domingo, 17 de janeiro de 2010

"Amazônia: natureza e sociedade em transformação"*


"Amazônia: natureza e sociedade em transformação"*

Debora Pignatari Drucker

Mestre em Ecologia pelo INPA, Doutoranda em Ambiente & Sociedade pelo NEPAM/UNICAMP (Bolsista FAPESP)

A pesquisa da relação entre a ação humana e o ambiente natural abrange questões relevantes à busca pelo desenvolvimento sustentável e aos efeitos das mudanças ambientais globais. Um dos temas que está no centro do debate é a investigação de transformações em ecossistemas naturais, com destaque para a extensa área de floresta tropical da Amazônia. Essas alterações ocorrem de diferentes maneiras, uma vez que não há uma abordagem única ou linear que possa explicar a interação entre sociedade e ambiente. O diálogo entre pesquisadores em ciências naturais e humanas é necessário para avançar essa área do conhecimento, e a manutenção de serviços ambientais implica em relacionar resultados com políticas regionais e internacionais.

O livro "Amazônia: Natureza e Sociedade em Transformação", organizado por M. Batistella, E. Moran e D. Alves, apresenta uma síntese do conhecimento atual sobre as dimensões humanas das alterações ambientais na Amazônia. Boa parte desse conhecimento foi gerada no âmbito do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), evidenciando a evolução e o amadurecimento do programa com a ampliação do enfoque em ciências humanas. A bagagem interdisciplinar dos organizadores - Batistella é formado em biologia e filosofia, com doutorado em ciências ambientais; Moran é professor de antropologia, geografia e ciências ambientais; Alves é matemático e vem intensificando as pesquisas sobre filosofia e sociologia da ciência - permitiu um olhar amplo sobre a interação entre ambiente e sociedade na Amazônia.

O livro está divido em três partes. A primeira, composta por dois capítulos, trata da questão das Dimensões Humanas no LBA, trazendo uma análise sintética do histórico do programa, do estado atual do conhecimento e de perspectivas. No capítulo 1, Alves e colaboradores demonstram como as ciências humanas ganharam espaço ao longo da primeira fase do LBA, que completou dez anos de existência em 2007, quando se tornou programa de governo e renovou a agenda de pesquisas iniciada em 1998. Essa trajetória parte de um componente de uso e cobertura da terra, no início do programa, o que evidencia os fundamentos da pesquisa em ciências humanas que embasaram o componente Dimensões Humanas do LBA e o seu amadurecimento. Schor e Alves analisam, no capítulo 2, a evolução do componente sob a perspectiva da relação entre ciência e sociedade e consideram como o processo de produção de conhecimento ao mesmo tempo influencia e é influenciado pelos processos sociais.

A compreensão de que as mudanças climáticas suscitam questões que coligam ciências naturais e humanas ganhou força tanto nacionalmente, como evidenciado pela evolução do programa LBA - o qual abordou alterações ambientais desde sua concepção -, quanto internacionalmente. Não por acaso, o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) também concentrou esforços primeiramente em ciências naturais, como foi demonstrado quando o grupo de trabalho I, The Physical Science Basis (IPCC 2007a), apresentou relatório demonstrando fortes evidências da existência de aquecimento global em conseqüência da ação humana. Os relatórios do grupo II, Impacts, Adaptation and Vulnerability (IPCC 2007b), e do grupo III, Mitigation (IPCC 2007c), apontam para a necessidade de pesquisas na interface das ciências climatológicas, biológicas, sociais e econômicas: sumarizam o estado do conhecimento atual e indicam lacunas que colaboraram para embasar a segunda fase do Programa LBA, iniciada em 2007. Conseqüentemente, embora as duas perguntas orientadoras do LBA tenham sido mantidas - Como a Amazônia funciona como uma entidade regional? Como as mudanças no uso da terra e no clima afetam as funções biológicas, químicas e físicas da Amazônia, incluindo a sustentabilidade da região e a influência da Amazônia no clima regional e global? -, na segunda fase as dimensões humanas foram incorporadas aos grupos de trabalho, os quais interagem em três focos de pesquisa principais:

