no Brasil na complexidade das relações entre "centro" e "regiões". Um pacto federalista construído na década de vinte perdurou mesmo após a revisão conservadora de 1840. Suas posições encontram suporte em pesquisa documental das províncias mais atuantes, como São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul, realçando os interesses fiscais e outras matérias autonômicas não tolhidas pelo Ato Adicional, o que torna viável o entendimento Corte e periferia.

Paulo Henrique Martinez, da Unesp, Assis, aborda cuidadosamente o Ministério dos Andradas, valendo-se da coleção impressa "Decisões do Império do Brasil" (1822/23), com textos de José Bonifácio e adequada bibliografia, mostrando os esforços dos irmãos Andrada em prol da unidade brasileira e as repercussões no contexto das vontades e anseios das diversas regiões. São feitas tabelas demonstrativas das decisões, distribuídas geograficamente. O afastamento dos Andradas significa uma "notável ausência das proposições reformistas para a organização social e econômica formuladas por José Bonifácio" (p.495). É ampliado, portanto, o conhecimento sobre as intenções andradinas.

Luís Geraldo Silva, pernambucano da Universidade Federal do Paraná, revela, com documentação original, a importante participação de negros em Pernambuco, no período de 1770 a 1830. A vila do Recife possuía, então, a mais numerosa camada social de homens de cor livres da América portuguesa. Esses negros compunham instituições tradicionais, como as tropas auxiliares de negros e pardos, e formavam "redes de sociabilidades políticas que os congregavam em torno de identidades sociais de matizes étnicos e raciais" (p.498). Participaram vivamente dos movimentos de 1817 e 1824. Sua ascensão social e vicissitudes são estudadas pelo autor com rigor científico e sensibilidade, representando para a historiografia um novo olhar sobre essa camada da sociedade.

A identidade racial também é estudada por Hendrick Kraay (U. de Calgary), na Bahia, de 1790 a 1840. Na linha de João José Reis, o artigo enfatiza os oficiais negros dos Henriques que transitavam entre brancos e negros, a herança colonial e o liberalismo. As tropas compostas por negros propiciavam-lhes, inclusive, projeção social. A criação da Guarda Nacional (1831) provocaria a segregação e a exclusão dos regimentos causadores de situações singulares e contraditórias na Bahia da transição.

A ESFERA DAS REPRESENTAÇÕES, com instrumentos de análise que exploram o imagético e o simbólico, é a parte final do livro e a menos extensa, mas não menos importante.

A historiadora portuguesa Ângela Miranda Cardoso estuda a simbologia das entronizações de monarcas e seus rituais de posse. Com muito esmero conceitual, é analisada a relação imagética "conflitiva" entre um modelo cerimonial desejadamente brasileiro e aquele que revestia a subida ao trono dos reis portugueses. Artigo erudito, aborda também as descendências sanguíneas, o signo e o significado, a função. Discute, ao final, os meandros do absolutismo e liberalismo, levando em conta "a incontornável polissemia dos signos" (p.597).

"Imagens do Brasil: entre a natureza e a história" é o bem elaborado texto de Yara Lis Schiavinatto, da UNICAMP. Destaca a importância de Domingos Vandelli, contratado por Pombal para a reforma da Universidade de Coimbra. Ajudou posteriormente a fundar a Academia de Ciências de Lisboa. Vandelli ensinou o modo de relatar a natureza aos viajantes, com os contornos peculiares da composição étnica do Brasil que emergia no século XIX. Muitos viajantes seguiram suas instruções em viagens pela metrópole portuguesa, Brasil e África.

Pedro Puntoni, da USP, apresenta amadurecida pesquisa sobre o patriotismo caboclo de Francisco Adolfo de Varnhagen, clareando o estudo sobre o indígena e o indianismo na historiografia brasileira respeitante à imagem identitária do brasileiro elaborada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Para Varnhagen, só a nação branca era civilizada. Daí excluir a barbárie indígena do seu projeto nacional. Foi alvo de constantes discordâncias dos escritores românticos, especialmente do poeta Gonçalves Magalhães que, baseado na crítica histórica científica, teceu as mais duras críticas ao autor de História Geral do Brasil. Puntoni retoma essa polêmica e complementa com outras pertinentes observações a respeito de soluções que "funcionavam como um mecanismo de descarnamento das bases do edifício liberal" (p.675).

Tereza Cristina Kirschner finaliza a série de artigos, estudando a moderação de E. Burke e o centralismo radical do visconde de Cairu e o Primeiro Reinado no Brasil. A autora, em trabalho de releitura, fornece mais elementos para ser pensado o processo de formação do Estado imperial brasileiro.

No balanço geral do Seminário, feito por Norberto Luiz Guarinelo, por sua opção são tratadas as questões teóricas. Analisa as referências conceituais de Estado nacional - conforme utilizado nas diferentes comunicações, e o vocábulo nação nos seus diferentes sentidos, dependendo da conjuntura do tempo, do espaço e dos personagens. Enfatiza, igualmente, o consenso de que no Brasil "o corpo da nação não é homogêneo" (p.699). Aliás, diríamos, nada homogêneo. Ressalta, enfim, que a História apresentada no seminário é uma forma de responder às questões postas no Brasil recente.

Concluímos a resenha do livro, com o qual concordamos, sem contrapontos críticos que desmereçam o livro, resultante de um seminário revelador de conteúdos seminais que ampliam o conhecimento do mal equacionado século XIX no Brasil. Recomendamos enfaticamente a leitura do livro. A publicação em tela demonstra lastro qualitativo das pesquisas da comunidade acadêmica participante do evento. Autores de obras clássicas são relidos e rediscutidos, são utilizadas novas fontes documentais e verticalizada a pesquisa em documentos não só pelo uso mais detido, como por uma leitura atual em função da retomada e reelaboração dos conceitos já mencionados.

O mergulho profundo em acervos documentais inéditos ou ainda insuficientemente trabalhados, ao lado de bibliografia recente (sem desprezar as contribuições clássicas), conferem aos artigos a solidez de uma história que acrescenta novos conhecimentos à historiografia vigente. Conforme destacado na sinopse dos artigos, e é feita uma lapidação de conceitos e vocábulos em situações históricas concretas. Os projetos centralizantes da Corte são revistos tendo em conta o comportamento das elites regionais, é aprofundada a discussão sobre o ideário liberal, os contrastes e os conflitos de uma sociedade onde prevalece o interesse pela mantença da escravidão. Em decorrência, são superadas antigas concepções errôneas ou deturpadas sobre a formação do Estado e da nação no Brasil. Atentos ao anacronismo, cremos ser legítimo ao historiador partir de problemáticas do mundo hodierno para revisitar o passado, perquirindo questões ainda persistentes. E tal estudo ilumina, por sua vez, novos componentes para se repensar na nação e no Estado no Brasil de hoje, no contexto ardiloso e contraditório da globalização.


NOTAS

1 Departamento de História Unesp/Assis, CEP 19806-900. email: jribjr@uol.com.br

Revista Historia - UNESP

Um comentário:

Carlos Portugal disse...

Robert Rowland , ao contrário do que é afirmado, é um antropólogo BRASILEIRO, nascido em S. Paulo, filho de ingleses, que lecciona numa Universidade portuguesa há mais de 30 anos.