Antônio Carlos Lessa
Nov 2008
Meridiano 47
A guerra civil da Espanha, um dos mais trágicos conflitos do século XX, foi contundentemente retratada em peças da literatura universal e em imagens marcantes do século, tendo sido eternizada na literatura mundial por Ernest Hemingway, em Por quem os sinos dobram, e o seu épico magistralmente ilustrado por Pablo Picasso, em Guernica. Romantizada, sem dúvida, pelos relatos dos envolvidos de lado a lado, a Guerra antecipou as oposições que se tornariam evidentes com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tendo sido o palco da política de intervenção das potências européias e medida do enfrentamento feroz a que se entregariam poucos anos depois.
A Batalha pela Espanha, do pesquisador inglês Antony Beevor, é uma atualização de obra homônima publicada em 1982, que se fez necessária a partir da abertura do acesso a novas fontes documentais sobre o conflito, algumas delas na Espanha, mas principalmente na Rússia pós-soviética. Beevor é já conhecido do público brasileiro por outros títulos extraordinários que não versam propriamente sobre história militar, mas sobre dimensões político-diplomáticas de episódios da Segunda Guerra Mundial. Entre esses títulos, destacam-se Creta: Batalha e resistência na Segunda Guerra Mundial (2008), Stalingrado (2002), Berlim, 1945: A Queda (2004) e O Mistério de Olga Tchekova (2005), todos trabalhos construídos a partir de sólida e diversificada base documental.
Este Batalha pela Espanha é principalmente uma história política e militar do conflito, recuperando o desenrolar dos eventos da vida política espanhola do final da Primeira Guerra até o final da Segunda. Para Beevor, os fundamentos da Guerra Civil não estão no golpe de Estado de julho de 1936, mas nos padrões que moldaram a estrutura social da Espanha desde o período da Reconquista (722-1492), quando o norte Cristão conquistou o sul mouro e unificou a Espanha sob o cristianismo. Os fatores sociais mais relevantes para o conflito se situam na estrutura social espanhola dos anos vinte e, mais particularmente, no alinhamento da monarquia, da igreja, dos grandes proprietários rurais e do exército, o que alimentou os conflitos de classe, o debate sobre a modernização política e as rivalidades regionais.
A barbárie de uma guerra civil, por breve que seja, já é suficiente para chocar pelo contexto das ideologias polarizadas, pela ferocidade da ação militar das partes, pelos relatos de coragem e de sacrifício. A Guerra Civil da Espanha teve um componente adicional na sua trama trágica, que foi o envolvimento determinado da Alemanha nazista e da Itália fascista (que apoiaram de modo decidido material e politicamente os nacionalistas), e da União Soviético, tardio e insuficiente, ao lado dos republicanos. Os limites e as insuficiências das políticas de mediação da França e da Grã-Bretanha e o distanciamento dos Estados Unidos do conflito, fizeram da Guerra Civil espanhola um negócio dos autoritarismos europeus.
A narrativa elegante e envolvente, preservada em boa tradução, é um estímulo aos leitores que se entregam às pouco mais de 700 páginas dessa intensa história. A Batalha pela Espanha, obra de um historiador meticuloso, não se destina apenas aos iniciados em História da Europa e em Relações Internacionais, mas também a todos quantos se interessem pelas dimensões humanas de um conflito que foi o prólogo da grande tragédia européia que foi a Segunda Guerra Mundial.
BEEVOR, Antony. A Batalha pela Espanha: a guerra civil espanhola (1936-1939). Rio de Janeiro: Record, 2007, 714 p. ISBN 8501075205.
Antônio Carlos Lessa é Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília - UnB e editor da Revista Brasileira de Política Internacional - RBPI. É pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (alessa@unb.br).
Nov 2008
Meridiano 47
A guerra civil da Espanha, um dos mais trágicos conflitos do século XX, foi contundentemente retratada em peças da literatura universal e em imagens marcantes do século, tendo sido eternizada na literatura mundial por Ernest Hemingway, em Por quem os sinos dobram, e o seu épico magistralmente ilustrado por Pablo Picasso, em Guernica. Romantizada, sem dúvida, pelos relatos dos envolvidos de lado a lado, a Guerra antecipou as oposições que se tornariam evidentes com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tendo sido o palco da política de intervenção das potências européias e medida do enfrentamento feroz a que se entregariam poucos anos depois.
A Batalha pela Espanha, do pesquisador inglês Antony Beevor, é uma atualização de obra homônima publicada em 1982, que se fez necessária a partir da abertura do acesso a novas fontes documentais sobre o conflito, algumas delas na Espanha, mas principalmente na Rússia pós-soviética. Beevor é já conhecido do público brasileiro por outros títulos extraordinários que não versam propriamente sobre história militar, mas sobre dimensões político-diplomáticas de episódios da Segunda Guerra Mundial. Entre esses títulos, destacam-se Creta: Batalha e resistência na Segunda Guerra Mundial (2008), Stalingrado (2002), Berlim, 1945: A Queda (2004) e O Mistério de Olga Tchekova (2005), todos trabalhos construídos a partir de sólida e diversificada base documental.
Este Batalha pela Espanha é principalmente uma história política e militar do conflito, recuperando o desenrolar dos eventos da vida política espanhola do final da Primeira Guerra até o final da Segunda. Para Beevor, os fundamentos da Guerra Civil não estão no golpe de Estado de julho de 1936, mas nos padrões que moldaram a estrutura social da Espanha desde o período da Reconquista (722-1492), quando o norte Cristão conquistou o sul mouro e unificou a Espanha sob o cristianismo. Os fatores sociais mais relevantes para o conflito se situam na estrutura social espanhola dos anos vinte e, mais particularmente, no alinhamento da monarquia, da igreja, dos grandes proprietários rurais e do exército, o que alimentou os conflitos de classe, o debate sobre a modernização política e as rivalidades regionais.
A barbárie de uma guerra civil, por breve que seja, já é suficiente para chocar pelo contexto das ideologias polarizadas, pela ferocidade da ação militar das partes, pelos relatos de coragem e de sacrifício. A Guerra Civil da Espanha teve um componente adicional na sua trama trágica, que foi o envolvimento determinado da Alemanha nazista e da Itália fascista (que apoiaram de modo decidido material e politicamente os nacionalistas), e da União Soviético, tardio e insuficiente, ao lado dos republicanos. Os limites e as insuficiências das políticas de mediação da França e da Grã-Bretanha e o distanciamento dos Estados Unidos do conflito, fizeram da Guerra Civil espanhola um negócio dos autoritarismos europeus.
A narrativa elegante e envolvente, preservada em boa tradução, é um estímulo aos leitores que se entregam às pouco mais de 700 páginas dessa intensa história. A Batalha pela Espanha, obra de um historiador meticuloso, não se destina apenas aos iniciados em História da Europa e em Relações Internacionais, mas também a todos quantos se interessem pelas dimensões humanas de um conflito que foi o prólogo da grande tragédia européia que foi a Segunda Guerra Mundial.
BEEVOR, Antony. A Batalha pela Espanha: a guerra civil espanhola (1936-1939). Rio de Janeiro: Record, 2007, 714 p. ISBN 8501075205.
Antônio Carlos Lessa é Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília - UnB e editor da Revista Brasileira de Política Internacional - RBPI. É pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (alessa@unb.br).
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