segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Predadores", de Pepetela


Como se estivéssemos diante de um retrato contundente e brutal dos últimos 30 anos na Angola. É com essa impressão que o leitor deve ficar assim que concluir o livro de Pepetela, "Predadores" (Língua Geral, 2008).


Capa do novo livro do angolano Pepetela no Brasil, "Predadores"
Tomando como ponto de partida o ano de 1974, um antes da Independência, o autor esquadrinha a sociedade angolana nesse período de transição com um certo tom de desencanto, mais do que a simples decepção ou o inconformismo sem efeito prático.

A experiência de Pepetela como guerrilheiro, como representante do Movimento Popular de Libertação da Angola (MPLA) e finalmente como vice-ministro da Educação, logo quando o seu país atingiu a independência, serviram de base para expor a seco o seu meio --de dentro, como uma personagem sendo guiada pela narração histórica que ora a faz recuar diante dos acontecimentos, boa parte deles conduzido pela esfera burocrática que começava a surgir, ora faz com que avance na direção de um combate militante.

Seu estilo simples e direto do relato faz lembrar a escola de Jorge Amado, homenageado de 2006. As temáticas são as mesmas, as trajetórias de seus personagens tocam pontos comuns [a paixão, o poder, o patriarcado, o dinheiro como força motriz e destruidora], e ambos seguem certa linha do engajamento formal na literatura.

Guardadas as proporções com o autor brasileiro, "Predadores" foi e é grande sucesso de vendas em Portugal, atingindo a cristalização de uma literatura de expressão africana.

Como as personagens de Amado, as figuras traçadas na ficção de Pepetela representam desdobramentos de uma sociedade heterogênea e em constante conflito de auto-aceitação; é o processo de independência figurada no cotidiano e na relação entre as classes.

No caso de "Predadores", o autor acompanha a trajetória de Vladimiro Caposso, o burguês que se formou a partir da independência de seu país. Suas andanças pelo sistema agrário de Angola, comércio, burguesia e, enfim, pela política de seu país, espelham a constituição de uma nova nação, construída a partir dos cacos resgatados pouco a pouco de seu solo mais fértil: a própria história.

Caposso, nascido José, de origem humilde e inicialmente avesso à política, foi capaz de modificar toda a sua vida, inventar um passado, e até um novo nome, para ter então acesso a um grau da escala social outrora inacessível. Microcosmo da recém independência de seu país, Pepetela e sua personagem Caposso (José) mostra os meios lícitos e ilícitos utilizados para conquistar o que se deseja, fora da vontade coletiva.

A representação da independência de um país, não mais como conquista e orgulho, mas como profundo desencanto.

Folha de São Paulo

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