segunda-feira, 29 de março de 2010

Subdesenvolvimento Sustentável

Subdesenvolvimento Sustentável*


Fábio Albergaria de Queiroz

Doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). E-mail: fabioaq@hotmail.com

PROCÓPIO, Argemiro. Subdesenvolvimento sustentável. Curitiba: Juruá, 2007, 335 páginas.

Subdesenvolvimento sustentável: é assim que Argemiro Procópio sugestivamente descreve o modelo de desenvolvimento predominante na região amazônica compartilhada por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Ao longo de sua exposição, Procópio desnuda a realidade dos "oito amazônicos" ao apontar que a Hileia, em pleno século XXI, ainda carrega consigo vários problemas estruturais, herança de um longo passado colonial.

Neste contexto, o autor apresenta-nos a região como produtora de commodities e manufaturados com baixo valor agregado. Cita a mineração, a exploração madeireira e de metais preciosos, as redes do agronegócio da soja, da carne, do couro e, atualmente, da cana-de-açúcar como protagonistas do "continuum da sustentabilidade do subdesenvolvimento em novas versões da economia colonial nos oito países amazônicos" (p. 14).

O livro traz importante contribuição ao analisar o papel amazônico no dinâmico mundo dos ilícitos transnacionais, tema que vem ganhando crescente importância nas Relações Internacionais e cujos desdobramentos ainda não são plenamente conhecidos. Neste cenário, em que os dados concretos dos fatos apresentados no livro apontam a região amazônica como grande player, a cocaína destaca-se "como lídimo e maior produto da Hileia exportado com valor agregado" (p. 13), responsável pela inserção da região no competitivo mercado global dos ilícitos.

Procópio aponta as debilidades político-institucionais dos Estados amazônicos como um dos principais fatores responsáveis por tornar a Hileia uma espécie de buraco negro geopolítico, ou vazio de poder, segundo tipologia adotada pelo autor, em que prosperam as redes do crime organizado e dos ilícitos transnacionais. Dada a comum incapacidade de estes países exercerem plenamente a soberania e a autoridade sobre seus territórios amazônicos, o processo de state building na região, pelo autor denominada de "periferia da periferia", acaba assumindo uma importante dimensão de segurança, um componente essencial para a manutenção da ordem regional.

Esse é um dos pontos abordados que levam o leitor a refletir sobre a premente necessidade de se repensar o multilateralismo amazônico, principalmente quanto às várias dimensões da segurança regional. Na verdade, este tema se destaca como assunto central no livro: as inter-relações entre as dimensões energética, alimentar, hídrica e ambiental da segurança amazônica.

Quanto a esse aspecto, vale destacar o espaço dedicado no livro à análise da Bacia Amazônica no contexto da segurança regional. Não é difícil constatar que, para os países amazônicos, a Bacia é uma questão de envergadura nacional estreitamente vinculada ao desenvolvimento dos mesmos.

Sua importância estratégica torna imperativa a discussão de assuntos basilares das relações internacionais, como soberania, conflito e cooperação, dado que grande parte dos recursos hídricos amazônicos provém de rios compartilhados, o que destaca a importância de se contemplar a dimensão multilateral da segurança hídrica desta região, que abriga a mais extensa rede hidrográfica do planeta.

Como bem lembra o autor, recentemente o Brasil enfrentou dificuldades com a Bolívia em decorrência da nacionalização do gás natural. Outro ponto que pode ganhar vulto e aguçar tensões na vizinhança amazônica diz respeito aos projetos de construção de hidrelétricas para operar no Rio Madeira. A Bolívia já demonstrou, formalmente, seu descontentamento com o empreendimento, evocando em seu pleito a bandeira do ambientalismo e da mitigação dos impactos ambientais.

O paradoxo é que o Legislativo e o Executivo bolivianos já estudam a possibilidade de um empreendimento binacional, em que o Brasil seria o principal comprador da cota boliviana excedente, a exemplo do que acontece com Itaipu, entre Brasil e Paraguai. Desenha-se então, como descreve com perspicácia Procópio, um cenário de dependência energética que, além do gás natural, conta com a energia hidrelétrica como importante variável.

Argemiro Procópio dedica boa parte de sua análise aos efeitos ambientais do complexo agroexportador amazônico, que tem, na soja e, mais recentemente, na cana-de-açúcar, seus produtos exponenciais. Ele ressalta que a agricultura tem o potencial de viabilizar o desenvolvimento sustentável por meio da ação governamental eficiente na formulação e implementação de políticas setoriais de desenvolvimento rural aliadas à gestão dos recursos naturais, o que requer a devida aplicação da legislação ambiental e ordenamento territorial.

