A criança como sujeito no processo de adoção
Gisele Cristina Resende Fernandes da Silva
Associação Valeparaibana de Assistência Médica Policial, Taubaté-SP, Brasil
Solon, L. A. G. (2008). Conversando com a criança sobre adoção. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Desde os primórdios da humanidade percebe-se a necessidade de cuidados e proteção que uma criança requer. Seu abandono ou orfandade a coloca numa situação de risco e a adoção representa um dos recursos para garantir sua proteção e o seu desenvolvimento.
Solon, autora do livro, percebeu a complexidade do tema da adoção e o baixo número de pesquisas que focam a criança e seu processo de adoção, principalmente de pesquisas que ouvissem as crianças, o que a motivou a estudar o tema durante seu curso de mestrado. No livro, ela apresenta a criança como participante de seu processo de adoção tardia, adoções ocorridas após os dois anos de idade, pois entende que ela faz parte anteriormente de uma família, depois de uma instituição, para posteriormente ser adotada, aspectos que compõem sua história de vida e identidade pessoal.
O livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro, a autora faz uma apresentação histórica e uma revisão conceitual do tema adoção. No segundo, revela o percurso da pesquisa e a metodologia para coleta de dados e análise. O terceiro capítulo apresenta as narrativas das crianças, e, finalmente, o quarto capítulo concerne à análise das narrativas e apresenta algumas reflexões a título de conclusão.
A autora verificou que a adoção acontece desde a sociedade romana. Na Idade Média as crianças eram separadas de seus pais quando pequenas, e entregues para a sua ama que delas cuidava para que ingressassem na sociedade na idade adulta. A partir do século XVIII, surgiu a família moderna, na qual os filhos começaram a ter importância na vida dos pais. No século XX, surgiram as casas que abrigavam crianças abandonadas e também as famílias que cuidavam dessas crianças como "filhos de criação".
No Brasil, a legislação sobre adoção começou a se estruturar no início do século XX com o Estado Moderno, neste mesmo período, a psicologia argumentava que a infância era a fase decisiva para a formação da personalidade adulta, e o poder público passou a entender que a inserção em uma família seria primordial para tornar o adulto mais produtivo. Com as guerras mundiais, aumentou o número de órfãos e também os estudos sobre crianças institucionalizadas e o desenvolvimento biopsicossocial, exemplos de estudiosos são Bowlby e Spitz. Assim a adoção passou a ser vista como uma forma de suprir a ausência da mãe e a família era necessária para que fosse evitado o surgimento de psicopatologias.
Em nossa sociedade ocidental a família tem um caráter biológico e de consanguinidade, e abandonar essa noção biológica torna-se fundamental para que a adoção e as relações afetivas sejam construídas de uma maneira "natural", sem preconceitos e sofrimento. Devido a essa concepção, a adoção e a história de vida das crianças são, em alguns casos, silenciados.
Como apresentado anteriormente, no segundo capítulo a autora discute a complexidade do tema da adoção e o baixo número de pesquisas que tomam como objeto a criança nesse processo. Neste sentido, Solon buscou investigar as narrativas das crianças adotadas, procurando conhecer os significados construídos por elas sobre a própria adoção, pois na adoção tardia a criança já fala e é capaz de expressar suas experiências.
O método utilizado foi o referencial teórico-metodológico da Rede de Significações (RedSig) desenvolvido pelo CINDEDI (Centro de Investigação sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil, FFCLRP-USP), que busca compreender os processos de desenvolvimento humano fundamentado em autores sócio-históricos como Vygotsky, Wallon, Valsiner, Bakhtin e autores da Psicologia do Desenvolvimento Social: Bronfenbrenner, Bruner, dentre outros. A RedSig compreende que os processos de desenvolvimento ocorrem durante todo o ciclo vital, através das múltiplas interações estabelecidas ao longo da vida. Essa perspectiva entende que "o desenvolvimento humano não é individual, nem a-histórico, mas sim dinâmico complexo e com uma possibilidade de constantes transformações". (Solon, 2008, p. 40)
Fizeram parte da pesquisa três crianças: um menino de sete anos, que morava com a família adotante há onze meses, e cursava a 1ª série escolar; uma menina de seis anos e sua irmã de sete anos, que foram adotadas pela mesma família há dois anos e um mês, sendo que ambas também cursavam a 1ª série.