1. O ambiente amazônico em mudança;

2. A sustentabilidade dos serviços ambientais e os sistemas de produção terrestres e aquáticos;

3. A variabilidade climática e hidrológica e a sua dinâmica: respostas, adaptação e mitigação.

A segunda parte do livro discute trajetórias, cenários e modelos para a Amazônia, abordando a interação entre homem e ambiente em cinco capítulos com diferentes enfoques metodológicos e, ao mesmo tempo, com uma característica em comum: apresentam análises embasadas por anos de pesquisa, incluindo contribuições que transcendem o Programa LBA, e ilustram o estado atual do conhecimento na região amazônica para os respectivos temas. No capítulo 3, Moran e colaboradores fazem uma análise multiescalar de fatores que afetam o desmatamento e o uso da terra na região amazônica. Os autores tratam de diferenças entre processos inter e intra-regionais e discutem as suas conexões com padrões regionais, ressaltando o caráter dinâmico dos fatores envolvidos com mudanças de uso e cobertura da terra na região. Hogan e colaboradores, no capítulo 4, apresentam análises da dinâmica demográfica no período desde a década de 1970 à de 2000 na Amazônia, nas quais discutem tendências de crescimento demográfico, mobilidade populacional e urbanização na região. No capítulo 5, Walker e colaboradores discutem mudanças na economia regional com uma análise histórica da produção regional, da composição setorial, da mão-de-obra, da infraestrutura e do bem estar social. Ainda com enfoque econômico, no capítulo 6, Costa usa dados censitários em análises quantitativas de propostas de trajetórias tecnológicas para os sistemas de produção da região. Leitores pouco familiarizados com modelagem matemática não terão dificuldades em compreender o modelo integrado proposto por Soares-Filho e colaboradores, no capítulo 7, para simular a dinâmica do desmatamento; enquanto iniciados em modelagem matemática encontrarão uma revisão sobre a evolução dessas ferramentas analíticas. Os autores encerram a segunda parte do livro apresentando trajetórias e cenários pessimistas e otimistas para o desmatamento da Amazônia brasileira até o ano de 2030 e discutem as suas implicações. Além disso, apontam para a necessidade da compreensão mais ampla de fatores socioeconômicos e os desafios de incorporá-los em análises numéricas. Ao mesmo tempo, ressaltam a importância de relacionar padrões de mudanças de uso e cobertura da terra com outros modelos biofísicos. Assim, os capítulos que compõem a segunda parte do livro apresentam resultados de pesquisas interdisciplinares e, além de demonstrar caminhos para se enfrentar desafios metodológicos, estimulam a formulação de novas perguntas em ambiente e sociedade, o que é uma contribuição para o avanço do conhecimento nessa área.

A terceira parte do livro, composta por quatro capítulos, aborda aspectos institucionais como fatores de compreensão das interações entre ser humano e ambiente na Amazônia, e discute o desafio de se associar ciência e formulação de políticas públicas. No capítulo 8, Santos e Alves debatem políticas internacionais e nacionais de conservação, refletindo, respectivamente, sobre a Convenção da Diversidade Biológica e as Reservas Extrativistas. Em ambos os casos, os autores tratam das dificuldades de se articular os interesses dos diferentes atores sociais envolvidos, desde os estados até as particularidades de cada grupo local, bem como as diferenças entre os seus instrumentos de organização. No capítulo 9, Costa analisa o ordenamento territorial na Amazônia, com ênfase nos desafios teóricos, metodológicos e operacionais de experiências do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) desde 1986. Apenas dois estados da Amazônia Legal (Acre e Rondônia) implementaram o ZEE, e são apresentadas inúmeras particularidades de experiências em diferentes escalas, o que contribui para a compreensão mais abrangente das dimensões do planejamento regional.

No capítulo 10, Becker questiona a percepção de que a conservação da natureza seria um entrave ao desenvolvimento e reflete sobre o papel das cidades como núcleos de articulação do desenvolvimento regional não predatório, nos quais a meta é produzir para conservar. A autora argumenta que os serviços e o fortalecimento da ciência e da tecnologia são alguns dos elementos com os quais as cidades têm o potencial de contribuir para a maior conectividade entre as diversas realidades locais, de forma a constituir uma estrutura produtiva em rede. Nobre e Lahsen encerram o livro com uma reflexão sobre os desafios de se conectar os conhecimentos gerados no âmbito do LBA e de outros programas de pesquisa ambientais com aplicações para o desenvolvimento regional. Os autores contextualizam as pesquisas do LBA e outras iniciativas de pesquisa na Amazônia com programas internacionais, especialmente aqueles relacionados com mudanças climáticas globais, salientando a necessidade de promover o diálogo entre cientistas naturais e sociais.

O debate sobre como a pesquisa pode contribuir para a sustentabilidade do manejo de recursos naturais ganhou força desde o Relatório Brundtland (1987), o qual propagou o termo desenvolvimento sustentável. A evolução da ciência para a sustentabilidade evidenciou que a mesma não se trata simplesmente de uma abordagem reducionista como, por exemplo, determinar tamanhos ou quantidades ótimas de extração de determinado recurso. Ficou claro também que a análise da ação humana como parte dos processos dinâmicos envolvendo os recursos naturais é crucial para que pesquisas integradas sejam úteis ao gerenciamento ambiental. Uma via para estreitar a relação entre ciência e ações práticas em políticas de desenvolvimento regional é usar estimativas de incertezas como fontes de informação (BRADSHAW; BORCHERS, 2000). Isso significa que os resultados de programas de pesquisas como o LBA são úteis para melhorar a precisão de estimativas de incertezas, pois quanto mais conhecemos sobre a interação entre ser humano e ambiente na Amazônia melhor dimensionamos o que ainda não sabemos. Pesquisadores estão acostumados a lidar com incertezas em investigações científicas, porém, freqüentemente, apenas os aspectos deterministas dos resultados científicos são considerados quando usados em formulação de políticas públicas. A incorporação de componentes de incerteza associados aos resultados científicos fornece informação mais completa aos processos de tomada de decisão.

A busca pela sustentabilidade na Amazônia demanda conhecimento na interface das ciências climatológicas, ecológicas, sociais, políticas e econômicas, bem como relacioná-las com políticas locais, regionais e internacionais. Esta obra, por se tratar de uma coletânea, permite que o leitor identifique o diálogo entre diferentes autores e traz importante contribuição para a análise do que sabemos e do que não sabemos sobre a interação entre ser humano e ambiente na região amazônica.
Autor para correspondência:
Debora Pignatari Drucker

Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais
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E-mail: deboradrucker@gmail.com

* Organizado por Mateus Batistella; Emilio F. Moran; Diógenes S. Alves. Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). Coleção Ciências Ambientais. ISBN: 8531411262. 304 pp. 2008.


Revista Ambiente e Sociedade - UNICAMP

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