segunda-feira, 29 de março de 2010

Os Think Tanks e sua influência na política externa dos EUA - a arte de pensar o impensável


Os Think Tanks e sua influência na política externa dos EUA - a arte de pensar o impensável


Maurício Santoro

Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e membro da carreira do funcionalismo federal de especialista em políticas públicas e gestão governamental. Lecionou Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Universidade Candido Mendes e na Academia Militar das Agulhas Negras. E-mail: msantoro@iuperj.br

TEIXEIRA, Tatiana. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007, 268 páginas.

Estima-se que existam cerca de 1.500 think tanks nos Estados Unidos da América (EUA), com forte influência sobre as políticas públicas, mas o fenômeno ainda é tão mal compreendido que sequer há uma definição consensual do que são essas organizações. O livro Os think tanks e sua influência na política externa dos EUA - a arte de pensar o impensável, da jornalista Tatiana Teixeira, preenche importante lacuna nas pesquisas realizadas no Brasil. A obra é fruto da Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais defendida pela autora na Universidade Federal Fluminense (UFF) e laureada pela embaixada norte-americana com o Prêmio Franklin Roosevelt 2007, concedido a trabalhos sobre os Estados Unidos.

Tatiana Teixeira aborda primordialmente o papel dos think tanks neoconservadores norte-americanos na conjuntura política pós-11 de setembro - oportunidade privilegiada para compreender as disputas por poder e influência na formulação da política externa dos EUA. O medo disseminado após os atentados criou a oportunidade para a implementação de uma agenda diplomática formulada em grande medida em instituições como Heritage e Project for the New American Century, que há anos refletiam sobre assuntos como o combate ao terrorismo e pregavam a derrubada de regimes políticos no Oriente Médio, quando estes fossem hostis aos Estados Unidos.

Contudo, o livro de Tatiana Teixeira vai muito além desse aspecto e examina o surgimento e o desenvolvimento dos think tanks, mostrando as transformações pelas quais passaram ao longo do tempo. A autora começa com um sumário das abordagens teóricas sobre o papel das idéias e dos intelectuais na ação política, recorrendo a Pierre Bourdieu, Karl Mannheim e Michel Foucault, entre outros. Examina o "poder simbólico" exercido pelas idéias nos conflitos de interesses, mas também ressalta o quanto o pensamento pode ser manipulado para referendar decisões que já haviam sido tomadas de antemão.

Em seguida, examina os diversos papéis que os especialistas acadêmicos podem desempenhar nos think tanks, identificando seis tipos principais (p. 71-72). Os mais importantes são os scholar-statesman, que ocuparam altos cargos no governo, no Conselho de Segurança Nacional, no Departamento de Estado ou no Pentágono. Em seguida, vêm os policy specialists, cuja área de atuação está restrita a um nicho particular das políticas públicas e em geral estão envolvidos sobretudo com pesquisa acadêmica de longo prazo. A autora distingue-os dos policy consultants, que trabalham no curto prazo e estão mais voltados ao atendimento de seus clientes do que ao diálogo com o público em geral. Os government experts usam seus cargos burocráticos para participar no debate político a partir de uma posição de poder. A autora também examina os policy interpreters, que "buscam espaço nos editoriais dos jornais, telejornais ou programas de entrevistas. Os veículos de comunicação dependem desses especialistas para dar uma aparência de profundidade, diversidade, equilíbrio e isenção a sua cobertura diária" (p. 71). Por fim, há os policy enterpreneurs, dedicados à criação de instituições e à fundação de think tanks.

Assim como os intelectuais exercem diversas tarefas nos think tanks, essas instituições também desempenharam funções distintas na cena pública ao longo do século XX. Tatiana Teixeira avalia que existem quatro ondas principais na história dessas organizações (p. 86-95). A primeira acompanha a "era progressista" do início do século XX e é marcada pela ascensão dos Estados Unidos ao papel de grande potência, com a criação de think tanks como Council on Foreign Relations e Brookings Institution. Funcionavam como "universidades sem alunos", e destacava-se sua pesquisa acadêmica de alta qualidade.

A segunda dá-se no bojo do surgimento do complexo industrial-militar norte-americano na Segunda Guerra Mundial e no início da Guerra Fria, quando "fez-se necessária a emergência de analistas capazes de entender, prever e dialogar com um mundo em transformação e cheio de incógnitas a serem respondidas" (p. 87). O think tank clássico dessa fase é a RAND Corporation.

Já os anos 1960 e 1970 são marcados pela cisão da elite norte-americana, com os conflitos em torno da Guerra do Vietnã, dos problemas sociais dos EUA e dos embates políticos e culturais entre esquerda e direita. Marco dos chamados advocacy think tanks, assim caracterizados pela autora: "A partir de uma espécie de 'filosofia Wal Mart', com idéias expostas como as mercadorias na prateleira de uma grande loja, os advocacy think tanks seguem um programa ideológico preciso com recomendações operacionais para influenciar quem é influente" (p. 137). São dessa época o Heritage, o Cato e o Center for Strategic and International Studies (CSIS).

Por fim, a quarta onda nasce com o fortalecimento dos conservadores no governo Reagan e nela se destacam instituições como Bradley e Smith Richardson. Os advocacy think tanks passam a dedicar-se cada vez mais ao marketing de idéias, com ampla capacidade de influenciar a agenda pública, seja por contatos no governo, seja pelos meios de comunicação.

