PORTO-GONÇAVES, Carlos. Walter.
O desafio ambiental. Rio de Janeiro:
Record, 2004, p. 182.
Fernanda Alexandre
Licenciada em Geografia pela UFMS/CPTL, mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Geografia, Instituto de Pesquisas Sócio-ambientais – UFG – Goiânia – GO.
Email: nanda_allexande@yahoo.com.br.
Com pautas relativas e refletivas, fomentadoras do debate ambiental contemporâneo, pautado em relações e interesses capitalistas, a obra do professor e geógrafo Carlos Walter Porto Gonçalves, olvitra analisar a natureza e a sociedade em suas diferentes culturas, enquanto relações intrínsecas. Relações estas, que por parte de alguns seguimentos da sociedade, tornaram-se de apropriação, domínio, uso e exploração.
A obra é estruturada em duas partes. Na primeira intitulada “A natureza da globalização e a globalização da natureza”, o autor discute o poder fragmentador da globalização frente aos lugares, o “mundo em pedaços” resultante em menos relações identitárias das pessoas com os lugares. Estamos ligados no mundo, somos de todos os lugares por meio das imagens. Ressalta as atribuições que a técnica aliada ao poder das imagens com interesses políticos provoca, sendo principalmente, o rompimento de fronteiras territoriais e especialmente culturais, visando maior homogeneização de culturas predominantes.
Seguindo com a discussão a respeito das técnicas. De acordo com o autor, o conjunto de técnicas desenvolvido pelo homem, apresenta desde características jurídicas, pedagógicas e especialmente políticas. A principal função desse conjunto, numa sociedade fundada na propriedade privada da natureza é dominar os homens para estes submeterem a natureza como fonte de exploração e produção de riquezas. Este uso dá-se principalmente na idéia de desenvolvimento.
As técnicas pautaram-se na maioria dos casos de apropriação e exploração dos recursos, aprimorada ao longo dos anos. São estas, um sistema organizado, ordenado, visando um maior controle sobre seus efeitos, constituídas por relações sociais e de poder contraditórias trazem embutidas em si as contradições sociais. O autor considera ainda que a relação do homem com a natureza esta é embasada em significações. “Não existe relação com a natureza a não ser por meio de um conjunto de significações socialmente instituído e, portanto possível de ser reinventado num processo aberto, complexo, contraditório e indefinido sempre em condições históricas e geograficamente determinadas”. (p. 44).
Prosseguindo com a reflexão a respeito das questões do desafio ambiental, o proposto e almejado “desenvolvimento”, é visto contrário ao meio ambiente, pois, é colocado como sinônimo de dominação de natureza. As críticas ao “desenvolvimento” vieram primeiramente dos críticos marxistas, que o viam como uma imposição a todos e não como uma opção.
As críticas pressupunham que o “desenvolvimento” visa uma igualdade, mesmo em culturas e povos diferenciados, e nem sempre buscou igualdade perante a cultura europeizada e americanizada apresentada como supremas em decorrência do processo de colonização em todos os continentes.
O desenvolvimento e a globalização ganharam impulso quando as oligarquias financeiras e industriais aliaram-se a importantes setores das burguesias nacionais desenvolvimentistas do "Terceiro Mundo”. E sob a gerência do Banco Mundial foram realizados investimentos em construções como grandes hidrelétricas, abertura de estradas, translação de indústrias, colonização, revoluções e “modernização” nos campos agrários especialmente da América Latina. A fórmula e as conseqüências desse modelo de desenvolvimento adotado pelo capitalismo, a partir dos anos de 1960- 1970 foi alvo do movimento ambientalista no mundo.
Carlos Walter discorre que o ambientalismo, como todo movimento, também possui seu berço político; a partir de manifestações e denúncias a respeito dos riscos que a humanidade e o planeta sofriam por falta da proposição e de limites de intervenção humana sob a natureza começou a ganhar reconhecimento. A partir da década de 1960, se deu o crescimento e expansão, pelo mundo da preocupação do risco global.
Apesar dos efeitos locais, os olhares voltaram-se para as situações de pauperismos de alguns países. Estes foram erroneamente indicados como causadores dos mais graves problemas ambientais no mundo, quando na verdade são os paises ricos e ditos “desenvolvidos” os provocadores dos maiores males para com a natureza.
