domingo, 24 de julho de 2011

Uma geografia dos Yanomami


Os Yanomami são um pouco menos de 30.000 (dos quais 14.000 no Brasil) e vivem em uma área de aproximadamente 192.000 quilômetros quadrados, em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela, em áreas que vão desde ambiente de floresta amazônica de várzea – na bacia do Orinoco e do Amazonas – até regiões francamente montanhosas. Na década de 1990, do lado brasileiro, foram dizimadas por incursões de garimpeiros que levaram doenças graves – em especial a malária – a comunidades até então relativamente isoladas. A luta dos grupos indígenas, apoiada pelo lobby indigenista permitiu que na década de 2000 ganhassem o controle de um território que os torna imunes à expulsão e à perda de recursos econômicos e sociais associados: reconhecida e homologada em 1992, a Terra indígena Yanomami (TIY) abrange agora 96 650 km2 (aproximadamente a área de Portugal ou da Hungria).

As etapas da ocupação
René Somain
Referência(s):

Les Yanomami du Brésil - Géographie d’un territoire amérindien

François-Michel Le Tourneau

Collection Mappemonde, Éditions Belin (Paris), 480 pages, 32 Euros


Recentemente a maneira de ver os Yanomami mudou, e este livro é a prova disso. O declínio das populações indígenas do Brasil era apresentado como inevitável, levando à desintegração destas sociedades. Porém, de acordo com François-Michel Le Tourneau, uma espécie de “revolução copernicana” aconteceu, “começamos a considerar a transformações sociais em curso nos grupos indígenas não como uma degeneração, mas como um processo de adaptação às novas circunstâncias, um fenômeno compartilhado por todas as culturas do mundo, dominante ou não: a partir daí, podemos considerar que os atuais Indios e não como relíquias de um passado misterioso, mas comos nossos contemporâneos”.

3A primeira parte do livro, “A descoberta de um povo”, mostra os primeiros contatos com os Brancos, a instalação de missões religiosas, dos garimpeiros e os projetos dos militares. A segunda parte, “Que território para os Yanomami?”, é dedicado às etapas de definição do território Yanomami e aos vários ataques aos quais ele foi submetido. A terceira parte, “Novos desafios”, refere-se ao papel fundamental da assistência sanitaria e da organização dos Yanomami. A seção final, “Anatomia do território Yanomami”, abrange a sua organização interna, seus mecanismos, a sua periferia e os seus impactos no exterior.

Os reconhecimentos


François-Michel Le Tourneau é pesquisador no CNRS-Creda, para quem completou quinze missões, entre 2002 e 2006, para estudar o estilo de vida dos Yanomami e as suas relações com o entorno. Neste trabalho bem documentado (tirado da sua Livre Docência), ele explica como este povo se vê e se define em relação a grupos em torno dele. Como ele é geógrafo, não antropólogo (mesmo que tenha trabalhado com eles), este livro centra-se na geografia atual de um povo “que teve a chance de sobreviver e de poder se definir hoje mais em relação às civilizações circundantes do que em relação ao seu passado”.

As regiões


François-Michel Le Tourneau narra em detalhes a gênese deste território, aliando a abordagem geo-histórica (que perfaz três quartos do livro) e a análise geográfica deste território. Ele vota até origem dos Yanomami, conta os contatos iniciais (durante a delimitação da fronteira entre Brasil e Venezuela em 1940), e a descoberta que as várias tribos reconhecidas ao longo dos anos formavam na verdade um único povo, que fala quatro dialetos de um mesmo idioma. Ele analisa objetivamente o papel das missões católicas e protestantes, as atividades das organizações humanitárias, o dano causado pela chegada dos Brancos, atraídos pelas riquezas minerais do subsolo, o papel da geopolítica, as alianças e contra-alianças entre as oligarquias locais, federais, militares e científicos. A segunda abordagem é apoiada por um notável conjunto de mapas resultantes da análise de imagens de satélite e das muitas horas gastas andando pelo território Yanomami, GPS na mochila.

A invasão dos garimpeiros



O livro fornece, portanto, uma quantidade de “fatos e conhecimentos para compreender os sucessos e os desafios que esperam, no século XXI, este território vasto e tão especial”. O tom é tão objetivo quanto possível, toda a literatura disponível é mobilizada, todos os recursos da análise de imagens de satelite são usados, mas François-Michel Le Tourneau não esconde uma profunda empatia com este povo que lutou e ainda lutando para manter seu território e o seu modo de vida em condições adversas. Pode ser tomado como evidência de que essa adaptação inteligente a foto da página 305 do livro: pode-se ver, colado na parede da escola (bilingue) de Demini, um cartaz que explica - em Yanomami - o uso do software Photoshop.
http://confins.revues.org

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