Os think tanks exercem diversas funções. A mais conhecida é pautar o debate político por meio da publicação de estudos, artigos de opinião e da participação de seus membros na mídia. A mistura entre pesquisa e advocacy faz deles a ponte entre conhecimento e poder. No sistema político altamente fragmentado dos Estados Unidos, os think tanks assumem tarefas de representação de diversos grupos de interesses, embora muitas vezes com pouca transparência com relação a como são financiados. O discurso de que defendem o "interesse público" não se sustenta diante dos nexos existentes entre essas organizações, conglomerados econômicos ou partidos políticos. Seu poder é ilustrado por citação bem-humorada do jornalista Steve Waters: "Como você muda o mundo? Bem, existem os caminhos óbvios, como tomar o poder, ser absurdamente rico ou trabalhar pesado por meio do processo eleitoral. E existem os atalhos, como o terrorismo ou formar um think tank" (p. 105).

Tatiana Teixeira chama a atenção para a função de "incubador ou reciclador de talentos" exercida pelos think tanks ao funcionar como "um local de entressafra para que aqueles que deixaram o poder tenham onde formular, elaborar e difundir suas idéias, mantendo-se na ativa, sem cair no esquecimento, e trocando experiências com os membros permanentes dessas organizações" (p. 117), observando também que "é raro hoje alguém chegar ao primeiro e segundo escalões do governo, nas áreas de política externa e segurança nacional, sem já ter passado ou estar vinculado a algum think tank" (p. 119).

O tipo de rede de contatos pessoais formada a partir desse tipo de instituição é conhecida como revolving door:

O processo de exercer influência é interessante, porque tem efeito circular. Chega-se ao ponto de onde se saiu. Laconicamente os passos dados são: escrever livros, depor no Congresso, conseguir contatos informais no Capitólio ou na Casa Branca e na imprensa, fazer conferências e aparecer na mídia, onde os integrantes dos think tanks são reconhecidos como autoridade legítima para comentar questões políticas. (p. 149).

Uma vez examinados esses elementos gerais, a autora estuda o caso dos neoconservadores no governo George W. Bush. Ela narra a história da formação dessa corrente ideológica, começando pelos progressistas desiludidos com os rumos da esquerda, a partir dos anos 1960/1970. A autora aponta que suas decepções os levaram a defender a retomada de valores conservadores, como maior espaço para a religião na vida pública, e analisa sua convergência e divergência com outras tendências da direita norte-americana, em particular os movimentos cristãos. Destaca-se o maior ativismo dos neoconservadores com a promoção da democracia no exterior e suas posturas mais flexíveis com relação à economia - não compartilham, por exemplo, da adesão ao livre-comércio que caracteriza a ideologia conservadora nos EUA.

A autora afirma que o casamento entre os neoconservadores e os outros ramos da direita norte-americana foi celebrado durante o governo Reagan. Contudo, nas administrações seguintes, os neoconservadores afastaram-se dos cargos mais importantes, embora tenham se dedicado a aperfeiçoar suas ferramentas de luta política:

Embora tenham ficado afastados do poder nos anos 90, tanto no governo de George H. W. Bush (de 1989-93), quanto no de Bill Clinton (1993-2001), os neocons aproveitaram esse período para construir e consolidar um eficiente método voltado para a batalha das idéias, graças a uma densa infra-estrutura intelectual, com nomes de alto calibre, da qual os think tanks fazem parte. (p. 166).

Em seguida, Tatiana Teixeira examina em detalhes o funcionamento dos principais think tanks dos neoconservadores como Heritage, American Enterprise Institute e Project for the New American Century. Ela questiona a qualidade da pesquisa desenvolvida por essas instituições, afirmando que muitas vezes se trata mais da reafirmação de posições políticas, com forte visibilidade na mídia: "Os críticos afirmam que se trata, na verdade, de uma loja de conveniência de idéias, com material de qualidade duvidosa, mas com incontestável e incrível capacidade de marketing" (p. 210).

Jornalista experiente, com passagens pelo jornal O Globo, pela Agência EFE e atualmente na France Press, a autora discute o perigoso papel que a mídia desempenha na ponte entre os think tanks e as políticas públicas, mostrando como muitas vezes repórteres com prazos apertados sucumbem à pressa e preferem dar voz aos articulados membros dessas organizações, em vez de estimular a reflexão cautelosa e ponderada sobre os temas internacionais. O recurso exagerado aos media doctors empobrece o nível das reflexões e dá margem à captura da agenda pública por parte de camarilhas políticas atentas à importância de influenciar os meios de comunicação.

Em suas considerações finais, Tatiana Teixeira destaca a internacionalização crescente dos think tanks, com o modelo norte-americano disseminando-se para outros países. Ela defende a ampliação do leque ideológico dessas organizações como uma garantia de que estimularão o debate democrático de idéias, observando com preocupação que seu caráter está cada vez mais voltado para advocacy do que para pesquisa objetiva. A autora observa que os think tanks cumprem funções democráticas positivas, como "sistematizar as idéias que circulam no meio político" (p. 225, em negrito no original). Entretanto, é preciso mais diversidade nas discussões:

Logo, a saída parece ser a variedade de instituições para democratizar o debate e fomentar a vitalidade intelectual, para que a Política Externa norte-americana rejuvenesça com novas idéias, ao contrário de reciclar de maneira contínua antigos conceitos, que claramente não se aplicam ao atual mundo em estágio transitório. (p. 225, em negrito no original).

No contexto atual dos Estados Unidos, tal diversificação significa questionar a hegemonia conservadora sobre a agenda pública. No que toca à política externa, Tatiana Teixeira chama a atenção para os impactos catastróficos da guerra do Iraque e as críticas internacionais que o conflito provocou com relação às estratégias de segurança nacional formuladas por Washington.
Revista Contexto Internacional - PUC-RJ

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