Luiz Bernardo Pericás1
MONIZ BANDEIRA, L. A. Brasil, Argentina e Estados Unidos: Conflito e Integração na América do Sul –Da Tríplice Aliança ao Mercosul. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003. 680 p.
José Vasconcelos, o grande filósofo, político e escritor mexicano, costumava classificar os livros em duas categorias, de acordo com as emoções que lhe causavam, ou seja, aqueles se lêem sentado e os que são lidos de pé. Há certos livros que podem até ser interessantes e instrutivos, mas que não nos causam maiores comoções nem são capazes de nos arrancar de uma atitude normal. Já outros nos fazem levantar da cadeira, nos tiram do torpor cotidiano, parecem empurrar nossos calcanhares e nos obrigar a ficar de pé, tal o entusiasmo que nos provocam. Este é o caso de Brasil, Argentina e Estados Unidos: Conflito e Integração na América do Sul –Da Tríplice Aliança ao Mercosul, do cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira. Com o estilo claro e preciso que caracteriza toda sua obra, Moniz Bandeira mostra, em 680 páginas de um estudo profundo e bem fundamentado, as longas, tortuosas e por vezes complicadas relações dos dois maiores e mais importantes países sul-americanos, entre si e com os Estados Unidos. É um livro que interessará principalmente aos estudiosos e formuladores de política externa, mas que certamente poderá e deverá ser lido também por todos os leitores que desejam conhecer melhor as disputas, acordos e diferentes projetos de construção nacional de Brasil e Argentina, sempre acompanhados de perto pelos distintos governos do "Colosso do Norte".
Moniz Bandeira tem lançado, ao longo dos anos, uma série de livros fundamentais. Seu método consiste em estar continuamente revisando, ampliando e atualizando seus textos mais antigos, proporcionando ao leitor uma obra confiável, repleta de penetrantes análises políticas. Por outro lado, também tem publicado constantemente artigos e entrevistas na grande imprensa, sempre atento aos acontecimentos recentes, seus antecedentes históricos e seus possíveis desdobramentos e conseqüências. Neste sentido, Brasil, Argentina e Estados Unidos mantém a linha de seus trabalhos anteriores, tanto os "jornalísticos" como os acadêmicos. Desde o acelerado desenvolvimento argentino e sua hegemonia econômica no final do século XIX e começo do século XX - propiciado pelo influxo de técnicos e mão-de-obra especializada européia, a construção de uma considerável malha ferroviária e inversões maciças nos setores agropecuário e industrial, entre outros fatores -, até a ascenção do Brasil como a nação mais importante da região em termos políticos e econômicos, principalmente a partir da década de 1940 aos anos da ditadura militar –período caracterizado pelo enorme ingresso de capitais estrangeiros e investimentos estatais -, chegando ao momento atual, o livro traça um panorama rico das relações entre os dois países, sem deixar de se preocupar, entretanto, em dar a todo este processo sua devida dimensão continental e internacional. Em outras palavras, Moniz Bandeira sabe que qualquer acontecimento local é também parte - apesar de suas especificidades -, de um painel mais amplo do sistema capitalista mundial, em que as relações de poder entre as grandes potências jogam um papel essencial na configuração do quadro político regional. Assim, a percepção da influência de alguns países, principalmente a Inglaterra e os Estados Unidos, não só é relevante como também fundamental para a compreensão de todo o processo histórico caracterizado por conflitos, rivalidades, aproximações estratégicas e tentativas de integração econômica entre as duas nações. A ingerência norte-americana nos assuntos internos da América Latina durante todo o século XX é analisada em detalhes por Moniz Bandeira, que mostra claramente ao leitor que os Estados Unidos não são interlocutores confiáveis no campo das relações internacionais. O governo Bush é o exemplo mais explícito e recente deste tradicional padrão de conduta política. Por outro lado, o papel e a atuação de países como a Bolívia, Paraguai, Chile, Uruguai e Cuba também são importantes para se compreender uma série de posicionamentos históricos internos e externos de Brasil e Argentina.
Talvez o mais interessante para o grande público, contudo, seja a forma como Moniz Bandeira costura seu texto, do século XIX até os dias de hoje. Durante anos, distintos governos do Brasil e Argentina alternaram posições e projetos políticos, que em ocasiões privilegiaram relações extremamente "íntimas" com os Estados Unidos e estimularam o neoliberalismo e que, em outros momentos, tentaram promover uma maior integração entre os dois países, sugerindo a construção de um bloco regional que tivesse a capacidade de aumentar significativamente o comércio bilateral e seu poder conjunto de barganha e negociação no foro internacional. É aí que entram, tão apropriadamente, as discussões sobre a construção, viabilidade e importância do Mercosul, assim como o atual debate sobre a ALCA e suas perigosas implicações para todo o continente.
Qualquer pessoa que queira compreender o longo e complicado caminho percorrido por Brasil e Argentina em mais de um século de história, e o importante momento atual das relações políticas e comerciais entre estes dois países, tem de necessariamente ler esta que talvez seja a mais importante obra publicada sobre o tema. Em outras palavras, um livro fundamental.
NOTA
1 Professor-visitante – Facultad Latino-Americana de Ciencias Sociales – Carretera al Ajusco 377 – Col. Héroes de Padierna – Tlalpan – Ciudad de Mexico – CP 14200 – Mexico.
