A educação pela imagem na sociedade do espetáculo
Pedagogia das Imagens Culturais: da Formação Cultural à Formação da Opinião Pública
TREVISAN, Amarildo Luiz
Editora da UNIJUÍ
Lançamento: 2002
Na prática cotidiana, a emergência da cultura da imagem faz com que diariamente sejamos bombardeados por imagens de todos os tipos, formas e cores que produzem uma mudança na maneira como nossas sensações percebem o real. A sobrevivência da cultura numa sociedade de complexificação crescente, que mudou o perfil de sua produção simbólica via saturação de imagens e signos, leva a necessidade de metamorfosear o processo de apropriação dos produtos culturais. No plano teórico porém, a cultura ainda encontra-se extremamente enrijecida na contemporaneidade, e a maior prova disso foram os regimes autoritários do nazi-fascismo, que encantaram boa parte da Europa em meados do século XX, e que não eram fenômenos isolados, mas sim produtos de toda uma estruturação social que os favorecia. Tais situações encontram raízes no conceito de formação cultural, e por isso, a dialética do esclarecimento aponta para a sobrevivência de conteúdos mitológicos no funcionamento do próprio coração da racionalidade, ocasionando a tirania do conceito sobre o real. Existiu nessas experiências uma estranha simbiose entre a cultura que quer acabar com o pensamento divergente e as práticas nazi-fascistas da 2ª guerra. A criação dos campos de concentração de Auschwitz serviu como símbolo do extermínio das diferenças: todos os seres humanos que não se enquadravam no protótipo requerido eram condenados à morte.
Assim como a cultura se tornou endurecida, o seu processo de apropriação deve ser mediado pelo sofrimento psíquico. Talvez isso sirva para explicar a dificuldade das escolas e universidades em diminuir o descompasso em relação aos avanços científico-tecnológicos, porque o contato com a cultura exige o fortalecimento do espírito nas agruras de uma sala de aula desprovida dos meios tecnológicos, que poderiam abreviar boa parte deste sofrimento. Além disso, revela o porquê das resistências em trabalhar a prática considerando o grau de impacto da indústria cultural na sociedade contemporânea, sobretudo na educação formal e na formação do leitor, habilitando o aluno à leitura das novas formas de expressão como a cultura imagística.
No livro Pedagogia das Imagens Culturais: da Formação Cultural à Formação da Opinião Pública, lançado recentemente pela Editora da UNIJUÍ, procurei refletir basicamente sobre os potenciais pedagógicos de diversas teorias filosóficas, especialmente a teoria estética de Theodor W. Adorno, que busca resgatar o poder das imagens – a filosofia das imagens – como antídoto da prática conceitual reificada. O trabalho reflete sobre a possibilidade de uma “educação pela imagem” e é resultado de uma pesquisa apoiada pelo CNPq. A linha de investigação procura complementar, de alguma maneira, no campo da educação, a tarefa iniciada por Jürgen Habermas, de atualização das discussões sobre a teoria da Escola de Frankfurt de acordo com as novas descobertas dos campos da ciência, da pragmática da linguagem e da hermenêutica, mas que necessita de um acabamento principalmente no âmbito da estética. O livro destina-se a todas as áreas do conhecimento que trabalham com processos de produção e decodificação de imagens das mercadorias culturais, através do uso das tecnologias que exploram o imaginário, especialmente os campos de estudo da Pedagogia, Filosofia, Comunicação Social, Artes e Letras.
O intuito básico é o de renovar a discussão da área dos fundamentos da educação, incorporando a base estética do conhecimento por intermédio da hipótese de discussão de um caminho imagético de análise. O trabalho procura se concentrar na idéia de que a Pedagogia deveria nutrir uma maior preocupação com a preparação de um conjunto de procedimentos (métodos, técnicas e conteúdos) educativos, voltados à intepretação ou decodificação (e, se possível, produção) de imagens culturais da formação. Essa Pedagogia tem como fonte de inspiração a leitura de imagens da formação cultural presentes em diferentes discursos, os quais buscam legitimidade no contexto filosófico e pedagógico, com o intuito de preparar o indivíduo para conviver na sociedade pós-moderna.
