sábado, 30 de julho de 2011

Open City


Solidão com vista para a metrópole
Nascido nos EUA mas criado na Nigéria, Teju Cole, de 36 anos, fala de seu elogiado romance de estreia, Open City - que o levou a ser comparado a Albert Camus -, no qual lança um olhar de desilusão sobre a Nova York pós-11 de Setembro
Francisco Quinteiro Pires
NOVA YORK

Julius é obrigado a fazer uma escolha todos os dias. Ele decide, sobretudo quando caminha sem rumo por Nova York, quem gostaria de ser. "Andar pelas ruas é uma lembrança de liberdade", acredita. A sua decisão, porém, é difícil. Julius não sabe o que deseja ser, e talvez a cidade onde mora não seja um lugar favorável para reinventar uma identidade. Nova York é uma cidade aberta, produtora incessante de possibilidades que escondem uma armadilha: a fartura de caminhos leva à paralisia do indivíduo.

Teju Cole é americano, nascido no Estado de Michigan, mas criado em Lagos, na Nigéria. Mora nos Estados Unidos desde 1992. Tem 36 anos, é escritor e criador de Julius, protagonista de Open City, o seu elogiado romance de estreia. Cole confunde nesse livro a própria perspectiva com a do personagem. "Julius é a parte nebulosa e sensível da minha alma", diz. "Ou talvez ele seja a alma coletiva de Nova York. Ele está ferido e também fere. Gosta das pessoas, mas se aparta delas. É um homem do pós-11 de Setembro que luta para descobrir como eventos recentes e antigos continuam a ecoar no presente."

O romance retrata Nova York como uma cidade subjugada. "O título Open City soa positivo porque a palavra open (aberto) sugere significados positivos", comenta. "Open city pode significar, porém, a cidade que um exército invasor ocupou durante uma guerra e preservou da destruição em troca de rendição. Bruxelas, Paris, Roma e Atenas foram cidades abertas durante a 2.ª Guerra Mundial. Sem dúvida, o termo tem conotações diabólicas."

Nova York, segundo o personagem Julius, é uma cidade traumatizada pelos ataques ao World Trade Center em 11 de Setembro de 2001. Ela inspira pesadelos. O protagonista confunde com pessoas entrando em catacumbas os nova-iorquinos que descem as escadas da estação de metrô. O seu olhar tem a influência do passado - ele observa os edifícios de Wall Street, centro financeiro da cidade, e recorda que foram erguidos por fortunas acumuladas com a venda de escravos durante o século 18. Esse é o contexto em que se desenrola a narrativa de Open City, pelo qual Teju Cole foi comparado aos escritores W.G. Sebald, Albert Camus e Joseph O"Neill.

A revista The New Yorker dedicou cinco páginas de crítica ao romance, considerado original e penetrante. Segundo James Wood, o autor da resenha e do livro Como Funciona a Ficção (Cosac Naify), "Cole criou um romance o mais próximo possível que se pode chegar de um diário, com espaço para reflexão, autobiografia, entorpecimento e repetição. Essa realização é extremamente difícil, muitos romancistas consagrados perderiam a mão, ao contrário de Cole que, misteriosamente, maravilhosamente, não desanda". Para Colm Tóibín, autor de Brooklyn (Companhia das Letras), "Open City é uma meditação sobre história e cultura, identidade e solidão, é um romance para saborear e guardar como um tesouro". Em entrevista à Time, Wole Soyinka, ganhador do prêmio Nobel de 1986, recomendou Open City como leitura de verão. A obra já tem traduções encomendadas para o alemão, o francês e o espanhol. Não há ainda previsão de lançamento no Brasil.

Nigeriano de ascendência alemã, Julius se mudou para Nova York para fazer residência médica. O enredo, porém, segundo o autor, não foi criado para abordar os problemas da imigração. "O personagem é só um imigrante envolvido com as próprias experiências", diz Cole. "Ele não representa um grupo." Julius conduz no hospital uma pesquisa sobre idosos com distúrbios emocionais. O romance começa no outono e termina um ano depois, enquanto o inverno cinza se aproxima, metáfora para a desilusão do protagonista. "Eu entendo a melancolia do Julius", diz o escritor. "Tinha de entendê-la, pois do contrário não seria capaz de escrever com convicção. Em certos dias, eu e Julius temos a mesma visão de Nova York."