Contudo, no caso amazônico, mais especificamente no Brasil, os dados apresentados pelo autor apontam a expansão da fronteira agropecuária com vistas ao aumento da produção voltada para a exportação como grande responsável pela implantação de um modelo produtivo direcionado ao uso intensivo dos solos e ao desenvolvimento de grandes monoculturas. Como resultado, observa-se a conversão de áreas naturais em "agroecossitemas" para atender à crescente demanda mundial pela soja e, no caso da cana-de-açúcar, pelo biocombustível.

Há alguns pontos controversos abordados pelo autor que, propositadamente, convidam o leitor à reflexão. Em um deles, Procópio sustenta a assertiva de que a diversificação de matrizes energéticas baseadas em insumos utilizados na alimentação humana, mesmo integrando um projeto de produção energética renovável, ameaça a segurança alimentar e ambiental em várias frentes.

No caso da expansão canavieira, este quadro é a gênese do que ele define como dualidade estrutural "fome-etanol", situação em que a agroenergia tem o potencial de desestabilizar a segurança alimentar ao provocar o encarecimento de gêneros de primeira necessidade, à exceção do açúcar.

A expansão de latifúndios sucroalcooleiros e a implementação de programas de combustíveis renováveis sem sustentabilidade social a expensas de áreas anteriormente utilizadas na lavoura branca, principalmente na produção de feijão, mandioca, arroz e milho, têm provocado o encarecimento destes insumos e, concomitantemente, propiciado o aumento substancial do número de "subalimentados". Além disso, caso o etanol emplaque como modelo da matriz energética mundial, Procópio prevê a intensificação da destruição florestal nos oito países amazônicos.

Em outro ponto igualmente polêmico, neste caso voltado especificamente ao Brasil, o autor tece críticas a práticas amplamente tidas como sustentáveis, como a reciclagem. É sabido que o país evoluiu muito nos últimos anos no que diz respeito à reciclagem de materiais como plástico, papel e, principalmente, latas de alumínio.

Nesse último exemplo, o sucesso da reciclagem pode ser explicado, em parte, pelo elevado custo do alumínio, que faz com que as empresas optem por sua reciclagem à compra do metal que é extraído da bauxita. Consequentemente, a reciclagem de latas passou a ser a principal fonte de renda de um grande número de famílias das camadas sociais mais pobres. Esses fatores conjugados contribuíram para elevar o Brasil ao posto de integrante do seleto grupo dos maiores recicladores do mundo.

Na percepção do autor, a reciclagem, nessas condições, é um dos fatores responsáveis pela continuidade de um quadro paradoxal de "subdesenvolvimento sustentável", ao incentivar a perpetuação de um ciclo de pobreza e de exclusão social das pessoas que subsistem do extrativismo do lixo.

A partir daí, Procópio propõe que, ao invés dos produtos cada vez menos duráveis e mais descartáveis, sejam fabricados produtos com vida útil mais longa, compatíveis com adaptações e arranjos tecnológicos que possibilitem sua utilização em uma perspectiva temporal ampliada de forma a reduzir drasticamente os possíveis danos ao meio ambiente.

Ainda segundo o autor, "priorizar o ser ao invés do ter, transformar mentalidades e introduzir no vocabulário ambiental o verbo desmaterializar são filosofias de vida com as quais as inovações tecnológicas terão como impedir o sucateamento das coisas fabricadas hoje, após curto período de uso" (p. 158).

A partir dos argumentos postos, o leitor infere que a "ecologia industrial", nos exemplos citados, aflorou não como baluarte da proteção ambiental stricto sensu, mas como uma conveniência mercadológica que, por acaso, coincidiu com uma tendência amplamente divulgada como positiva em termos ambientais.

Em suma, Subdesenvolvimento sustentável destaca-se como importante referência aos que desejam entender e pensar o papel amazônico na dinâmica de um cenário ainda em mudança e cuja complexidade propicia espaço a novas possibilidades e conexões de ordens variadas. Nesse aspecto, o autor propõe uma releitura das relações internacionais amazônicas.

Por fim, merece menção o fato de o livro tratar acerca das várias dimensões do conceito de segurança, ponto ainda muito discutido no campo das Relações Internacionais, o que atesta a contribuição da obra à literatura

Revista Contexto Internacional - PUC-RIO

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