O livro tenta responder, em última análise, o porquê as renovadas tentativas de qualificar o processo pedagógico no Brasil, via retomada de valores comprometidos com uma formação cultural e humanística, não tem encontrado sucesso efetivo, seja em sua aprovação pelos órgãos responsáveis pelos destinos da educação ou, quando isso acontece, seja na sua efetivação propriamente dita, ocasionando uma mudança qualitativa nos processos de ensinar e aprender. Para citar alguns exemplos, algumas propostas defendidas recentemente no Brasil nesse sentido são: a luta no Congresso Nacional pela aprovação do PLC 09/01 que solicitava a volta da obrigatoriedade da “Filosofia e Sociologia ao Ensino Médio”, a polêmica sobre a criação de um curso superior de “Humanidades” na USP, a tentativa de inserção da filosofia nos programas de acesso ao ensino superior e no próprio vestibular, a proposta de Filosofia para Crianças, o diagnóstico dos documentos oficiais sobre a situação dos cursos de formação superior de professores, incluindo o Plano Decenal de Educação, que, via de regra, propõe como saída uma “formação cultural sólida”, bem como outras propostas voltadas para o tratamento de temas mais específicos da educação, como a que prevê uma “avaliação formativa”.
Segundo a abordagem desenvolvida, em geral as diversas tentativas de levar o discurso da formação cultural, pela via da inclusão da discussão filosófica nas instituições educativas, não são bem sucedidas porque, entre outros motivos, essas iniciativas ainda trabalham excessivamente concentradas na tradição que observa unicamente o aspecto conceitual da cultura. Enquanto isso, elas deixam de observar que o teor da cultura geral mudou na sociedade pós-moderna para a hegemonia da cultura imagística. Para operar com base nesta nova realidade, a própria formação cultural deveria passar por um processo de autotransformação de sentido para auxiliar na formação da opinião pública crítica, habilitando assim o campo educativo para decodificar, entender e, se possível, colaborar criticamente na produção da nova linguagem da pós-modernidade. E isso leva à necessidade de reformulação da Pedagogia, compreendida não mais no já paralisado debate se essa área do conhecimento deve ser tributária das contribuições da ciência ou da arte, e sim a constituição de um saber mais comprometido com a reflexão sobre a cultura das imagens.
Em função da dificuldade de operacionalizar a formação, oferecendo-se um produto cultural autêntico no campo discursivo da educação e da Pedagogia, acredito que as imagens culturais da formação – as metáforas, alegorias e metonímias - podem servir como um critério de avaliação e requalificação dos diversos discursos filosóficos e pedagógicos e suas práticas nas escolas. É claro que não é um critério de consciência filiado aos parâmetros cartesianos da clareza e evidência, mas sim um critério pragmático, encontrado nos discursos de grandes pensadores da cultura, e que pode servir como uma instância corretiva dos rumos da educação, abrindo os olhos da racionalidade cega que guia o processo pedagógico atualmente. E isso vem confirmar a idéia de que os educadores não estão equivocados quando reivindicam um maior comprometimento da educação com uma visão ética e estética de mundo e uma relação professor/aluno mais humanizada.
A busca de uma instância superior na educação é possível, sem que isso transpire os resquícios de uma metafísica ultrapassada que hipoteticamente pretenderia um retorno ao convívio pedagógico. Mas, para isso, conforme procurei deixar claro no percurso expositivo do trabalho, é imprescindível que aconteça pelo menos uma mudança básica na forma de encarar a educação: a Pedagogia (utilizada em diversos campos de transmissão do conhecimento) deveria, então, deixar de se preocupar com os conteúdos apenas no sentido conceitual, para se autotransformar em uma Pedagogia das Imagens Culturais.
Revista de Pedagogia - UNB
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