O Nobel virado do avesso
Brasileiros ainda não ganharam prêmio concedido por pesquisas que causam riso
RICARDO BONALUME NETO
Especial para a Folha
O Brasil passou mais um ano sem receber um prêmio Nobel.
Podia ser pior.
A civilização luso-brasileira tem no currículo um Nobel de medicina algo dúbio: o português Egas Moniz (1874-1955), que propôs a lobotomia. Esta "transeção metódica dos lobos frontais" do cérebro equivale a transformar alguém em idiota e hoje é considerada um exemplo de cirurgia primitiva.
Podia ser pior.
Um brasileiro podia estar entre os ganhadores do antiprêmio Nobel, o "Ig Nobel" _um trocadilho com a palavra "ignóbil" (em inglês ou português), que costuma ser anualmente entregue a pesquisas "que não podem ou não devem ser reproduzidas".
(Um dos critérios da boa pesquisa científica é sua reprodutibilidade, isto é, a possibilidade de outros pesquisadores a repetirem e a usarem como base para estudos adicionais.)
Basta ver o "Ig Nobel" de Medicina de 1995. Ele saiu para os pesquisadores Marcia E. Buebel, David S. Shannahoff-Khalsa e Michael R. Boyle, "pelo seu revigorante estudo" _publicado em uma revista científica, a "International Journal of Neuroscience"_, chamado "Os efeitos da Respiração Unilateral Forçada por Narina na Cognição".
O "Ig Nobel" costumava ser entregue _àqueles que tivessem a coragem de ir recebê-lo_ em uma elaborada cerimônia no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), de Cambridge (EUA).
Mas brigas entre os organizadores fizeram-no este ano ser transferido para outro ponto na mesma área urbana: a Universidade Harvard. Não faz diferença, pois, entre os convidados de honra, costumam estar cerca de meia dúzia, ou mais, de vencedores do prêmio "concorrente", o Nobel. Tanto o MIT como Harvard têm vários.
O prêmio é iniciativa de Marc Abrahams, editor do "Anais da Pesquisa Improvável" ("The Annals of Improbable Research"). Durante anos ele editou a publicação pioneira nas bobagens irreproduzíveis da ciência, "The Journal of Irreproducible Results".
Ganha o prêmio quem fizer uma pesquisa séria, publicada em revista séria, mas que, pelo próprio tema, tende a fazer dela uma piada.
É o caso do prêmio de literatura deste ano. Foi entregue a David B. Busch e James R. Starling, de Madison, Wisconsin (EUA), pelo seu "profundamente penetrante relatório", "Corpos estranhos retais: estudos de caso e uma abrangente resenha da literatura mundial", publicado na revista médica "Surgery", uma publicação séria.
Em outras palavras, eles estudaram o tipo de coisas que pessoas costumam enfiar pelo ânus que atingem o reto.
Entre outras coisas, foram enfiadas lâmpadas, um afiador de facas, lanternas, uma caixa de rapé, onze tipos distintos de frutas e legumes, o rabo congelado de um porco, um copo de cerveja e _em apenas um paciente_ uma chave de valise, uma revista, um óculos e um saquinho para tabaco.
(Uma rápida consulta a um estudante de medicina da Unicamp que dá plantão em pronto-socorro confirmou a validade do estudo. Sim, pacientes chegam nos PSs com esse tipo de coisa por dentro. Alguns dão explicações pouco convincentes sobre o "acidente").
A escatologia é algo recorrente nos prêmios. Por exemplo, o de "nutrição" deste ano foi para John Martinez, da empresa J. Martinez & Company, de Atlanta (sul dos EUA). Ele recebeu o "Ig" por vender o Café Luak. Além de ser o mais caro do mundo, é feito com grãos de café ingeridos e excretados por uma espécie de gato do mato da Indonésia.
O de física permite dar esperanças aos brasileiros. Este ano, os vencedores foram D.M.R. Georget, R. Parker e A.C. Smith, do Instituto de Pesquisa de Alimentos, de Norwich, Inglaterra, "pela rigorosa analise dos sucrilhos empapados". Trata-de de estudo relatado no artigo "Um estudo dos Efeitos do Conteúdo de Água no Comportamento de Compactação de Flocos de Cereais Matinais".
Pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) descobriram o mecanismo por trás do pipocar do milho da pipoca. Sem dúvida foi uma pesquisa séria, com desdobramentos para a agropecuária, mas o tema faz dela uma candidata natural ao "Ig".
Políticos e japoneses costumam frequentar as listas de premiação. Em 1995, foi o caso do Parlamento de Taiwan, "por demonstrar que os políticos ganham mais ao se socar e chutar uns aos outros do que declarando guerra a outras nações". Mais uma vez o Brasil lamenta, pois o Congresso de Brasília já teve cenas semelhantes.
Os japoneses desta vez receberam o de "psicologia". Shigeru Watanabe, Junko Sakamoto e Masumi Wakita, da Universidade Keio, conseguiram fazer com que pombos distinguissem entre pinturas de Picasso e de Monet. E, talvez algo tão importante, conseguiram com que uma revista cientifica _a "Journal of the Experimental Analysis of Behavior"_ publicasse a descoberta.
Folha de São Paulo
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