De duas a três vezes por semana, Julius vaga sem objetivo pela cidade. Assim, ele pretende fugir da vida previsível representada pelo trabalho no hospital, onde as relações com pacientes e colegas se tornaram mecânicas. Para ele, cada região de Nova York é "nutrida por um tipo diferente de substância" - sendo Manhattan "a mais estranha das ilhas", e não a mais incrível. O personagem, porém, não consegue extrair nada dessa constatação. O que ele observa, e oferece ao leitor como fato constante até a última página, é a solidão absoluta dos moradores de Nova York. "Eu vejo, no entanto, mais beleza e elegância na cidade do que o meu personagem."

Teju Cole mora no Brooklyn e, ao contrário de Julius, visita os outros boroughs da cidade: Manhattan, Queens, The Bronx e Staten Island. A sua perspectiva, admite o escritor, é mais ampla do ponto de vista histórico-cultural se comparada com a do narrador, para quem o passado é um "grande espaço vazio". Nesse universo, talvez inexistente segundo o personagem, "as pessoas e os acontecimentos estão flutuando à deriva". A Nigéria, a sua terra natal, encontra-se nesse lugar onde boiam as memórias esquecidas.

O coração vazio de Julius precisa das ruas cheias da cidade para processar o esquecimento do passado e a incapacidade de acessar o presente. As várias faces dos habitantes de Nova York o oprimem porque remetem à solidão. A descrição dos lugares em Open City é realista, mas o desdobramento dos fatos depende de uma dinâmica absurda. "Open City é um trabalho de ficção, mas eu quis escrevê-lo o mais próximo da realidade", diz Cole. "Essa opção significa incluir algo do ritmo e da inércia do cotidiano. Para conceber o livro, além de ler muito sobre Nova York, realizei longas caminhadas e descrevi em detalhes o que observei."

Os encontros do médico com outros personagens são fortuitos. Cole inventou territórios sociais que Julius se sente impelido a cruzar. No que o médico se transforma depois das perambulações pela metrópole multicultural é difícil saber; o que o protagonista traz sob a superfície está bem guardado. Esses segredos se mantêm inacessíveis mesmo nas situações mais dramáticas. É o caso do término do namoro com Nádege, que havia se mudado para São Francisco meses antes. O fim da relação foi comunicado sem surpresas por telefone.

Teju Cole se preocupa em enquadrar os tempos da tragédia, que representam uma ruptura emocional e temporal na trajetória do indivíduo, mas evita descrevê-los em tom melodramático ou sensacional. "Recentemente, enquanto editava algumas das minhas fotos, percebi que existem fortes conexões entre o meu jeito de fotografar e o meu estilo de escrita. Há uma tendência de capturar o momento decisivo na vida cotidiana", afirma Cole, que é fotógrafo e especialista em história da arte holandesa.

A observação precisa e a paciência na descrição parecem ser a herança do escritor para Julius. "Consigo ter uma visão mais ampla em fotografia, ajustando a profundidade do campo: o que está perto e o que está longe entram assim em foco", ressalta o ficcionista. "Quando escrevo, coloco os seres humanos sob uma perspectiva histórica abrangente, o hoje pode ser o mesmo período de 100 anos atrás."

Depois de explorar as raízes de Nova York, Julius passa a investigar as próprias. De repente, o médico viaja para Bruxelas, capital da Bélgica, onde teria a chance - implausível - de contactar a avó alemã. A mãe e a avó sobreviveram ao nazismo. No lugar dos familiares, porém, ele encontra Farouq, marroquino que trabalha num cybercafe e deseja ser o próximo Edward Said (1935-2003), ensaísta que criticou a definição ocidental do Oriente. Farouq afirma que a sua tese sobre o mundo árabe foi rejeitada pela universidade por ter sido apresentada uma semana após o 11 de Setembro.

"Escrever sobre Nova York e Bruxelas me deu a oportunidade de pensar sobre dois lugares frequentemente comparados, por estarem em luta com o presente e o passado de maneira similar." Nenhuma das duas sugere esperança, segundo o enredo de Open City. Tema da próxima obra do escritor americano, Lagos, na Nigéria, talvez desperte a mesma desilusão. Cole admite estabelecer padrões ao observar o comportamento humano. Se ele mantiver esse hábito no atual projeto, vai mostrar a anomia de Lagos, a capital econômica de uma nação afundada em pobreza, que poderia ser considerada mais uma cidade aberta.
Jornal O Estado de S.Paulo

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