DAVID DREW ZINGG
Em Nova York
Se Oxford é o lugar onde as jovens acadêmicas vão para aprofundar-se em filosofia política, a Grande Maçã é o lugar onde se vai para ficar a par das últimas novas em matéria de materialismo.
O último "potim" nos círculos intelectuais nova-iorquinos diz respeito a um livro sobre a nomenclatura sexual mais básica: a palavra-f, aquela de quatro letras.
E de fato, o título do livro é esse mesmo: "The F-Word".
O livro em questão foi escrito por um dos mais brilhantes jovens astros da lexicografia, um nova-iorquino de nome Jesse Sheidlower. Eu te contei sobre ele alguns meses atrás, quando ele publicou seu fascinante primeiro volume do "Dicionário Random House de Gíria Americana".
Enquanto fazia pesquisas para seu volumoso tratado sobre gíria, Sheidlower topou com aquele palavrãozinho simples, de quatro letras, que começa com a letra F.
Ele percebeu que a palavra era tão poderosa que exigia um livro inteiro só para ela.
Você precisa entender que aqui na Gringolândia a "palavra-f" ainda não é aceita por boa parte da mídia escrita.
A maioria dos jornais respeitáveis na América do Norte e na Inglaterra se limita a grafar o temido vocábulo com uma combinação de hífens e asteriscos.
O "The New York Times" é ainda mais discreto. Ao mencionar a palavra-f numa citação das palavras de algum entrevistado indiscreto, o jornal se limita a dizer "imprecação omitida".
Recentemente, porém, o "The Times" programou uma resenha do livro "The F-Word".
Quando o artigo já estava pronto, o jornal cancelou sua publicação, explicando que o próprio termo "palavra-f" era impróprio para consumo familiar.
(Tio Dave, que está longe de ser pudico, concorda, apesar de que a Folha já publicou a palavra em algumas ocasiões).
De início a Barnes & Noble, o McDonald's das livrarias, recusou-se a expor o livro em suas vitrines por motivos de bom gosto, mas parece haver mudado de idéia. Foi ali que comprei meu exemplar hoje cedo.
A questão de o que é ou não é uma palavra permissível para consumo público é mais ou menos tão mutante quanto a opinião que sua namorada faz de você, Joãozinho.
Na Idade Média, uma maldição religiosa era coisa terrível. Durante a Renascença era considerado perigoso questionar a paternidade de uma pessoa. Quem o fizesse corria o risco de perder a vida.
Na Gringolândia, foi apenas mais ou menos recentemente que a palavra "leg" (perna) passou a ser considerada correta para se usar em público.
No século passado, era considerada tão indiscreta que em seu lugar se empregava "limb" (membro).
Ainda em 1948, Norman Mailer teve que disfarçar a palavra-f quando escreveu seu romance sobre a guerra, "The Naked and the Dead". Empregou a palavra foneticamente semelhante "fug".
Esse fato deu lugar a uma das melhores brincadeirinhas de Dorothy Parker às suas custas.
Quando Mailer chegou a uma festa em Nova York, Parker o saudou dizendo: "então você é o rapaz que não sabe grafar 'f---'!"
Hoje a geração X usa a palavra-f como se fosse tão chocante quanto um simples "oi".
Conheço uma jovem estudante de filosofia em Oxford que recorre à palavra antes tão chocante como se fosse sal ou pimenta, para temperar seus nobres pensamentos.
Ontem enviei a ela um exemplar de "The F-Word".
Deverá ser utilíssimo a ela em seus estudos de filosofia política.
Onde
Um dos almoços rapidinhos mais refrescantes depois de acabar o horário de almoço do restaurante em si é o bar do The Union Square Cafe, na rua 16, perto da praça em questão. O restaurante que é tão bom que você precisa fazer reservas para comer lá, e ele pára de servir almoço às 14h30. Mas se você conhece as manhas de Nova York, basta aproximar-se do bar.
Uma "barlady" super-cool chamada Caroline fará um pedido para você: ostras, uma sopa de feijão preto e uma torta de banana maravilhosa. Caroline também escolhe um cálice de um grande vinho para acompanhar tudo isso.
O The Union Square Cafe confere novo significado ao termo "fast food". Também custa um pouquinho mais do que comer no McDonald's. Meu rango inesquecível me custou US$ 40, incluindo um cálice memorável de Madeira.
Fama?
Você se lembra daquela famosíssima foto de Marilyn Monroe com a saia levantada até ALI pelo vento?
A foto foi tirada durante as filmagens de "The Seven Year Itch", na esquina da 51st Street com Lexington Avenue, a poucos quarteirões de onde estou escrevendo esta coluna.
A foto foi tirada por um velho chapa meu, um câmera de nome Sam Shaw. Entre outras coisas, ela mais tarde fez de Sam um homem razoavelmente rico, e contribuiu para o fim do casamento de Marilyn com o grosseiramente ciumento herói do beisebol "Joltin' Joe" DiMaggio, que, na pior tradição machista, achou impossível suportar que milhões de outros homens vissem numa foto aquilo que ele imaginava ser só dele.
Shaw planejou a foto de Marilyn e colocou no lugar um homem equipado com uma máquina para soprar o ar que levantou a saia que fez história. Também fez outras grandes fotos. Tirou fotos sérias de meeiros sulistas no Alabama que ajudaram a mudar a história econômica da Gringolândia.
Foi Sam quem fez a foto de Marlon Brando vestindo camiseta rasgada que tornou-se a marca registrada do filme "Um Bonde Chamado Desejo". Ele também fez fotos clássicas de meus amigos Duke Ellington e Louis Armstrong para o filme "Paris Blues", do qual também foi produtor. Tio Dave cobriu as filmagens, em Paris, para a velha revista "Look".
Hoje em dia o Velho Sam está bem mais velho do que Velho Tio Dave, já tendo contabilizado 84 longos anos em seu placar de vida.
Na semana passada, para provar que ainda está vivo e ativo, processou seu filho, pedindo uma indenização de US$ 100 milhões. Também processou seu antigo advogado, mas aqui na Gringolândia você precisa beijar um advogado na boca para criar uma notícia.
Seu filho não chega a ser exatamente um escoteiro, tendo se confessado culpado de acusações relativas a drogas.
Como todos os bons processos, esse é complicado, mas Sam afirma estar lutando para reconquistar o controle sobre "50 anos de minha vida".
Faço votos de que meu velho colega consiga o que quer. Tio Dave também deseja urgentemente poder processar alguém por qualquer coisa _e, no meu caso, eu me contentaria com bem menos do que os US$ 100 milhões do velho Sam. Acho que o preço da gente depende do que a gente é famoso por fazer, e onde se é famoso por fazer a coisa em questão.
Tradução: Clara Allain
Folha de São Paulo
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