Revista Historia - Unesp
MONIZ BANDEIRA, L. A. Brasil, Argentina e Estados Unidos: Conflito e Integração na América do Sul –Da Tríplice Aliança ao Mercosul. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003. 680 p.
José Vasconcelos, o grande filósofo, político e escritor mexicano, costumava classificar os livros em duas categorias, de acordo com as emoções que lhe causavam, ou seja, aqueles se lêem sentado e os que são lidos de pé. Há certos livros que podem até ser interessantes e instrutivos, mas que não nos causam maiores comoções nem são capazes de nos arrancar de uma atitude normal. Já outros nos fazem levantar da cadeira, nos tiram do torpor cotidiano, parecem empurrar nossos calcanhares e nos obrigar a ficar de pé, tal o entusiasmo que nos provocam. Este é o caso de Brasil, Argentina e Estados Unidos: Conflito e Integração na América do Sul –Da Tríplice Aliança ao Mercosul, do cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira. Com o estilo claro e preciso que caracteriza toda sua obra, Moniz Bandeira mostra, em 680 páginas de um estudo profundo e bem fundamentado, as longas, tortuosas e por vezes complicadas relações dos dois maiores e mais importantes países sul-americanos, entre si e com os Estados Unidos. É um livro que interessará principalmente aos estudiosos e formuladores de política externa, mas que certamente poderá e deverá ser lido também por todos os leitores que desejam conhecer melhor as disputas, acordos e diferentes projetos de construção nacional de Brasil e Argentina, sempre acompanhados de perto pelos distintos governos do "Colosso do Norte".
Moniz Bandeira tem lançado, ao longo dos anos, uma série de livros fundamentais. Seu método consiste em estar continuamente revisando, ampliando e atualizando seus textos mais antigos, proporcionando ao leitor uma obra confiável, repleta de penetrantes análises políticas. Por outro lado, também tem publicado constantemente artigos e entrevistas na grande imprensa, sempre atento aos acontecimentos recentes, seus antecedentes históricos e seus possíveis desdobramentos e conseqüências. Neste sentido, Brasil, Argentina e Estados Unidos mantém a linha de seus trabalhos anteriores, tanto os "jornalísticos" como os acadêmicos. Desde o acelerado desenvolvimento argentino e sua hegemonia econômica no final do século XIX e começo do século XX - propiciado pelo influxo de técnicos e mão-de-obra especializada européia, a construção de uma considerável malha ferroviária e inversões maciças nos setores agropecuário e industrial, entre outros fatores -, até a ascenção do Brasil como a nação mais importante da região em termos políticos e econômicos, principalmente a partir da década de 1940 aos anos da ditadura militar –período caracterizado pelo enorme ingresso de capitais estrangeiros e investimentos estatais -, chegando ao momento atual, o livro traça um panorama rico das relações entre os dois países, sem deixar de se preocupar, entretanto, em dar a todo este processo sua devida dimensão continental e internacional. Em outras palavras, Moniz Bandeira sabe que qualquer acontecimento local é também parte - apesar de suas especificidades -, de um painel mais amplo do sistema capitalista mundial, em que as relações de poder entre as grandes potências jogam um papel essencial na configuração do quadro político regional. Assim, a percepção da influência de alguns países, principalmente a Inglaterra e os Estados Unidos, não só é relevante como também fundamental para a compreensão de todo o processo histórico caracterizado por conflitos, rivalidades, aproximações estratégicas e tentativas de integração econômica entre as duas nações. A ingerência norte-americana nos assuntos internos da América Latina durante todo o século XX é analisada em detalhes por Moniz Bandeira, que mostra claramente ao leitor que os Estados Unidos não são interlocutores confiáveis no campo das relações internacionais. O governo Bush é o exemplo mais explícito e recente deste tradicional padrão de conduta política. Por outro lado, o papel e a atuação de países como a Bolívia, Paraguai, Chile, Uruguai e Cuba também são importantes para se compreender uma série de posicionamentos históricos internos e externos de Brasil e Argentina.
Talvez o mais interessante para o grande público, contudo, seja a forma como Moniz Bandeira costura seu texto, do século XIX até os dias de hoje. Durante anos, distintos governos do Brasil e Argentina alternaram posições e projetos políticos, que em ocasiões privilegiaram relações extremamente "íntimas" com os Estados Unidos e estimularam o neoliberalismo e que, em outros momentos, tentaram promover uma maior integração entre os dois países, sugerindo a construção de um bloco regional que tivesse a capacidade de aumentar significativamente o comércio bilateral e seu poder conjunto de barganha e negociação no foro internacional. É aí que entram, tão apropriadamente, as discussões sobre a construção, viabilidade e importância do Mercosul, assim como o atual debate sobre a ALCA e suas perigosas implicações para todo o continente.
Qualquer pessoa que queira compreender o longo e complicado caminho percorrido por Brasil e Argentina em mais de um século de história, e o importante momento atual das relações políticas e comerciais entre estes dois países, tem de necessariamente ler esta que talvez seja a mais importante obra publicada sobre o tema. Em outras palavras, um livro fundamental.
NOTA
1 Professor-visitante – Facultad Latino-Americana de Ciencias Sociales – Carretera al Ajusco 377 – Col. Héroes de Padierna – Tlalpan – Ciudad de Mexico – CP 14200 – Mexico.
Revista Historia - Unesp
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