Ainda nesta primeira parte da obra, a lógica das relações capitalistas é discutida, o modo como esta procura apropriar-se da natureza em todos os sentidos. A sociedade capitalista mercadoriza “tudo”, o mercado capturou a ciência, a qual se tornou força produtiva do capital, privatização do conhecimento científico, perda da autonomia do Estado para os grandes grupos corporativos.
Devido à complexidade do ambiente, a lógica empresarial não é a soma das partes. O ambiente é formado por partes desiguais onde à economia moderna define a apropriação, o uso do produto considerando como recurso, riqueza e escassez. A disputa territorial pelos elementos considerados sob essa ótica implicam em disputas territoriais configurando a geopolítica no desafio ambiental contemporâneo.
Na segunda parte da obra, a qual é nomeada “O homem”, o debate ambiental contemporâneo é reforçado com a questão alimentícia, considerando que ações como a patentiação, a genética e o conhecimento de alimentos, têm levado os países a tomarem posições avancivas nesse sentido. A prática da monocultura tem contribuído à insegurança alimentar, se passou de uma agricultura camponesa para uma agricultura capitalista. A expansão agrícola, e em conseqüência o uso exacerbado de fertilizantes vem provocando a contaminação das águas superficiais e subterrâneas. Por sua vez o uso inadequado dos solos, acarreta na retirada da cobertura vegetal deixando-os mais propícios aos fenômenos erosivos.
A natureza também passou a ser comercializada como forma de pagamento á divida eterna. Grupos empresarias, de segmentos como a extração de bauxita e a indústria de papel e celulose, indústrias altamente poluidoras, se apropriaram dessa situação para realizar suas transferências para os países de Terceiro Mundo.
Essas indústrias segundo o autor, se beneficiam de terras abundantes e mais baratas, da maior incidência da radiação solar, onde sua matéria-prima tem crescimento mais rápido e, então, obtém um rendimento físico por hectares muito maior nas regiões temperadas. E por fim, outro benefício seria a relativa proximidade de seu consumo produtivo.
A lógica governamental é enfocada, principalmente por sua transformação, com a criação de leis de gerenciamento dos recursos e da natureza em si. Essa mudança se dá devido à nova configuração das relações sociais de poder da geopolítica mundial. No Brasil um exemplo dessa mudança tem-se com a criação das novas Unidades de Conservação, nos anos de 1970 e 1980 estas, priorizavam os direitos das populações locais, concernente ao gerenciamento. Atualmente é conduzido por ONGs e órgãos governamentais.
Seguindo a reflexão do autor, ainda tem-se o aumento exacerbado das Reservas de Patrimônio Natural (RPPNs). Áreas de grandes propriedades, geralmente latifúndios, que impedem o acesso das populações locais os recursos naturais. A Legislação propõem o uso dessas terras, ao se transformarem em RPPNs, como prestadoras de serviços ambientais à sociedade como um todo, sejam eles de base para pesquisas cientificas, ou educativos.
No entanto, o posicionamento e apontamento do autor da obra, é no sentido indagativo, porque essa prática ambiental nas RPPNs é realizado sem que haja uma democratização do controle e gestão dos recursos naturais. E ainda, por que são as populações originárias, camponesas e afrodescendentes, aquelas que não têm suas práticas culturais voltadas para o valor de troca, que sofrem restrições estabelecidas por um discurso apresentado em nome do “uso racional dos recursos naturais”.
O autor chama a atenção do leitor, para a desordem ecológica, mais evidente em alguns elementos do ambiente, como a água. Á água é uma questão complexa, especialmente para as populações mais pobres. Antes, essa era manejada pelas oligarquias latifundiárias, pelo poder regional e políticas populistas. Atualmente o “ciclo hidrológico” foi alterado pela forma de uso que a sociedade confere a água, não considerando muitas vezes o significado e importância dessa matéria.
Finalizando essa importante obra de alerta e reflexão, para a comunidade em todos os seus seguimentos, sobre os meandros implícitos e explícitos da questão ambiental, é ressaltado, que o desafio ambiental contemporâneo, implica em uma verdadeira revolução cultural, com a participação dos diversos grupos sociais nas questões e decisões ambientais, pois, é o único a ser colocado além da fragmentação capitalista tão em voga. O último chamamento do autor respalda-se no direcionamento de que é preciso trabalhar, enfocar, esmiuçar a idéia de que há limites para a relação da humanidade com a natureza.
Revista Ateliê Geográfico - UFG-IESA
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