Foram realizadas entrevistas abertas ou "conversas" no ambiente da criança - sua casa - divididas em seis encontros temáticos. A pesquisadora contava com material de apoio (gravador, papéis, lápis coloridos, cola, família de bonecos, fantoches de animais, casinha de boneca) para favorecer as narrativas e também oferecer às crianças um espaço lúdico, no qual se sentissem à vontade para falar. Os temas dos encontros foram: 1º encontro - apresentação do trabalho e conversa inicial para estabelecimento de uma relação interativa e de confiança; 2º encontro - abrigo, pois as crianças antes de serem adotadas permaneceram num abrigo; 3º encontro - família; 4º encontro - escola; 5º encontro - encerramento e elaboração de um livro sobre os temas dos encontros, a história de vida daquelas crianças.
No terceiro capítulo, a autora apresenta a história e a narrativa das crianças, na qual puderam falar de suas vivências nas famílias biológicas, da experiência de viver num abrigo, da nova etapa de vida na família adotiva e da visão que possuem sobre a legalização da adoção pelo Sistema Judiciário. As entrevistas foram analisadas e a autora concluiu que é possível pensar o processo de adoção tardia a partir do lugar da criança, porque ela é sujeito nesse processo, evidenciando-se a necessidade de escuta e valorização de sua história de vida e o não silenciamento de seu passado.
No quarto capítulo, apresentam-se alguns pontos para a reflexão, a saber:
(1) A possibilidade de conversar com a criança: quando falam, expressam sentimentos e emoções sobre seu processo de adoção. As entrevistas realizadas na residência da criança também favoreceram a observação do contexto no qual ela estava inserida e as relações estabelecidas. Esse aspecto faz repensar a pesquisa na área da psicologia, rompendo com o pensamento positivista de controlar a situação pesquisada.
(2) Os contextos interligados ao processo de adoção tardia: a adoção tardia faz com que as crianças circulem em contextos diferentes, família biológica, abrigo, família adotante e Sistema Judiciário, muitas vezes sem compreender o que está acontecendo consigo. A compreensão desses aspectos pode facilitar o processo de constituição identitária - que se inicia no nascimento e continua ao longo da vida.
(3) O processo de silenciamento circunscrevendo as práticas de adoção: o passado da criança é escondido e silenciado, e há necessidade de reconstruir sua história.
(4) A necessidade de um acompanhamento pré e pós-adoção: a adoção visa proteger a criança, porém, somente colocá-la em uma família adotiva não garante que ela seja adaptada e feliz, o acompanhamento pré e pós-adoção, como acontece na Espanha, é uma forma de verificar seu bem estar emocional, dando voz a ela e à família, para juntos elaborarem esse processo que oferece medos, sentimento de perda, frustração e gera expectativas e ansiedade.
O livro também serve de apoio aos profissionais que lidam com a adoção para que possam ter uma escuta da criança, que é o sujeito principal em todo o processo. Também contribui para que novos estudos sejam realizados com essa temática a partir dos pontos de conclusão e reflexão.
Endereço para correspondência:
Gisele Cristina Resende Fernandes da Silva
Rua João Couto, 121
CEP 12120-000. Tremembé-SP, Brasil
E-mail: gcrfs@ig.com.br
Gisele Cristina Resende Fernandes da Silva é psicóloga, especialista em Psicopedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, psicóloga do ambulatório da Associação Valeparaibana de Assistência Médica Policial, Taubaté-SP.
Paidéia: cadernos de Psicologia e Educação
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