Um pensador radical
CARLOS EDUARDO JORDÃO MACHADO
Atualmente, é quase uma raridade encontrar nas livrarias a obra do filósofo húngaro Georg Lukács _conhecido como um dos fundadores do chamado ''marxismo ocidental'' devido, sobretudo, a ''História e Consciência de Classe'' (1923), seu trabalho mais famoso e influente. Diante deste esquecimento generalizado, o livro de Celso Frederico navega contra a corrente e se lança a uma tarefa para poucos: tentar sintetizar para o público jovem a trajetória intelectual de Lukács (1885-1971).
Trajetória complexa e atribulada que fascina pela sua coerência e radicalidade: um intelectual burguês que estudou com Wilhelm Dilthey, Georg Simmel e Max Weber e que, durante a Primeira Guerra Mundial, muda de campo (de classe social), passando da crítica estética ao mundo moderno à crítica das armas, isto é, se engajando na revolução (proletária). O resultado desta ''traição de classe'' é ''História e Consciência de Classe'', livro profundamente inovador, não só pela revalorização do legado hegeliano na obra de Marx, mas também por se apropriar do que havia de mais avançado na sociologia alemã da época (Simmel e Weber) a fim de formular uma crítica da reificação social. Como aponta Celso Frederico, essa crítica inspirou ''diversas correntes filosóficas a partir dos anos 30: a Escola de Frankfurt (Adorno, Benjamin etc.) e os marxistas independentes (como Lucien Goldmann) etc.''.
O livro de Celso Frederico se debruça, certeiramente, sobre o que há de mais representativo e multifacetado na obra de Lukács: sua crítica literária e sua tentativa de elaborar uma estética sistemática. Lukács retoma suas preocupações estético-literárias a partir dos anos 30, sob a influência dos escritos do jovem Marx, que então são publicados. Com sua teoria do ''realismo crítico'', Lukács articula uma crítica da cultura burguesa e desenvolve sua interpretação extremamente significativa do romance como gênero literário específico.
Vivendo, de um lado, a ascensão do nazi-fascismo na Europa Central e Ocidental e, de outro, o stalinismo, que passa a monopolizar o poder na URSS a partir de 1928, Lukács se esforça por desenvolver uma concepção do realismo que se posiciona, criticamente, seja contra a sociologia vulgar, seja contra as vanguardas históricas. Trata-se _para Lukács_ do realismo burguês pré-1848, dos romances de Goethe, Balzac e Stendhal. Suas posições (antivanguardistas) vão estar no centro do famoso ''debate sobre o expressionismo'' (1937-40), querela ocorrida no seio da imigração alemã antifascista. Para Lukács, tanto a arte como a filosofia burguesa depois das barricadas de junho de 1848, em Paris, seguem um curso descendente. Como mostra Celso Frederico: ''A crítica literária de Lukács na década de 30 decantou os fundamentos de sua concepção mais geral sobre a arte''.
A leitura de Frederico tem ainda o mérito de não reduzir as posições estéticas de Lukács às suas posições políticas. Em contrapartida, não ignora a rica e polêmica interação entre estética e política na trajetória de um marxista como Lukács. Lembra-nos que Lukács elaborou uma concepção original de democracia política nas suas ''Teses de Blum'' (1928), e, sobretudo, não deixa de dar atenção à sua monumental ''Estética'' (1961), analisando, entre outras, categorias fundamentais como vida cotidiana, símbolo em oposição à alegoria (em polêmica com Walter Benjamin _uma das passagens notáveis do livro), a arte como memória da humanidade. No final, há uma pequena e útil antologia de textos, que tem como meta introduzir o jovem leitor às idéias de um dos pensadores mais marcantes (e radicais) deste século.
Carlos Eduardo Jordão Machado é professor de história da filosofia na Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Folha de São Paulo
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